segunda-feira, dezembro 31, 2007

A Leitaria Académica - Alta de Coimbra

Entre as muitas “vítimas” das demolições da Velha Alta de Coimbra, uma das mais simbólicas e lamentadas pela academia coimbrã, foi a Leitaria Académica, mais conhecida pelo nome do seu fundador e proprietário, Joaquim Inácio, vulgo Joaquim “Pirata”. Figura sempre lembrada pelos estudantes que passaram por Coimbra nas décadas de 1920, 1930, 1940 e mesmo 1950, este Joaquim “Pirata”, tinha o seu estabelecimento bem na desaparecida Rua Larga, a fazer esquina para a Rua de S. João, esta última (ainda?) hoje existente, mas numa versão que nada tem a ver com a original. A origem da alcunha do seu proprietário, é desconhecida, mas era este o nome por que todos os estudantes lembravam esse homem de figura muito peculiar, sempre envergando um impecável casaco branco. Este estabelecimento era um espaço algo exíguo, só ocupando duas portas que davam para a Rua Larga, tanto que em dias de festa, os seus frequentadores tinham de ir consumir para a rua, não havendo, para mais, esplanada. Mais frequentemente, era utilizado pelos estudantes quando iam tomar o pequeno-almoço, apressadamente, antes de irem para as aulas. Era precisamente na relação deste Joaquim “Pirata” com os seus clientes, que residia um dos seus aspectos mais peculiares, e que se revelou uma estratégia de negócio algo bem sucedida. O cliente entrava, consumia, mas não era obrigado a pagar a pronto. No entanto, tinha de deixar o seu nome num de dois ou três grossos livros, sebosos pelo uso, que existiam bem à vista no balcão. Estes livros eram conhecidos pelos “canis”, derivado da expressão “ferrar o cão”, sinónimo de ficar a dever, não pagar a conta. Esta sua atitude aparentemente permissiva conquistou a simpatia da sua clientela, predominantemente estudante, que muito frequentava este espaço. O senhor sabia que, mais cedo ou mais tarde, as dívidas iam ser saldadas, o que quase sempre acontecia. Muitas vezes, o antigo estudante, num rebate de consciência, só lá regressava alguns anos depois do fim da sua licenciatura e, finalmente, o seu nome era riscado. Não raras vezes, esta dívida era motivo de celebrações bem regadas à porta do estabelecimento. A Leitaria Académica, aberta desde por volta de 1923, tinha como outra característica distintiva um grande azulejo com o símbolo da Associação Académica de Coimbra, colocado entre as suas duas portas de entrada. Terá sido um dos primeiros estabelecimentos de Coimbra a ter esse símbolo, criado pelo então jovem estudante Fernando Pimentel, no ano de 1927. Entretanto, em Maio de 1944, com o inexorável avanço das demolições, iniciadas no ano anterior, para a construção da nova “Cidade Universitária”, o “Pirata” vê-se obrigado a encerrar as portas.
Transferiu-se para a Rua dos Estudos, onde permaneceria até Outubro de 1949, na sequência do desmoronamento do edifício onde se localizava, incidente a que não foram alheias as demolições que decorriam já nas suas imediações. Na sequência disto, é obrigado a nova mudança, desta vez para um prédio situado junto aos Arcos do Jardim, o primeiro à esquerda, que seria demolido em Outubro de 1959. A partir daqui, não mais se soube do paradeiro do espólio que dentro dele existia.

Gram Parsons e os Byrds




Gram Parsons nasceu, na Florida, no Sul dos Estados Unidos da América em Novembro de 1946 numa família mais ou menos abastada, pelo menos por via materna. O seu nome de batismo era Ingram Cecil Connor, mas decidiu, pelo menos a nível artístico, adoptar o apelido do seu padrasto. Tendo desde muito cedo manifestado um grande talento musical, Gram Parsons aprendeu logo na infância a tocar vários instrumentos, nomeadamente o piano. Após um período de alguma estabilidade familiar, a sua família começou a desagregar-se em grande parte devido ao alcoolismo da mãe, que já havia ficado viúva na sequência do suicídio do seu primeiro marido. Na sequência destas vicissitudes, Gram Parsons começou a dedicar-se ao aperfeiçoamento dos seus dotes musicais. Tal como aconteceu com outros jovens americanos nessa segunda metade dos anos 50, ele desenvolveu um forte interesse pelo rock and roll, então uma novidade em todos os campos. Tendo este género musical como referência, participou em diversas bandas com pouco mais de 10 anos de idade, atuando em bares e clubes que eram propriedade do seu padrasto. Em paralelo, rendeu-se igualmente à música folk, com uma tradição muito marcada na zona onde cresceu, sem esquecer a componente fundamental da música negra. Ainda no final da adolescência, acabou dar a primazia a este género musical, claramente mais consensual do que os novos ritmos que a década de 1960 começava a trazer, nomeadamente provenientes do outro lado do Atlântico, por via de grupos como os Shadows e os Beatles. Foi sob a influência de outros grupos, já consagrados como o Kingston Trio e os Journeyman, que Gram Parsons constituiu a sua primeira banda profissional, os Shilos, em 1963




Esta banda atuava, com grande êxito, nos mais diversos locais, desde bares a auditórios de liceu. Entretanto, após uma breve permanência na Universidade, decide aprofundar a sua grande paixão pelo country, reunindo-se com outros músicos, também estudantes, da zona de Boston, formando uma banda chamada "The Like" em 1965

The Like (feat. Gram Parsons) - "Just Can't Take It Any More" (1965).

Originalmente, os elementos desta banda pretendiam investir num som mais próximo do jazz e do blues. Todavia devido ao facto de Gram Parsons ter revelado a sua, cada vez mais forte, intenção de prosseguir a sério como cantor folk, esta banda acabaria ainda nesse ano de 1965. Posteriormente, uma série de encontros com outros músicos seria crucial na decisão de Gram Parsons prosseguir em direção ao que seria designado por country-rock. Seria com alguns destes, que Parsons formaria uma nova banda, desta vez com maior destaque, denominada "International Submarine Band". Por volta de 1967, esta banda transfere-se para Los Angeles tendo, no ano a seguir (1968), lançado o excelente álbum, Safe at Home.

The International Submarine Band - "Safe At Home" (1968).

The International Submarine Band (feat. Gram Parsons) - "Folsom Prison Blues/That's All Right" (1968).

The International Submarine Band (feat. Gram Parsons) -"Luxury Liner"(1968).

The International Submarine Band (feat. Gram Parsons) -"Strong Boy"(1968). 

The International Submarine Band (feat. Gram Parsons) - "Do You Know How it Feels to Be Lonesome" (1968).

The International Submarine Band (feat. Gram Parsons) - "Knee Deep In The Blues" (1968).

Ainda que a música country constituísse o seu género de eleição,
Gram Parsons não era um músico de horizontes restritos a este género de regras muito próprias. Cultivava um interesse paralelo pelas novas correntes em que a música rock se havia ramificado e estava profundamente aberto a tentar combiná-las com um género musical aparentemente avesso a grandes mudanças como era o country. O cantor e compositor Gram Parsons interpretava uma música onde as sonoridades e as temáticas eram claramente do universo do Country, mas a sua atitude, apresentação e instrumentação devia muito mais ao rock. Aliás foi com ele que se começou a popularizar um, então, novo género, denominado “country rock”.


O próprio Gram Parsons personificou esta aparente dissonância country/rock: por um lado a sua música soava a uma versão eletrificada do country e as suas atuações estavam a ter uma aceitação e sucesso crescentes em círculos e zonas desde sempre seu terreno privilegiado, nomeadamente na região de Nashville; por outro, a sua forma de vestir, círculos de amizades, fãs e estilo de vida eram semelhantes, senão comuns, às estrelas do rock de então, incluindo mesmo nos aspetos negativos, como por exemplo, o uso de drogas cada vez mais pesadas. Em 1968, Gram Parsons integrou, temporariamente, os Byrds, por via de um dos seus membros, Chris Hillman. Neste período, o grupo não atravessava propriamente um período muito feliz.
The Byrds entre 1965 e 1966. Da esquerda para a direita: Chris Hillman, David Crosby, Michael Clarke, Jim (Roger) McGuinn e Gene Clark.

The Byrds - "Mr. Tambourine Man" (1965). Um tema original de Bob Dylan o qual, muito no seu começo, terá "apadrinhado os Byrds, tendo chegado a atuar com eles. Inicialmente, elementos da editora para onde os Byrds gravavam, não terão estado muito de acordo quanto a incluir um tema com tal "carga" no lado A do single prestes a ser lançado e que seria o "tema de apresentação" dos Byrds. Ponderaram seriamente a hipótese de passar o tema destinado para o lado B. "I Knew I'd Want You", para o lado A, apesar de parecer menos "comercial". Era, entre outras razões, devido ao facto do seu autor ser um certo Bob Dylan, já então considerado um indivíduo um tanto "engagé" e, por isso, olhado de esguelha pelos setores mais conservadores... Terá sido o jovem produtor Terry Melcher, quem acabou por fazer toda a força, para que este tema permanecesse no lado A, argumentando, entre outros aspetos, a necessidade de serem bem sucedidos neste primeiro "de facto" lançamento dos Byrds. Não se enganou: o "Mr. Tambourine Man" atingiu o 1º lugar. Claro que sempre ouve outros que não ficaram convencidos... Mesmo assim, voltou-se a investir, temporariamente, em composições de Bob Dylan como "fórmula de sucesso", quer da parte dos Byrds, quer de outros grupos musicais, inclusive do outro lado do Atlântico. Aliás, foi a partir destas versões, muitas delas êxitos incontestados, que muitos "chegaram" à obra de Bob Dylan. Mesmo aqueles que não se sentiram particularmente cativados, talvez até desiludidos, pelas versões, um tanto quanto "básicas" e "pouco produzidas" do futuro Prémio Nobel, nunca mais lhe ficaram completamente indiferentes. Terá sido para, também, tentar chegar a estes ouvintes mais "dinâmicos" e onde os "êxitos comerciais" proliferavam, que Bob Dylan decidiu, mais cedo do que muitos julgaram, sair do registo algo "espartilhante" do puro folk e aventurar-se por outras paragens, surpreendendo tudo e todos, tal como, no fundo, acabaria por ir fazendo, até à atualidade. Na altura, o "mestre" foi chamado de "traidor" e "vendido" ao sucesso fácil... Ver Bob Dylan a empunhar uma guitarra-elétrica parecia, então (1965) quase um contra-senso... 
 Desde logo, as harmonias vocais que faziam grande parte do então inovador, "som Byrds" começavam a dar que falar e a mudar o som dominante da música de meados da década de 1960. A voz solo e inconfundível, como em muitos outros temas dos Byrds, estava a cargo de Jim McGuinn.

The Byrds - "All I Really Want To Do" (1965). Outra cover bem conseguida de um tema original de Bob Dylan e que foi o 2º grande êxito dos Byrds. O som das harmonias vocais estava, mais uma vez, ao nível da excelência e tornar-se-ia, desde logo, uma das imagens de marca dos Byrds. Muitos outros grupos musicais, daquele tempo, terão tentado emular esta capacidade de combinação de vozes. Alguns conseguiram ir ainda mais longe e fizeram disso a principal razão do seu sucesso como, por exemplo, os "The Association" famosos, entre outros temas, pelo inesquecível "Along Comes Mary" de 1966.


The Byrds - "Chimes Of Freedom" (1965). Mais uma cover de um tema original de Bob Dylan. Para muitos, talvez, a "jóia" escondida deste LP, visto que aparece, aparentemente, secundarizado, no seu lado B, quase a encerrar. Aliás foi, de facto, o último tema a ser gravado, cronologicamente, para este LP. Conta-se que a sua gravação não foi, de início, muito pacífica... A voz principal, tal como havia sido previamente combinado, coube a David Crosby. Aconteceu que, devido a não se sabe que razão, à última hora David Crosby recusou-se a cantá-la. Talvez uma das suas, cada vez mais frequentes, afirmações da sua personalidade muito forte, e que lhe traria, no seio deste grupo, alguns problemas, mais tarde. Apesar do seu aspeto algo bonacheirão, David Crosby é um "osso duro de roer". As coisas chegaram a tal ponto que, David Crosby chegou querer sair do estúdio para não mais voltar... Num assomo de fúria, quase imprevisível, um dos produtores do álbum que se estava a finalizar, barrou-lhe a passagem, dizendo-lhe que só sairia dali "sobre o seu cadáver" e que ele iria cantar no "Chimes Of Freedom" a bem ou a mal... Segundo testemunhas daquela ocorrência, David Crosby não teve outra solução senão conformar-se. Conta-se que ele terá mesmo chorado por uns breves instantes, antes de respirar fundo e pegar na sua guitarra de forma decidida e colocando-se em frente do microfone, pronto para cantar... Há quem diga que foi aquele momentâneo estado de catarse que o levou a fazer uma interpretação memorável e irrepetível desta canção!


The Byrds - "I Knew I'd Want You" (1965). Ao se escutar os outros três temas, pode-se ficar com a sensação de que o sucesso dos Byrds se deveu muito ao talento de escritor de canções de Bob Dylan, que também, no começo, os "apadrinhava". Este tema "I Knew I'd Want You" é a prova disso. Se não tivesse sido a sua versão de Mr. Tambourine Man, teria sido esta canção, da autoria do membro Gene Clark, o "tema de apresentação" dos Byrds, visto que, como já referi antes havia, da parte de diversos elementos da respetiva editora algumas reservas quanto usar o Mr. Tambourine Man, de um certo Bob Dylan, que muitos olhavam "de lado", como o tema escolhido para o lado A do seu primeiro single.


Tendo atingido uma rápida consagração em 1965, então apadrinhados por Bob Dylan e sob os auspícios de um êxito imediato com uma muito bem conseguida versão de um tema da autoria deste, Mr. Tambourine Man, os Byrds estavam lentamente a decair. 

The Byrds - "Turn! Turn! Turn! (To Everything There Is A Season)" (1965). Novamente, os Byrds conseguem ser a verdadeira "resposta americana", à invasão britânica, encabeçada pelos Beatles, que os influenciaram, nomeadamente no som das guitarras, mas que eles também influenciariam, como se veio a verificar no seu som a partir de 1965. O tema "If I Needed Someone", composto e interpretado por George Harrison, que aparecia no seu álbum de viragem "Rubber Soul", é um exemplo dessa influência do "som Byrds". A própria guitarra de eleição de Jim McGuinn era uma "Rickenbacker", tal como George Harrison usava.

The Byrds - "Set You Free This Time" (1965). Tema da autoria de Gene Clark, e um dos poucos temas onde ele teve a oportunidade de "brilhar" a solo. Tal foi o reconhecimento da sua qualidade que, contrariamente ao que estava inicialmente combinado, se editou mais um single com esta canção no lado A. A importância de Gene Clark nos Byrds crescia a olhos vistos... Há quem diga que terá sido esta a razão central para a sua saída dos Byrds logo em 1966. Jim McGuinn, que quis, logo desde o começo, fazer dos Byrds a sua banda e, desta forma, o seu veículo de expressão por excelência. Não gostava que outros lhe fizessem "sombra". Para todos os efeitos, ele era "o líder" e queria ser o centro das atenções. Por seu turno, Gene Clark já se afirmava como um escritor de canções a considerar. Terá sido isto que o fará "não ficar perdido" quando saiu dos Byrds, tendo mesmo conquistado um sólido núcleo de apreciadores e uma carreira que só não foi mais bem sucedida devido aos seus excessos pessoais que, logo, não tardariam a se manifestar numa saúde problemática, apesar daquela aparente robustez inicial. Gene Clark envelheceria muito rapidamente e terminaria o seu trajeto muito acidentado, doente e cansado da vida, aos 46 anos, em 1991. Dois anos depois, em 1993, e devido a razões similares, também faleceria o baterista fundador dos Byrds, Michael Clarke, aos 47 anos, profundamente arrependido dos excessos do seu passado, tendo ainda chegado a fazer aparições televisivas com o intuito de advertir os jovens para as consequências de uma "vida desregrada".

O grupo continuava a ser bem sucedido e os seus espetáculos bastante concorridos. Mas, no horizonte, havia nuvens que pareciam anunciar um esvaziamento da fórmula e consequente estagnação, como vinha acontecendo com outros grupos, numa conjuntura em que tudo parecia mudar a uma rapidez estonteante. Esta situação arrastava-se desde a saída de Gene Clark, um dos seus elementos fundadores, no ano de 1966, após dois álbuns consistentes. Quando ele saiu, durante algum tempo, julgava-se que isso seria o começo do fim dos Byrds.

The Byrds - "Eight Miles High" (1966). Na altura, este tema foi considerado o zénite da criação artística dos Byrds. Houve, como aconteceu em outros casos, a suposição de haver substâncias ilícitas a proliferar no seio do grupo, coisa que, claro está, eles negaram peremptoriamente. Jim McGuinn terá dito que a principal fonte de inspiração para este tema, foi "um voo de avião" numa das suas primeiras digressões... Gene Clark saiu do grupo quando este single estava a ser lançado. Houve que dissesse que foi por "medo de voar", o que seria cada vez mais exigido nas previstas futuras digressões dos Byrds. Na verdade, a personalidade de Gene Clark e as suas eventuais "idiossincrasias", estavam a crescer "demasiado" para os Byrds de Jim McGuinn...

Nessa altura, Jim Joseph McGuinn, o cantor principal, decide assumir definitivamente a liderança do grupo, embora esta tenha vindo a ser cada vez mais contestada pelos outros membros. Neste ano de 1966, Jim McGuinn tomando as rédeas da direcção musical do grupo, decide dar um passo ousado tentando criar aquilo que ele designava de “space rock”. As suas intenções pretenderam obter expressão com o lançamento do LP "Fifth Dimension" em meados de 1966.

The Byrds - "5D (Fifth Dimension)" (1966).

The Byrds - "Mr. Spaceman" (1966).

The Byrds - "I Come And Stand At Every Door" (1966). Um forte libelo contra a guerra... 

I come and stand at every door
But no one hears my silent tread
I knock and yet remain unseen
For I am dead, for I am dead
I'm only seven although I died
In Hiroshima long ago
I'm seven now as I was then
When children die they do not grow
My hair was scorched by swirling flame
My eyes grew dim, my eyes grew blind
Death came and turned my bones to dust
And that was scattered by the wind
I need no fruit, I need no rice
I need no sweets nor even bread
I ask for nothing for myself
For I am dead, for I am dead
All that I ask is that for peace
You fight today, you fight today
So that the children of this world
May live and grow and laugh and play

Mantendo a sonoridade básica, os temas das suas canções começam a versar a conquista do espaço, a existência de outras galáxias e o futuro da tecnologia, ainda que a criação de muito destas outras “dimensões”, tenham tido por trás o crescente apoio de certas “substâncias”, como por exemplo, os alucinogénios, então muito em uso. Associado a isto, os Byrds aproximam-se, como outros grupos, do psicadelismo e dos encantos orientais, em especial pelos sons indianos. Foi um período interessante, em que eles produziram uma das suas maiores obras-primas, Younger Than Yesterday, álbum saído no começo de 1967. A produção ficou a cargo de Gary Usher (1938-1990).

The Byrds - "So You Want To Be A Rock 'n' Roll Star" (1966-1967).

The Byrds - "Have You Seen Her Face" (1966-1967).

The Byrds - "C.T.A.-102" (1966-1967). Um dos temas onde as obsessões de McGuinn com "outras dimensões" mais se exprimiu. Neste tema, recorrendo a técnicas de estúdio então inovadoras, os Byrds interpretam uma canção ligeira e descontraída, que depois para surpresa dos ouvintes, acaba abruptamente. Logo de seguida aproxima-se um som estranho, "vindo de outras dimensões", e ouve-se, distorcida e mal captada, uma repetição do tema que se acabou de ouvir, seguida do som de umas vozes de gravação acelerada a dizer frases e palavras desconexas e sem sentido . Supostamente, esta canção dos Byrds, estaria a ser escutada pela tripulação de uma nave extra-terrestre... 

The Byrds - "Renaissance Fair" (1966-1967). Canção da autoria de David Crosby. Segundo este, o elemento inspirador para este tema foram umas "feiras" temáticas que se realizavam algures, onde, entre outros aspetos, todos se vestiam de acordo com a época encenada, neste caso a "Renascença". Combinadas, claro está com elementos provenientes das mais distantes paragens da imaginação. "I Think That Maybe I'm Dreaming". 
Em termos também instrumentais, é uma canção inovadora no repertório dos Byrds. Chris Hillman executa o baixo elétrico de uma forma diferente do que era habitual - o seu som agora parece ser o de um veículo onde todo o resto da canção é "transportado". Algo como um "walking bass" e que é um dos detalhes mais associados ao álbum dos Byrds "Younger Than Yesterday". A utilização de um oboé, num tema dos Byrds, faz aqui a sua estreia e é um outro elemento de destaque. Aliás, ao fazerem-no, os Byrds revelam estar plenamente a par dos sons que começavam a proliferar na música corrente, nomeadamente uma progressiva aproximação do mundo Rock à Música Clássica, que já vinha ganhando expressão, ainda que de uma forma discreta, pelo menos desde 1965. Tenha-se em conta que este disco ("Younger Than Yesterday") foi gravado ainda em 1966 e que, quando foi lançado, o ano de 1967, que se revelaria da forma que muitos sabem, estava apenas a começar (6 de Janeiro). 

The Byrds - "Time Between" (1966-1967). Chris Hillman começava a afirmar-se também como um compositor a não ignorar. A sua vertente preferencial, mais do que Crosby e McGuinn, era sobretudo o Country.

The Byrds - "Everybody's Been Burned" (1966-1967). As composições de David Crosby estavam-se a revelar fundamentais para a evolução do som dos Byrds. Este tipo de composições, levou o repertório dos Byrds para zonas até então inexploradas. Outro tema deste disco ("Younger Than Yesterday") onde David Crosby ia ainda mais longe era o muito sugestivo "Mind Gardens". 
The Byrds - "Mind Gardens" (1966-1967). Reparar no efeito da guitarra em "backwards", mais no final da canção.

David Crosby por volta de 1966.

As "viagens" pela imaginação de Crosby, ajudadas ou não por certas substâncias, não colidiam com a busca de "outras dimensões" de Jim J. McGuinn, que se estendiam mesmo ao seu campo pessoal... Este, na sequência de ter entrado em contacto com outras sabedorias, culturas e mesmo religiões, achou por bem fazer uma pequena mudança no seu próprio nome, pelo menos, a nível artístico. Seria aqui que ele passaria a responder pelo nome de "Roger" McGuinn.

The Byrds - "Thoughts And Words" (1966-1967). Uma das primeiras composições de Chris Hillman, onde se começa a revelar uma certa complexidade lírica e instrumental. Por vezes, fica-se com a vaga sensação de haver duas canções numa só. Mais do que uma vez, quando questionado acerca do que é que se estaria a referir neste tema "Toughts And Words", Hillman era muito lacónico e respondia que tudo não seria mais do que isto: "pensamentos e palavras".

The Byrds - "My Back Pages" (alternate version) (1966-1967). Esta é a versão que eu, pessoalmente, prefiro deste tema. É mais uma cover de um original de Bob Dylan. Entre outros aspetos, este tema ficou famoso pela seguinte passagem: "But I was so much older then/I'm younger than that now". Aliás, o título do seminal álbum dos Byrds "Younger Than Yesterday", deriva diretamente dessas geniais palavras. Em termos instrumentais, a versão que aqui se apresenta é, para mim, a mais completa. O efeito "leslie" da guitarra é memorável! Quando estavam a concluir a montagem final deste LP, duas versões do "My Back Pages" se apresentavam num perfeito empate. Qual integraria o alinhamento final? Optou-se por uma com um som mais simples e acústico, que é a que muitos conhecem. 

The Byrds - "Old John Robertson" (single version) (1967). Esta é também a minha versão preferida deste tema, gravado e lançado em meados de 1967. Quando estava a escutar este tema, pela primeira vez (nos começos de 1997), comecei por achá-lo um tanto desinteressante e banal. Eis que, quando eu me preparava para suspender a audição do respetivo CD, onde este tema surgia como um, aparentemente, muito secundário "tema bónus", sou surpreendido por uma inesperada sequência instrumental de cordas, do melhor que já tinha ouvido... A partir daqui, quando este sublime momento de paragem foi interrompido pelo retomar da tal balada, inicialmente monótona, eu já estava a olhá-la por um prisma completamente diferente... A partir daqui, tornou-se um dos meus temas preferidos dos Byrds. Aprendi também a reparar mais nos lados B dos singles, normalmente considerados "menos interessantes" do que os lados A. Aliás, do lado A deste single, "Lady Friend", já nem me lembro!

Por outro lado, as relações entre os seus membros deixavam transparecer uma certa conflitualidade, nomeadamente no que respeita à direção artística. Foi na sequência disto que se deu o despedimento de David Crosby, outro elemento-chave dos Byrds, o que deixaria Roger McGuinn cada vez mais isolado na liderança do agora “seu” grupo, em paralelo com a progressiva frustração e subsequente afastamento dos outros elementos. 

The Byrds - "Old John Robertson" (LP version) (1967-1968). Esta é a versão deste tema que muitos conhecerão melhor. A ponte instrumental das cordas, que era a "jóia" do tema antes lançado em single, aparece aqui sujeita a um efeito de distorção, denominado "phasing".

The Byrds - "Goin' Back" (1967-1968). Na gravação deste tema, não participaram nem David Crosby, que estava fortemente contra a sua inclusão no LP final, nem o baterista Michael Clarke. A bateria ficou, apesar de tudo, a cargo de um dos bateristas de estúdio mais exímios e, por isso, mais requisitados de então para "session man": Jim Gordon. A sua mestria permitiu encerrar o tema com "chave de ouro" ao executar aquele famoso "drum roll". Segundo se disse, o ex-elemento fundador Gene Clark, havia-se reconciliado, na altura, com os seus antigos colegas de banda e chegou a ponderar muito seriamente regressar aos Byrds. David Crosby é entretanto expulso do grupo, devido a diversas incompatibilidades pessoais e artísticas que já se vinham arrastando há algum tempo, e Gene Clark é acolhido para o substituir. Chegaria a participar em espetáculos ao vivo e em gravações de estúdio destinadas para o, então, futuro álbum "The Notorious Byrd Brothers", com destaque para este tema "Goin' Back". Todavia, ao fim de pouco tempo, logo em 1968, acabou por se abandonar esta ideia e Gene Clark regressaria à sua carreira a solo.

The Byrds - "Wasn't Born To Follow". (1967-1968). Balada falsamente inocente e despretensiosa, onde o ouvinte, a determinada altura é surpreendido por uma repentina e violenta distorção sonora, chamada "phasing", a qual, paradoxalmente, é abandonada e parece ser "esquecida" no final do tema, como se nada tivesse acontecido.

The Byrds - "Artificial Energy" (1967-1968). Este tema foi escolhido para "abrir" o álbum "The Notorious Byrd Brothers", que eles se encontravam a gravar nestes últimos meses de 1967. Por esta altura, o experimentalismo e a criação "sem limites", eram duas "palavras de ordem" fundamentais. O produtor Gary Usher teve aqui um papel fundamental na elaboração dos intricados arranjos sonoros e estava em plena consonância com os membros dos Byrds, com destaque para Roger Mc Guinn. Entre outros detalhes, estes efeitos incluíam uma orquestra de metais com o som fortemente sujeito ao denominado "phasing", partes vocais ondulantes e um piano com o som tratado de forma extrema em termos de distorção. Este tema constitui um brilhante testamento ao amor dos Byrds pela experimentação, então na sua fase cimeira. Mesmo assim, Roger Mc Guinn não deixou de fazer críticas ao resultado final. "Demos cabo da parte vocal!!! Fizemo-lo eletronicamente. Procurávamos um som mais "hard", como nunca tínhamos conseguido até então. Gravámos as partes vocais e depois recorremos a uma engenhoca sonora de um certo gajo que, mediante uma quantia módica, nos permitiu utilizar. Instalado no sistema sonoro do estúdio, este aparelho distorceu as nossas vozes. No entanto, o resultado final foi que estas ficaram com um tom mais à "Pato Donald" do que nós inicialmente desejávamos!" O próprio tema da canção versava à volta dos efeitos provocados por "certas substâncias" e o título "Artificial Energy" resultou de uma sugestão casual do baterista Michael Clarke. 

The Byrds - "Moog Raga" (1967-1968). Roger Mc Guinn havia ficado entusiasmado com um, então, inovador instrumento de teclado inventado e lançado no mercado pelo engenheiro Robert Moog, havia poucos anos. Como já referi atrás, por esta altura (1967-1968), os Byrds atravessavam a sua fase mais experimental e criativa. Roger Mc Guinn teve a original ideia de gravar um disco completamente centrado à volta do sintetizador Moog. Neste "Moog Raga" ele pretendia efetuar uma "fusão" entre a música tradicional indiana e a, então, ultramoderna tecnologia dos sintetizadores. O tema permite ter uma ideia do que seria um tal disco, tivesse Roger Mc Guinn seguido avante com o seu "projeto"... Claro que, logo numa primeira audição, se deduziu que um disco inteiro feito de peças desta natureza seria, no mínimo, de difícil adesão por parte do público de então e, logo, muito pouco comercial. Sendo assim, Roger Mc Guinn foi realista e decidiu abandonar este "projeto". Aliás, na minha opinião, este tema "chega e sobra"!...

The Byrds - "Bound To Fall (instrumental)" (1967-1968). Versão experimental de um tema que Chris Hillman acabaria por apresentar a Stephen Stills ("Buffalo Springfield" e "C., S., N., & Y."), para inclusão no seu álbum duplo "Manassas", de 1972.

Foi após o ousado e excêntrico Notorious Byrd Brothers, lançado nos primeiros dias de 1968, e também produzido por Gary Usher, que o grupo se viu num impasse e sem futuro definido, sem falar na saída do baterista Michael Clarke, outro elemento fundador. Reduzido ao magro núcleo Roger McGuinn-Chris Hillman, houve necessidade de encontrar novos elementos. Foi aqui que entrou Gram Parsons.
The Byrds - "Mr. Spaceman" (versão de 1968, já com Gram Parsons presente no alinhamento da banda).Com a banda mais ou menos composta, Roger McGuinn decide enveredar por mais um projeto musical para um novo disco, que pretendia ser uma reunião de vários estilos musicais, incluindo o Country. Era um novo renascimento dos Byrds. No entanto, ao tomar contacto com o background musical de Gram Parsons, Roger McGuinn decidiu reformular totalmente o seu projeto musical. O álbum seria dominado predominantemente pelo Country, ou melhor, por esse género musical que então surgia e que se designou, em definitivo, por “Country-Rock”. Numa fase de exploração de novos géneros musicais, McGuinn empenha-se a fundo em assumir o papel de um dos primeiros divulgadores dessa inovadora corrente musical, ao lado do seu “mentor” Gram Parsons. O próprio nome do álbum era descaradamente Country: Sweetheart Of The Rodeo.
Originalmente, Roger McGuinn pretendeu dar a liderança vocal à sua nova “aquisição” Gram Parsons, tarefa que este cumpriu magistralmente em quase todos os temas da maquete projetada. De facto, Sweetheart Of The Rodeo, foi o disco que verdadeiramente lançou a popularidade de Gram Parsons e onde este teve muitos dos seus melhores temas de toda a sua carreira, precisamente por se encontrar na sua melhor fase, em termos pessoais e criativos. O problema surgiu no final das sessões de gravação quando vêm acima razões contratuais, que impediam Gram Parsons de surgir como o “lead singer” neste disco. Na verdade, Gram Parsons nunca foi verdadeiramente membro dos Byrds, era apenas um músico convidado “assalariado”.
Gram Parsons e Jim Roger McGuinn.








Desta forma, as partes vocais de Gram Parsons de diversas canções tiveram de ser regravadas por Roger McGuinn que, apesar de tudo, conseguiu, discretamente, imitar o estilo vocal e o sotaque sulista daquele. Felizmente, que novas edições recentes em CD, conseguiram recuperar as gravações que, de pleno direito, deveriam estar incluídas no álbum original, apesar de surgirem como "temas bónus". Um exemplo perfeito dessas versões onde a voz de Gram Parsons surge como a mais correta é "You're Still On My Mind".

The Byrds com Gram Parsons - "You're Still On My Mind" (1968Sublime!!! Esta versão era a que devia ter sido lançada no LP original!

Este disco é o único que documenta a breve passagem e a influência de Gram Parsons nos Byrds e o primeiro verdadeiro de Country-Rock a obter grande popularidade. Representou também um novo fôlego para os Byrds, apesar de se tratar de um caso à parte na discografia deste grupo.
Logo depois do lançamento deste disco, Gram Parsons saiu do grupo, seguido, no espaço de alguns meses, por Chris Hillman, com o qual formaria o grupo country rockThe Flying Burritto Brothers”.
Gram Parsons e Chris Hillman.

The Flying Burritto Brothers com Gram Parsons (em baixo, à esquerda).




Depois desta nova experiência de grupo, Gram Parsons iniciou verdadeiramente uma carreira a solo, intervalada aqui e ali pela sua participação em gravações de estúdio e espetáculos ao vivo com outros grupos. No entanto, o momentum e a espontaneidade que foram conseguidos durante as gravações de Sweetheart Of The Rodeo não mais se repetiriam. Basta referir que, nesta fase, Gram Parsons retomara uma vida pessoal algo errática, cada vez mais plena em doses astronómicas de álcool e drogas duras.

Edição conjunta dos dois únicos LPs a solo de Gram Parsons. O primeiro foi lançado em 1973, ainda em vida. O segundo foi lançado postumamente em 1974, tendo neste participado Linda Ronstadt e, tal como no anterior, Emmylou Harris. O LP de 1974, estava para se titular "Sleepless Nights", título de um tema inicialmente pensado para integrar este álbum, tal como Gram Parsons planeava. A sua morte prematura, levou a que os planos iniciais se alterassem. O tema referido acabou por não integrar o LP final e escolheu-se o seu título baseado numa canção pertencente ao alinhamento definitivo "Return Of The Grievous Angel".

Gram Parsons, pouco antes do seu falecimento, e Keith Richards, à direita, em 1973.

Nesta fase, conviveu, com regularidade, com membros de outros grupos, nomeadamente Keith Richards dos Rolling Stones. Ainda lançaria alguns trabalhos a solo, para além de incessantes digressões, numa espiral cada vez mais perigosa, que terminaria, abruptamente e em condições misteriosas, fala-se em overdose, em Setembro de 1973, quando se encontrava num processo de divórcio algo agitado. 

Em suma, basta referir que Gram Parsons e outros artistas como Emmylou Harris, contribuíram para a renovação da country music e por despertar o interesse das gerações mais jovens por um género que, em tempos, parecia algo parado no tempo.
Gram Parsons e Emmylou Harris.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

A "Bastilha" e a "Tomada da Bastilha"

A "Bastilha", por volta de 1935.

Um dos acontecimentos mais marcantes da história de Coimbra e da sua Academia é a “Tomada da Bastilha”. É ainda hoje festejado pelos estudantes, todos os anos, a 25 de Novembro. Foi na madrugada deste preciso dia, no já distante ano de 1920, que, pela primeira vez desde havia mais de três décadas, os estudantes de Coimbra conquistariam para a sua Associação Académica uma sede digna desse nome. 

Depois de ter sido forçada a abandonar o edifício do antigo Colégio Real, vulgo Teatro Académico, demolido em 1889, a sede da Associação Académica esteve instalada em diversos locais, entre estes o Colégio da Trindade, nem sempre nas melhores condições. Em 1913, a sede da A.A.C. acabou por se fixar no andar térreo de um grande edifício localizado na Rua Larga, por decisão do Senado Universitário. No andar nobre deste edifício, incluindo a mansarda, estava instalado o Instituto de Coimbra, vulgarmente designado por “Clube dos Lentes”. Durante anos, os estudantes viram-se confrontados com instalações acanhadas e com fracas condições de higiene e comodidade, para além das relações nem sempre pacíficas com os vizinhos de cima.

Por fim, na madrugada do dia 25 de Novembro de 1920, um grupo de estudantes decide tomar de assalto as instalações do referido instituto. A partir de então, todo o edifício ficou destinado para a Associação Académica de Coimbra, e passou a ser designado por “Bastilha”, em memória daquela demonstração de ousadia e arrojo por parte da Academia. Originalmente, este edifício fora construído para albergar o Colégio de São Paulo, o Eremita, fundado em 1779, também designado por Colégio dos Paulistas. Tinha um portal nobre encimado por uma igualmente majestosa varanda e a particularidade da sua construção nunca ter sido definitivamente concluída, por não ter sido edificada a parte a nascente, daí a sua entrada aparecer à esquerda. Mesmo assim, tinha frente para três ruas diferentes, a Rua Larga, onde estava a sua entrada principal, a Rua do Borralho e a Rua do Guedes, onde ficavam as traseiras. 

Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, este edifício foi entregue à Universidade. Foi destinado a diversas funções ao longo dos mais de cem anos que se seguiriam, tendo nos seus últimos anos de existência albergado, como já foi referido atrás, a sede da A.A.C.. Por fim, em Agosto de 1949, a Academia é obrigada a deixar definitivamente a sua velha sede da Rua Larga, devido às implacáveis demolições para a “Cidade Universitária” que, então, já haviam destruído muito da Velha Alta. O fim deste antigo Colégio dos Paulistas já havia sido anunciado pelo Reitor em Março de 1948. Logo antes de se iniciar a sua demolição, que decorreria de Setembro a Dezembro de 1949, os estudantes fizeram uma récita de despedida à sua “Bastilha”.

Museu Nacional da Ciência e da Técnica - Um cadáver adiado?



O Museu Nacional da Ciência e da Técnica, criado em 1971, mas só oficialmente inaugurado em 1976, constituía, na época uma instituição quase pioneira em terras portuguesas. Resultou do amor pela divulgação científica e do génio empreendedor do Professor Mário Silva e foi o corolário de toda uma vida de dedicação à Ciência, tantas vezes dificultada por razões de natureza política. Basta recordar que o Professor Mário Silva, tendo nascido em 1901, viveu os seus anos intelectualmente mais produtivos, ou seja, a maior parte da sua vida, debaixo do jugo ditatorial do Estado Novo. Devido ao seu espírito inconformista e interventivo, nomeadamente ao participar ativamente nos movimentos políticos de oposição que se seguiram a 1945, seria alvo, mais do que uma vez, de detenções por parte da PIDE, tendo sido a primeira em 1946. Na sequência desta situação, encabeçou, no ano de 1947, uma vasta lista nacional de professores expulsos ou “aposentados compulsivamente” do ensino universitário. Só seria integrado em 1976, quase dois anos depois do 25 de Abril. Seria então, nesse ano de 1976, que, após cinco longos anos de trabalhos de investigação e escolha criteriosa de peças a expor, se inauguraria o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, cuja sede e edifício principal ficaria, a partir daí, instalada no Palácio Saccadura Botte, sito na Rua dos Coutinhos, em Coimbra. Mário Silva seria o seu primeiro director, mas só teria pouco mais de um ano para exercer o seu cargo, pois faleceria em Julho de 1977. Pretendia-se ainda que este Museu tivesse, em diversos pontos do país, várias secções, destinadas à realização de diferentes exposições. Tal não se chegou a concretizar, tendo os poucos espaços adicionais conseguidos, ficado destinados a armazenar, com as condições possíveis, as reservas do Museu.
Como forma de aumentar os espaços expositivos disponíveis, foi cedido, a partir de 1993, uma série de divisões de um piso do antigo Hospital do Colégio das Artes, onde, atualmente, se encontra o grosso do espólio do agora designado Museu Nacional da Ciência e da Técnica Mário Silva. No entanto, parece que desde o falecimento do seu criador e primeiro director, a instituição entrou num estado de progressiva letargia, quebrado, de quando em quando, por alguma iniciativa temporária e sem a divulgação devida.
Numa tentativa de revitalizar o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, foi criado, em 1999, o Instituto de História da Ciência e da Técnica, instituição pública e diretamente financiada pelo Ministério da Ciência. Aliás o MNCT, e este instituto público estiveram, na prática, fundidos num só. O seu director, durante este infelizmente muito curto período, foi o Professor Doutor Paulo Trincão, que exerceu o seu cargo com a dedicação máxima e como uma das maiores missões da sua vida. Muitas expectativas foram criadas para este novo período que então se iniciava, nomeadamente a nível de projetos de investigação, muitos deles diretamente financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). O Museu, sob a alçada do promissor Instituto de História da Ciência e da Técnica, pareceu entrar numa fase há muito esperada de dinamização. Entre as medidas de maior monta, estavam a informatização de todo aquele espaço, associada à sua pretendida inserção na Rede Portuguesa de Museus (RPM), bem como (finalmente) uma cuidadosa inventariação e tratamento das peças que constituem o seu vasto e multifacetado espólio. No entanto, devido em grande parte a questões de financiamento, o processo de constituição de um museu científico segundo os moldes mais atuais e praticados noutros países, não foi correndo com a celeridade pretendida. De qualquer forma, as expectativas mantinham-se altas.
Esta pretendida nova fase, encontraria o seu fim prematuro na sequência de uma imprevista mudança de Governo, ocorrida em 2002. O recém-criado Ministério da Ciência e do Ensino Superior, sob o pretexto de uma necessidade de contenção de gastos para reduzir o já tão falado “défice”, decidiu-se por suspender o financiamento de uma série de institutos públicos, muitos deles criados nas imediatamente anteriores legislaturas, considerados “supérfluos”. Sem financiamento, acabava-se o oxigénio que lhes permitiria viver ou, apenas, sobreviver. Entre estes institutos, acabou por se ver, incompreensivelmente, incluído o Instituto de História da Ciência e da Técnica, sob a alçada do qual estava o Museu Nacional da Ciência e da Técnica. Em Maio de 2002, começa o processo de extinção daquele instituto de investigação público e o seu director, Paulo Renato Trincão, decide apresentar a sua demissão.
Na sequência disto, para além do respectivo pessoal trabalhador e diversos bolseiros com investigação em curso ou acabada de iniciar, temeu-se pela sorte do Museu criado pelo Professor Mário Silva. Chegou a ser sugerida a sua transferência para outra localidade, em alternativa à irremediável perda que constituiria a sua quase previsível extinção. Muitos pugnaram, com sucesso, até ver, pela permanência deste Museu Nacional em Coimbra. Apenas se conseguiu isto, o que já não foi nada mau, mas a sua situação tem continuado, até agora, sem um rumo definido. Considerado como “salvo” da má sina e sob os auspícios de uma nova direção, decidiu-se renomear a instituição como Museu Nacional da Ciência e da Técnica Mário Silva, destinado a ser integrado num projeto futuro, mais vasto e abrangente, designado como “Museu do Conhecimento”, que pretende englobar as instituições museológicas da Universidade de Coimbra. Foi no sentido de se concretizar esta ambiciosa rede museológica, que foi projetado e construído, ao longo de vários anos, o actual Museu da Ciência, inaugurado a 5 de Dezembro de 2006, no antigo Laboratório Químico da época pombalina e que constituiu uma obra notável.
Não se pode considerar o Museu da Ciência um verdadeiro sucessor do quase extinto Museu Nacional da Ciência e da Técnica. São duas instituições criadas autonomamente e que foram concebidas em contextos diferentes. Devido à sua localização muito próxima relativamente ao MNCT, o Museu da Ciência, numa situação ideal, seria uma extensão daquele, ou melhor dizendo, o “cartão de visita” através do qual aquele (MNCT) melhor se apresentaria ao público e o corolário de todas as atividades aí desenvolvidas. Não sendo o que na presente situação acontece, o Museu da Ciência poderá talvez ser uma forma de todos, inclusive os sucessivos Governos, terem sempre presente o valor da outra instituição que ali existe e que corre sérios riscos de morrer de esquecimento. Em suma, o novo Museu da Ciência deveria ser a tábua de salvação de uma instituição carregada de História e construída ao longo de anos com o suor e o empenho de tantos e que contribuiria, verdadeiramente, para recolocar a cidade de Coimbra no mapa das instituições de investigação científica mundiais.

sábado, dezembro 08, 2007

Ultimate Spinach

Ultimate Spinach consistiu numa banda originária de Boston, inserida no vasto conjunto de grupos musicais surgidos pela América fora no final dos anos 60, com especial destaque para a West Coast, mais concretamente Califórnia e a sua cidade S. Francisco. Pode-se afirmar que cada cidade norte-americana viu nascer uma multidão de conjuntos musicais, tentando conquistar o seu lugar ao sol e, igualmente, desaparecer muitos deles num curto espaço de tempo. Isto já havia, de certa forma, acontecido em solo britânico anos antes, na sequência do êxito estrondoso de grupos como os Beatles e outros. Uma grande parte desses grupos teve vida curta, quase sempre associada a fraco êxito. Isto acontecia devido não só devido à eventual falta de talento musical dos seus elementos, mas também à rápida saturação do mercado, o que fazia com que o público ouvinte não desse vazão a toda a oferta que lhes era oferecida. Por outro lado, as editoras e os produtores existentes teriam de escolher apenas alguns em que investir o tempo e o capital necessário, pondo de parte todos os outros, onde até poderia haver muitos talentos desperdiçados. Nesta escolha intervinham, não só razões de natureza logística e financeira, mas também os critérios de gosto pessoais dos grandes magnatas e coisas tão comezinhas como a maior ou menor simpatia que estes nutriam por aqueles que a eles recorriam como uma possível porta para o êxito. É preciso não esquecer que os responsáveis pelas editoras, os produtores com algum poder e nome na praça e todos os outros que teriam o poder de decidir acerca da sorte dos artistas, eram muitas vezes de uma geração anterior à destes, não raras vezes pais de família e com filhos da mesma idade. Isto sem referir os que não tinham afinal grande sensibilidade musical. Nos anos 60 os grupos musicais das novas correntes, na generalidade, ainda eram olhados como maus exemplos pelas gerações mais velhas como um mau exemplo para os mais jovens, que eram atraídos pelo seu som e estilo revolucionários. Desta forma, terá havido projetos musicais, de real qualidade, que não tiveram o reconhecimento devido e, muitas vezes, o êxito merecido durante os seus breves anos de existência. Muitos só tiveram oportunidade de deixar obra gravada, graças precisamente ao apoio empenhado de produtores e managers da mesma geração e com poucos meios disponíveis. Entre estes grupos estavam os Ultimate Spinach. Este grupo foi fundado em 1967 e só gravaria 3 álbuns entre 1968 e 1969. Não é possível definir com clareza o estilo em que estes se inseriam, mas há quem classifique, muito genericamente, este grupo de “alternativo”, devido, entre outros aspectos, ao facto de não estarem inseridos em nenhuma das principais editoras e o seu êxito ter sido muito reduzido. Aliás, esta banda só foi verdadeiramente conhecida nos E.U.A., onde, mesmo hoje, é considerada uma curiosidade do seu tempo e algo obscura. O seu primeiro álbum, "Ultimate Spinach" , teve uma recepção algo moderada por parte do público e o interesse que suscitou, nesse começo de 1968, deveu-se, em grande parte, ao efeito da novidade e ao facto do seu som e das suas letras "combinarem bem" com o cenário onde a moda hippie estava no auge e os movimentos de contra-cultura proliferavam. O ponto forte destas canções residia essencialmente na música, onde se privilegiava o virtuosismo e a capacidade inventiva de Ian Bruce-Douglas, o vocalista e poli-instrumentista do grupo, que era também o principal compositor. As suas qualidades de letrista e cantor eram, no entanto, muito limitadas. No que respeita às capacidades vocais, estas eram incontestáveis no que se refere a outro membro fundador do grupo, a cantora Barbara Hudson. Aliás, seria ela o único elemento do grupo que permaneceria na formação ao longo das suas constantes entradas e saídas de músicos. Esta inconsistência no que respeita aos elementos do grupo, seria também um factor determinante na sua curta existência. Após a dissolução da formação que havia participado na gravação do primeiro disco, Ian Bruce-Douglas e Barbara Hudson decidem reformar os Ultimate Spinach recrutando, desta vez, artistas escolhidos a dedo e com experiência comprovada, incluindo o baterista Russ Levin. É desta forma que começam as muito exigentes sessões de gravação para o álbum seguinte "Behold and See" . Mais uma vez, Ian Bruce-Douglas escreve a totalidade das canções e encarrega-se dos arranjos até ao pormenor, para além de tocar diversos instrumentos. O facto de ser ele, de novo, o principal vocalista, constitui, para diversos críticos, um elemento desvalorizador da qualidade das canções. Consciente ou não disto, decide convidar uma outra cantora, uma certa Carol Lee-Britt, a qual, estranhamente, não surge como um elemento "oficial" do grupo. No entanto, esta revela-se uma vocalista de muito maior qualidade nos dois temas apenas onde participa. Ian Bruce-Douglas pretendia fazer deste álbum a sua grande obra-prima e daí o seu maior investimento em tempo, dinheiro e saúde. O álbum consistia em oito canções, seis delas de duração muito superior a 5 minutos, onde, mais uma vez, a temática versará à volta dos mais diversos temas, com especial destaque para a sociedade, relações humanas e a imaginação. Como acontece com a generalidade dos álbuns, nunca foi posta de parte a ideia de retirar um ou dois singles, que poderiam ser potenciais êxitos em novos públicos. Desta forma, surgem dois temas "Behold & See (Gilded Lamp of The Cosmos)" e "Where you're at", menos complexos e com uma duração à volta dos 3, que são onde, precisamente, os temas onde a cantora convidada Carol Lee-Britt tem a oportunidade de brilhar. No seu todo, pode-se dizer que o resultado foi um álbum mais amadurecido e uniforme, se comparado com o primeiro, embora surjam dois ou três temas a que é difícil aderir se escutados fora do contexto do álbum. O seu ponto forte situa-se, precisamente, no seu tema mais longo "Genesis of Beauty Suite (in four parts)". Não é decerto um álbum que conquiste nem fácil nem imediata adesão por parte da generalidade dos ouvintes comuns: este álbum destina-se a ser apreciado por ouvidos mais exigentes, os mesmos que consigam apreciar a mais elaborada e menos usual peça de música clássica e não se guiem pelas recomendações das estações de rádio. Esgotado pelas gravações e desencantado com a fraca recepção que o álbum então teve, tanto por parte do público como da crítica, Ian Bruce-Douglas decide abandonar o grupo. No ano a seguir sai um terceiro álbum, "Ultimate Spinach III" que foi recebido pelo público e pela crítica com ainda maior indiferença. Da formação original, só restava Barbara Hudson. "Behold and See" foi gravado e lançado nos últimos meses de 1968 e constituiu, decerto, um dos muitos elementos musicais do vasto pano de fundo onde, entre outros eventos, seria acolhido, no Verão do ano a seguir, o famoso espetáculo de Woodstock. Um elemento adicional que contribui para o valor deste álbum é a sua original capa, muito expressiva e difícil de ignorar, a qual foi considerada também uma das melhores capas de LP de todos os tempos. A sua beleza exerce um efeito complementar da qualidade da música que se pode encontrar neste disco, compensando os momentos menos felizes que, uma vez por outra, aqui se detectam. Mesmo antes de se ouvir, já se tem o prazer de tomar contacto com este disco.