segunda-feira, dezembro 17, 2007

Museu Nacional da Ciência e da Técnica - Um cadáver adiado?



O Museu Nacional da Ciência e da Técnica, criado em 1971, mas só oficialmente inaugurado em 1976, constituía, na época uma instituição quase pioneira em terras portuguesas. Resultou do amor pela divulgação científica e do génio empreendedor do Professor Mário Silva e foi o corolário de toda uma vida de dedicação à Ciência, tantas vezes dificultada por razões de natureza política. Basta recordar que o Professor Mário Silva, tendo nascido em 1901, viveu os seus anos intelectualmente mais produtivos, ou seja, a maior parte da sua vida, debaixo do jugo ditatorial do Estado Novo. Devido ao seu espírito inconformista e interventivo, nomeadamente ao participar ativamente nos movimentos políticos de oposição que se seguiram a 1945, seria alvo, mais do que uma vez, de detenções por parte da PIDE, tendo sido a primeira em 1946. Na sequência desta situação, encabeçou, no ano de 1947, uma vasta lista nacional de professores expulsos ou “aposentados compulsivamente” do ensino universitário. Só seria integrado em 1976, quase dois anos depois do 25 de Abril. Seria então, nesse ano de 1976, que, após cinco longos anos de trabalhos de investigação e escolha criteriosa de peças a expor, se inauguraria o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, cuja sede e edifício principal ficaria, a partir daí, instalada no Palácio Saccadura Botte, sito na Rua dos Coutinhos, em Coimbra. Mário Silva seria o seu primeiro director, mas só teria pouco mais de um ano para exercer o seu cargo, pois faleceria em Julho de 1977. Pretendia-se ainda que este Museu tivesse, em diversos pontos do país, várias secções, destinadas à realização de diferentes exposições. Tal não se chegou a concretizar, tendo os poucos espaços adicionais conseguidos, ficado destinados a armazenar, com as condições possíveis, as reservas do Museu.
Como forma de aumentar os espaços expositivos disponíveis, foi cedido, a partir de 1993, uma série de divisões de um piso do antigo Hospital do Colégio das Artes, onde, atualmente, se encontra o grosso do espólio do agora designado Museu Nacional da Ciência e da Técnica Mário Silva. No entanto, parece que desde o falecimento do seu criador e primeiro director, a instituição entrou num estado de progressiva letargia, quebrado, de quando em quando, por alguma iniciativa temporária e sem a divulgação devida.
Numa tentativa de revitalizar o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, foi criado, em 1999, o Instituto de História da Ciência e da Técnica, instituição pública e diretamente financiada pelo Ministério da Ciência. Aliás o MNCT, e este instituto público estiveram, na prática, fundidos num só. O seu director, durante este infelizmente muito curto período, foi o Professor Doutor Paulo Trincão, que exerceu o seu cargo com a dedicação máxima e como uma das maiores missões da sua vida. Muitas expectativas foram criadas para este novo período que então se iniciava, nomeadamente a nível de projetos de investigação, muitos deles diretamente financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). O Museu, sob a alçada do promissor Instituto de História da Ciência e da Técnica, pareceu entrar numa fase há muito esperada de dinamização. Entre as medidas de maior monta, estavam a informatização de todo aquele espaço, associada à sua pretendida inserção na Rede Portuguesa de Museus (RPM), bem como (finalmente) uma cuidadosa inventariação e tratamento das peças que constituem o seu vasto e multifacetado espólio. No entanto, devido em grande parte a questões de financiamento, o processo de constituição de um museu científico segundo os moldes mais atuais e praticados noutros países, não foi correndo com a celeridade pretendida. De qualquer forma, as expectativas mantinham-se altas.
Esta pretendida nova fase, encontraria o seu fim prematuro na sequência de uma imprevista mudança de Governo, ocorrida em 2002. O recém-criado Ministério da Ciência e do Ensino Superior, sob o pretexto de uma necessidade de contenção de gastos para reduzir o já tão falado “défice”, decidiu-se por suspender o financiamento de uma série de institutos públicos, muitos deles criados nas imediatamente anteriores legislaturas, considerados “supérfluos”. Sem financiamento, acabava-se o oxigénio que lhes permitiria viver ou, apenas, sobreviver. Entre estes institutos, acabou por se ver, incompreensivelmente, incluído o Instituto de História da Ciência e da Técnica, sob a alçada do qual estava o Museu Nacional da Ciência e da Técnica. Em Maio de 2002, começa o processo de extinção daquele instituto de investigação público e o seu director, Paulo Renato Trincão, decide apresentar a sua demissão.
Na sequência disto, para além do respectivo pessoal trabalhador e diversos bolseiros com investigação em curso ou acabada de iniciar, temeu-se pela sorte do Museu criado pelo Professor Mário Silva. Chegou a ser sugerida a sua transferência para outra localidade, em alternativa à irremediável perda que constituiria a sua quase previsível extinção. Muitos pugnaram, com sucesso, até ver, pela permanência deste Museu Nacional em Coimbra. Apenas se conseguiu isto, o que já não foi nada mau, mas a sua situação tem continuado, até agora, sem um rumo definido. Considerado como “salvo” da má sina e sob os auspícios de uma nova direção, decidiu-se renomear a instituição como Museu Nacional da Ciência e da Técnica Mário Silva, destinado a ser integrado num projeto futuro, mais vasto e abrangente, designado como “Museu do Conhecimento”, que pretende englobar as instituições museológicas da Universidade de Coimbra. Foi no sentido de se concretizar esta ambiciosa rede museológica, que foi projetado e construído, ao longo de vários anos, o actual Museu da Ciência, inaugurado a 5 de Dezembro de 2006, no antigo Laboratório Químico da época pombalina e que constituiu uma obra notável.
Não se pode considerar o Museu da Ciência um verdadeiro sucessor do quase extinto Museu Nacional da Ciência e da Técnica. São duas instituições criadas autonomamente e que foram concebidas em contextos diferentes. Devido à sua localização muito próxima relativamente ao MNCT, o Museu da Ciência, numa situação ideal, seria uma extensão daquele, ou melhor dizendo, o “cartão de visita” através do qual aquele (MNCT) melhor se apresentaria ao público e o corolário de todas as atividades aí desenvolvidas. Não sendo o que na presente situação acontece, o Museu da Ciência poderá talvez ser uma forma de todos, inclusive os sucessivos Governos, terem sempre presente o valor da outra instituição que ali existe e que corre sérios riscos de morrer de esquecimento. Em suma, o novo Museu da Ciência deveria ser a tábua de salvação de uma instituição carregada de História e construída ao longo de anos com o suor e o empenho de tantos e que contribuiria, verdadeiramente, para recolocar a cidade de Coimbra no mapa das instituições de investigação científica mundiais.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tomei conhecimento deste texto através de um amigo. Como parece pessoa interessada neste assunto, aconselho o blogue www.naturezanaturada.blogspot.com, onde coloquei um importante testemunho.

Obrigado!