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sábado, janeiro 22, 2022

Memória musical inacabada

Esta verdadeira descoberta, há muito esquecida nas brumas implacáveis do tempo, trata-se de um conjunto de canções, pertencentes a um álbum conceptual chamado "Beyond A Shadow Of Doubt". Resultou de um projeto musical concebido por dois produtores musicais, compositores e também cantores, de seu nome Gary Usher e Richard "Dick" Campbell.
Gary Usher
Richard "Dick" Campbell
Gary Usher foi um dos principais elementos num outro projeto musical, chamado "Sagittarius", do qual resultou um primeiro disco: "Present Tense", lançado em 1968, mas que incluía também gravações já feitas em 1966 e 1967. O outro elemento principal no "Sagittarius" era Curt Boettcher, que também cantou na maior parte dos temas incluídos nesse disco. São os dois que aparecem na montagem do centauro da capa de "Present Tense".

Houve ainda um segundo disco, "The Blue Marble", gravado e editado em 1969, mas onde a participação de Curt Boettcher foi menor. Neste disco final, Gary Usher assumiu o papel principal, inclusive nas vozes.

No entanto, Gary Usher, em parceria com Dick Campbell, contaria, de novo, com a prestimosa colaboração de Curt Boettcher nas gravações e arranjos das canções incluídas no álbum conceptual "Beyond A Shadow Of Doubt".
As gravações para este disco foram feitas, segundo se sabe, em 1971. Quase todas foram efetuadas no estúdio pessoal de Gary Usher, com as vozes e a instrumentação básicas e a participação de alguns músicos de estúdio amigos de Gary, para além dos três elementos centrais já referidos (Gary, Dick e Curt). No entanto, apesar de todo o otimismo e empenho iniciais, o álbum ficou inacabado.
Gary Usher surge como a voz principal na maioria dos temas, enquanto nos coros destacam-se, sobretudo, as vozes de Dick Campbell e Curt Boettcher. No entanto, a intenção original era a de entregar a voz principal a outro cantor, caso as gravações tivessem prosseguido e transitado para um estúdio profissional devidamente apetrechado, onde os temas seriam gravados e arranjados na sua versão final. Gary Usher, provavelmente, só participaria nos coros finais e na produção. Todavia, por razões não apuradas, nada disto aconteceu.

As canções ficaram gravadas, tal qual foram feitas no estúdio pessoal de Gary Usher. Ficou tudo, praticamente, no ponto de partida. Para todo o sempre...
Foi preciso esperar pelo ano de 2001, para que estas gravações fossem editadas em CD! Todavia, esta edição só foi feita no Japão e em número de exemplares limitado. Por isso, mesmo esta edição em CD, já está praticamente esgotada há muito. Não se encontra à venda em parte nenhuma, quanto mais em Portugal. Os raros exemplares que ainda se encontrarem à venda, talvez on-line, surgirão a preços exorbitantes.

O que torna este álbum conceptual particularmente tocante, é o facto de as canções nele contidas, na verdade, serem apenas "demos" ou seja, são temas de demonstração, onde estão mais ou menos explícitos os elementos fundamentais que se pretende obter nas versões finais. Quem já contactou com a realidade de gravar canções em estúdio, sabe que esse é o verdadeiro ponto de partida para se conseguir a versão definitiva, que depois será gravada para, em princípio, ser editada e lançada no mercado, ou seja a "master".
No entanto, devido ao grande profissionalismo de Gary Usher, a sua já longa experiência de trabalho em estúdios profissionais sofisticados (para a época), para não falar no rigor e amor com que ele se entregava a qualquer projeto musical, as "demos" resultantes revelavam uma qualidade e um grau de elaboração, muito próximos, senão superiores, da generalidade das "masters" que todos os dias são criadas nos mais diversos estúdios. Por vezes, temos a clara sensação de estar a ouvir temas devidamente acabados. Quase só a ausência de uma bateria real, parece quebrar essa feliz ilusão. As percussões utilizadas nestas gravações eram ainda do mais básico e improvisado que se possa imaginar... Servia tudo onde se pudesse bater, literalmente. Pandeireta, caixas de cartão, tambores artesanais, tampos de cadeiras, latas vazias, etc. 

As gravações contidas neste álbum conceptual, como já disse atrás, estão ainda na fase "demo" e não foram alvo de "tratamento" em estúdio profissional moderno (para os padrões da época) e, muito menos, associadas a alguma editora então existente no mercado. Por isso, não existem "masters" ou versões finais destes temas. Repare-se que no ano em que estas canções foram gravadas (1971), ainda estávamos na fase do "analógico" e não se falava nem sequer no "digital". O suporte era a fita magnética, sob a forma circular de bobine, que, por ser perecível, era necessário guardar em condições muito específicas. A duração destas "tapes" era muito variável e é mais do que certo que um grande número de fitas se perdeu ou ficou alterado no espaço de apenas algumas décadas. Por vezes, bastava um simples descuido e ainda mais um incêndio para se perderem registos sonoros únicos, de um momento para o outro. Uma das formas de salvaguardar estas "preciosidades" é proceder à sua conversão em registos digitais. Todavia, é um trabalho que deve ser efetuado por profissionais devidamente credenciados ou pelo menos, extremamente cuidadosos. O problema é que isto exige muito tempo e dinheiro. É um trabalho que requer grande paciência e não há muitos profissionais dispostos a entrar numa operação desta natureza, mesmo todos eles reconhecendo unanimemente a necessidade urgente de se proceder a esta árdua tarefa. Acontece que, muitos deles, devido ao facto de estarem associados a estúdios de gravação, onde o serviço é permanente, encontram-se cativos de outras prioridades...

Nunca mais se pegou nestas gravações deste álbum, desde esse começo dos anos 70. Ficou sempre no ar a ideia de, eventualmente, serem devidamente concluídas e, se possível, editadas numa fase posterior. Acontece que, mais uma vez, outras prioridades se colocaram aos que estiveram por detrás deste projeto... Apesar de todos aqueles que tiveram a rara oportunidade de tomar contacto com estas canções, ainda mais os seus autores, reconhecerem o seu valor e mesmo potencial de mercado. O problema é que a altura ideal para pegar de novo naquelas gravações, nunca chegava. As modas musicais dos anos 70, e depois dos anos 80, não pareciam dar espaço a se relançarem canções de um estilo que, então, soava algo "datado".

Como se isso não bastasse, os três elementos fulcrais na criação desta obra, Gary Usher, Dick Campbell e Curt Boettcher, foram todos "presenteados" com mortes prematuras.

Curt Boettcher
Curt Boettcher (1944-1987), há muito quase remetido ao mais completo anonimato, faleceu na sequência de uma operação aos pulmões que correu mal.

Gary Usher
Seguiu-se-lhe Gary Usher (1938-1990) que, ainda não completamente refeito da morte injusta do seu amigo e colega de projetos musicais, muitos inéditos, viu-lhe ser diagnosticado um cancro que o venceria antes de completar 52 anos.
Dick Campbell
Por fim, Dick Campbell (1944-2002), que se tornaria o principal detentor do legado da memória deste e outros projetos musicais também inacabados, depois de assistir àqueles desaparecimentos irreparáveis, também deixaria o mundo dos vivos. Devido a uma doença degenerativa de origem genética, que lhe fora diagnosticada ainda no final da década de 1980, Dick Campbell afastou-se das suas atividades profissionais e praticamente da vida pública, colaborando esporadicamente com outros cantores e realizadores, enquanto a saúde lhe foi permitindo. Acontece que o seu problema genético acabaria por gerar um número cada vez maior de complicações, que lhe afetavam quase todo o corpo, nomeadamente o aparelho respiratório. No princípio do ano da sua morte (2002), foi sujeito a um transplante pulmonar, do qual resultariam inesperadas complicações. Na sequência disto, nunca mais recuperou a consciência até falecer alguns meses depois.
Esta irreversibilidade da morte, também seria uma razão fundamental para que este álbum conceptual tivesse ficado esquecido durante décadas no depósito de algum armazém a ganhar pó e a "envelhecer".
          Mas as músicas contidas no "Beyond A Shadow Of Doubt", são otimistas e são um hino à vida, ainda que de uma forma particularmente fantasiada. Seria através de legados musicais desta natureza que, quem esteve por trás da sua concepção, gostaria de ser recordado para a posteridade. Mais uma vez, salienta-se o facto de haver muitos documentos musicais que nunca verão a luz do dia e se perderão para sempre... O que vai aparecendo não é mais do que a ponta de um vasto iceberg. O dinheiro fala sempre mais alto e, por isso, quase toda a primazia é dada ao que é comercial, mesmo que de qualidade duvidosa...

De seguida, uma seleção dos temas que eu considero, pessoalmente, mais interessantes desta coletânea:

Ships.
Neste tema, a voz mais em destaque é a de Gary Usher.

Everything Turns Out Right.
Neste tema, é sobretudo a voz de Richard "Dick" Campbell a ter maior destaque.

We May Make It Yet.
Este último tema, foi um dos raros em que se avançou mais nos arranjos, tendo-se chegado a utilizar aqui uma bateria verdadeira, mas foi por esta altura que se suspenderam as operações no "Beyond A Shadow Of Doubt". De seguida, vieram décadas de completo esquecimento...


sábado, janeiro 08, 2022

O começo e o fim - Gary Usher, Curt Boettcher, Sagittarius, Millennium e mais


Sagittarius  (Gary Usher) - "The Blue Marble". Tema composto por Lee Mallory.

Numa tentativa de obterem o êxito que lhes escapava, Gary Usher (1938-1990) e Curt Boettcher (1944-1987) decidem pôr de novo a funcionar o seu projecto musical Sagittarius. De referir que este Sagittarius não era representado por uma banda concreta e os seus únicos elementos fixos eram apenas aqueles dois. Todas as outras vozes e partes instrumentais eram executadas por cantores convidados e músicos de estúdio, que eram igualmente solicitados para outros projectos musicais paralelos. Esta impossibilidade de conseguir criar uma road band, tornava este Sagittarius enigmático e misterioso, mas também impossibilitava os espectáculos ao vivo e a promoção mediática, tão essenciais para um grupo ou cantor se dar a conhecer ao grande público.
Desta forma, Gary Usher e Curt Boettcher tinham em mãos uma tarefa hercúlea, que consistia em conseguir finalmente captar o público médio ouvinte para o seu som, destacando-se de entre os demais num mercado já de si muito competitivo e saturado, mas também em procurar manter, senão ultrapassar, a criatividade e a qualidade do primeiro álbum “Present Tense”, lançado a 3 de Julho de 1968. Isto porque, já nessa altura, havia um núcleo de fiéis ouvintes e críticos musicais que reconheciam a qualidade suprema deste disco, que merecia uma melhor sorte. Apesar de tudo, as expectativas ainda eram muito elevadas.
Assim, surge o disco “The Blue Marble”, uma homenagem inequívoca ao planeta Terra, bem visível na capa, num ano assinalado pela primeira viagem e chegada à Lua. Este disco surge como o primeiro álbum e, actualmente, o principal “sobrevivente” de uma editora discográfica que só durou pouco mais de meio ano: a Together Records. Esta fora fundada em 1969, sob a iniciativa de Gary Usher, na sequência do seu despedimento da Columbia Records onde, apesar de tudo, tinha deixado nome e conseguido um palmarés muito considerável. Basta referir que o seu trabalho de produtor se cruzou com grandes nomes da música popular moderna, tais como os “Byrds” e os “Beach Boys”. Relativamente a este último grupo, Gary Usher também emprestaria um pouco dos seus dotes de compositor, tendo escrito várias canções em parceria com Brian Wilson, inclusive o famoso “In My Room”, que seria reutilizado para tema de abertura do álbum “The Blue Marble”. De referir que esta versão superproduzida de “In My Room”, seria o único êxito (menor), extraído do segundo e último álbum dos Sagittarius.
Sagittarius (Gary Usher, Curt Boettcher, e outros) - "In My Room".

Ao contrário do primeiro trabalho, “Present Tense”, que era dominado, pelo menos a nível das vozes, pela figura de Curt Boettcher, “The Blue Marble” dá um especial predomínio a Gary Usher. Neste segundo disco, Gary Usher decidiu tomar as rédeas da sua produção, apesar de, em dois temas, ele a partilhar com o seu colega Curt Boettcher e com Keith Olsen no tema de abertura.
Gary Usher assumiu também o papel de compositor principal, exceptuando no tema-título, “The Blue Marble”, que era da autoria do seu conhecido Lee Mallory, e participou quase sempre nas partes vocais, se não mesmo como vocalista principal, da maioria dos temas, apesar de ele próprio não se considerar muito dotado em termos vocais. Ironicamente, a voz que Gary Usher consegue mostrar nos temas onde é o vocalista principal, deve muito a Curt Boettcher, este um cantor de excelência.
Apesar de ainda se encontrar presente durante as gravações deste disco, enquanto co-fundador dos Sagittarius, Curt Boetcher aparece relegado para um plano quase secundário. A sua voz só surge a solo no tema “Will You Ever See Me” e em harmonia no tema “In My Room”. Dá a clara impressão de, na prática, ele ser quase apenas mais um simples convidado, tal como os outros session singers que iam aparecendo de quando em quando.
Sagittarius (Curt Boettcher) - "Will You Ever See Me"

Esta participação quase superficial de Boettcher encontrará explicação no facto de ele se encontrar, por essa altura, à frente de um outro projecto musical muito ambicioso, representado pelo grupo Millennium. Em 1968 estes Millennium haviam gravado, para a antiga editora de Gary Usher – a Columbia Records – um dos álbuns mais caros de sempre: “Begin”. Curt Boettcher e os outros elementos dos Millennium, entre os quais Lee Mallory, contavam que este disco fosse o começo de uma nova fase nas suas carreiras, onde o sucesso poderia começar finalmente a brilhar sobre as suas cabeças. Eles haviam utilizado ao máximo as suas capacidades individuais e tudo aquilo que a tecnologia existente em estúdio lhes pudesse oferecer, julgando ter produzido a obra-prima das suas carreiras musicais.
Millennium - "Prelude/To Claudia On A Thursday"

 Millennium - "5 A.M."

O que acabou por acontecer, foi que, devido a uma promoção deficiente, associada a espectáculos ao vivo que não conseguiam reproduzir a qualidade do trabalho de estúdio, o álbum “Begin”, revelou-se um fracasso de vendas logo nas cruciais primeiras semanas. Os donos da Columbia Records já haviam ficado um tanto quanto agastados com os avultados custos de produção que o álbum “Begin” havia implicado. O insucesso nas vendas foi a gota de água para não renovarem o contrato discográfico dos Millennium.
Millennium - "It's You".

O despedimento dos Millennium coincidiu mais ou menos com a saída abrupta de Gary Usher da Columbia Records. Foi na sequência disto que Curt Boettcher decidiu acolher a sua nova banda na Together Records, a então nova editora “independente” que ele havia fundado juntamente com Gary Usher e Keith Olsen, com o apoio de uma companhia de distribuição discográfica de Mike Curb.

The Mike Curb Congregation - "Burning Bridges".

 The Mike Curb Congregation - "It's A Small World".

Acontece que, apesar do grande espírito de iniciativa, que era a principal força motriz da Together Records, ter permitido a produção de um grande número de projectos musicais, esta começou a revelar-se um poço sem fundo, onde eram investidas verbas sem o devido retorno. Desta forma, a Together Records começou a entrar em decadência passados apenas alguns meses. A retirada do apoio por parte de Mike Curb e outros investidores, ditou o fim desta editora no começo de 1970. Muitas das gravações produzidas para esta editora ficariam inéditas por um longo tempo. 

Millennium - "Can You See" (1967)

Entre estas estavam diversas gravações do outro grupo principal desta editora, os Millennium, acabando, desta forma, o seu primeiro álbum, “Begin” (trad.:começo/começar), por ser também o seu único e último.


 Millennium (Curt Boettcher) - "There's Nothing More To Say".

Após o fiasco da Together Records, tanto Gary Usher como Curt Boettcher viram as suas carreiras entrar numa longa fase de incerteza, com muitos períodos de interregno criativo, sendo apenas solicitados de quando em quando. Praticamente esquecidos do grande público, acabariam, no entanto, por continuar a ser altamente considerados por todos aqueles que os conheciam de perto e os haviam acompanhado ao longo das suas curtas vidas e carreiras.

Sagittarius  (Gary Usher) - "I Still Can See Your Face".

O alinhamento original das canções no LP "The Blue Marble" dos Sagittarius, lançado em 1969. Destaco ainda o seu penúltimo tema "I Still See Your Face" e também o tema com que ele originalmente terminava: "Cloud Talk" (24:12). Um tema perfeito para encerrar um disco.

sexta-feira, dezembro 17, 2021

Lee Mallory - Um nome a assinalar



Lee Mallory nasceu em Berkeley, na Califórnia, em 10 de Janeiro de 1945, foi cantor, compositor e guitarrista, tendo participado, sobretudo, em diversas colaborações com outros artistas.
O seu êxito mais conhecido foi uma canção gravada no Verão de 1966, denominada “That’s The Way It’s Gonna Be”, que foi um dos temas cimeiros de um género musical a que se deu o nome de “Sunshine Pop”, cujo período de maior êxito foi na segunda metade da década de 1960 e foi um dos sons que constituíram o pano de fundo do psicadelismo, do “Flower Power” e da onda “hippie”. 
O seu ritmo cativante, a sua letra descaradamente optimista e o seu sentimento muito positivo, reforçado pela sonoridade das vozes, tornou esta canção num dos primeiros temas a anunciar os novos tempos que aí viriam, não só em termos musicais, mas também sociais. Apesar de, nesse ano de 1966, ter atingido 86º lugar nas tabelas de vendas, foi nº1 em Amsterdão e nº2 em Seattle.

Lee Mallory - "That's The Way It's Gonna Be" (1966).

Para o efeito que este tema teve em muito público jovem de então, principalmente da West Coast dos E.U.A., muito terá contribuído a produção e participação como cantor e como músico de Curt Boettcher. Terá sido ele também a “apresentar” o tema a Lee Mallory, a que logo este aderiu. Aliás, a versão final que ficou conhecida na voz de Mallory, seguia com grande fidelidade as sugestões de Curt Boettcher. A “demo” por este gravada, já apresentava todas as características para, por si só, ter êxito. 
Basta referir que o grande talento musical de Curt Boettcher, fazia com que as canções que ele compunha e demonstrava para outros cantores e grupos, já tivessem praticamente a qualidade de um produto final, sem precisar, portanto, de arranjos de assinalar para estar em condições de ser editadas em disco.

A colaboração entre Lee Mallory e Curt Boettcher, produziria mais uma série de temas gravados e editados entre 1966 e 1967, bem como diversas gravações que ficariam inéditas por muitos anos. 
Apesar de, na carreira posterior de Lee Mallory , não ter surgido mais nenhum êxito equiparável a “That’s The Way It’s Gonna Be”, a qualidade dos seus temas, salvo alguma experiência menos feliz, manteve-se quase inalterada.

Uma dessas parcerias entre Lee Mallory e Curt Boettcher foi o tema "Better Times", que chegou a ser gravado pelo grupo "Association" em 1966, mas que ficou inédito até 2002. Não o consegui trazer para aqui. VER no YOUTUBE "The Association" - "Better Times".

Lee Mallory - "Many Are The Times" (1967).

Em paralelo, Lee Mallory, em colaboração com Curt Boettcher e Gary Usher, será um dos elementos mais essenciais de um projeto musical de grande qualidade denominado “Sagittarius”, do qual sairia um disco homónimo em 1968.

The Millennium. Da esquerda para a direita: Ron Edgar, Lee Mallory, Sandy Salisbury, Curt Boettcher, Joey Stec, Mike Fennelly e Doug Rhodes

Ainda em 1968, Lee Mallory, novamente com Curt Boettcher e vários membros da sua banda, dão início a um novo grupo ou melhor, projeto musical, denominado Millennium


Mais uma vez, a presença de Curt Boettcher far-se-á notar como músico, compositor e cantor (com a sua voz em grande destaque), para além de ter sido o seu principal produtor. Logo neste ano este projeto dará os seus primeiros frutos, materializados sob a forma de um álbum de seu nome "Begin"

The Millennium - "I'm With You" (1968). Tema da autoria de Lee Mallory.

The Millennium. Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Mike Fennelly, Curt Boettcher, Joey Stec, Sandy Salisbury, Doug Rhodes, Lee Mallory e Ron Edgar.


The Millennium - "Some Sunny Day" (1968). Tema da autoria de Lee Mallory.



No entanto, apesar do que o seu nome prometia, acabou por ser também este o último disco oficial desta banda. 


Houve igualmente todo um conjunto apreciável de gravações que acabariam por ficar inéditas durante muitos anos. Devido ao facto de, entre outras razões, os Millennium serem uma banda sem formação fixa e terem sido constituídos a pensar só no trabalho de estúdio, o seu êxito no seu tempo foi quase nulo, o que levou a determinar a sua curta existência. Para além do mais, o único álbum que os Millennium lançaram durante a sua curta existência, foi particularmente dispendioso, o que fez a respectiva editora não disponibilizar quaisquer recursos para a sua promoção, que seria essencial para a sua divulgação junto do público. Só no final dos anos 90, os Millennium seriam resgatados do esquecimento, graças às várias reedições em CD, tendo a sua qualidade, incluindo o talento de Lee Mallory, recebido o reconhecimento devido.



Posteriormente a este projeto, vale a pena assinalar a participação de Lee no musical emblemático “Hair”, quer como músico da respectiva banda, onde ocupava o lugar de guitarrista principal, quer como membro da companhia que atuava ao vivo.


Lee Mallory - "No Other Love" (1967).

A partir deste final de 60, e com as mudanças no panorama musical, a carreira de Lee Mallory dispersou-se entre participações em diversos grupos e projetos musicais, como músico, cantor e compositor, muitos deles de curta duração e só divulgados a nível praticamente local, para além de atuações ao vivo, incluindo ao ar livre e em bares. Apesar de tudo, é quase unânime para todos aqueles que com ele conviviam ou simplesmente assistiam às suas atuações em ambientes quase intimistas, as grandes qualidades artísticas e humanas de Lee Mallory.


De qualquer forma, tal como acontecera com muitos outros artistas seus contemporâneos, a vida de Lee Mallory, também foi palco dos mais diversos excessos, nomeadamente no que diz respeito ao abuso de drogas e estupefacientes, o que acabaria por deixar sequelas irreversíveis na sua saúde. 


Os seus últimos anos de vida, foram, em grande parte vividos a tentar minimizar os seus efeitos e, ao mesmo tempo, promover e participar em diversas iniciativas de cariz social e artístico, na zona de San Francisco, onde ele havia passado a residir. 


Muitos dos participantes nestas iniciativas eram francamente mais jovens do que ele, o que, de alguma forma, servia de constante estímulo para ele levar avante a sua carreira de artista e promover o apoio a outros músicos que residiam e atuavam na sua zona. Em complemento desta sua muito ativa vida social, Lee Mallory colaborava com regularidade em diversos periódicos locais.


O seu envelhecimento físico algo prematuro, que se traduzia numa saúde em declínio, havia-o tornado numa pessoa algo zelosa com a forma como levava a sua vida. Aliás, já em 1995, ele havia sobrevivido a um coma, o que, entre outros aspectos, muito contribuiu para a sua, ainda que muito tardia, vitória sob os vícios do tabaco e da droga, da qual ele fez grande divulgação e chegou a receber um certificado.



Foi na sequência desta sua regeneração pessoal e do seu empenhamento artístico e humano, no seio da sua comunidade, que o San Francisco Board of Supervisors, decidiu proclamar o dia 10 de Janeiro de 2005, como o primeiro “Lee Mallory Day” (algo como “Dia de Lee Mallory”), em homenagem não só ao músico em questão, como a todos os cantores-autores. Este dia foi escolhido também por ser o aniversário de Lee Mallory, em que ele completou 60 anos de vida.
Lee Mallory.
Por outro lado, sabia-se que ele atravessava, mais uma vez, sérios problemas de saúde, sob a forma de um cancro no fígado, o que decerto, contribuiu para toda a atenção que amigos e conhecidos lhe dispensavam. Lee Mallory contava ser sujeito, proximamente, a um transplante de fígado, o que nunca veio a acontecer. Em paralelo, teve um papel ativo na consciencialização do público relativamente à Hepatite C, para além de desejar que a história da sua vida pessoal, devido aos excessos do passado, funcionasse como um aviso para os jovens músicos levarem uma vida mais cuidada.
Lee Mallory.
A 18 de Março de 2005, Lee Mallory fez as últimas gravações para o seu derradeiro álbum, que constituía também o seu primeiro trabalho de estúdio após vários anos de ausência, bem como aquele onde finalmente teve o controle completo de toda a parte criativa, depois de décadas de trabalho sempre sob a direção tanto de outros tantos músicos e produtores. Sucumbiria, por fim, à doença no dia 21 de Março de 2005, em San Francisco.


Fiquei a saber que esse tal último álbum de Lee Mallory se mantém ainda "embargado" e "bloqueado" ao fim de quase duas décadas (desde 2005!!!), o que é VERGONHOSO!!! É UMA GRAVE OFENSA À MEMÓRIA DE UM ARTISTA DE GRANDE NÍVEL ARTÍSTICO E HUMANO!!!
QUE ESTA POSTAGEM SIRVA, FINALMENTE, DE INCENTIVO PARA LANÇAREM O SEU ÚLTIMO TRABALHO DISCOGRÁFICO NUM PRAZO O MAIS CURTO POSSÍVEL!!! (eu, pelo menos, pretendo adquiri-lo!!!)

sexta-feira, novembro 12, 2021

Curt Boettcher - um talento a redescobrir




No vasto mundo da música contemporânea dos últimos 50 anos, diversos foram os talentos que a voragem do tempo se encarregou de votar ao esquecimento. Um desses nomes era o de Curt Boettcher. Nascido em Janeiro de 1944, originário de Wisconsin, foi ao longo da sua carreira de mais ou menos 25 anos, compositor, cantor, músico e produtor de discos. Apesar de o seu nome não constar como entrada de muitas enciclopédias de música publicadas até à atualidade, muitos artistas importantes lhe ficaram a dever, entre estes os Beach Boys. Muito do seu trabalho consistiu essencialmente em colaborar com cantores,grupos e produtores, tendo o seu nome, quase sempre, surgido algo discretamente mencionado em fichas técnicas e nos créditos de diversas canções, sem referir com precisão a extensão do seu real contributo no resultado final. 
The Association - "And Then... Along Comes The Association" (1966). Neste primeiro LP deste grupo, a produção e colaboração de Curt Boettcher, nos mais variados aspetos, inclusive instrumental, foi essencial. Aliás, ele era um dos compositores do tema mais importante deste disco, "Along Comes Mary", apesar de uma "vigarice" do outro co-autor, Tandyn Almer, que se registou como o seu único autor, para receber a totalidade das royalties.

The Association - "Along Comes Mary" (1966).

Curt Boettcher - "Along Comes Mary" (Demo de 1965). Eis aqui a prova da "vigarice" de Tandyn Almer, ao se registar como o único autor de "Along Comes Mary"... Decerto terá sido, afinal, Curt Boettcher o principal autor desta canção... Há erros que ficam para a eternidade...

The Association - "Message Of Our Love" (1966). O único tema deste 1º disco onde a parceria entre Curt Boettcher e Tandyn Almer foi "respeitada" e se manteve "intocada".

The Association - "One Too Many Mornings". (1965). Foi esta cover de um tema original de Bob Dylan que chamou a atenção de Curt Boettcher para os The Association e o fez decidir-se a produzir o seu 1º LP.

Esta versão regravada de "Enter The Young" começa, todavia, com a gravação original do tema "The Machine". Este tema constituía uma espécie de "apresentação virtual" dos The Association. Feito durante as gravações do seu 1º LP de 1966, ficaria inédito até 2002. Nesta curiosa introdução, o baixista Brian Cole (1942-1972) é o "mestre de cerimónias". Este breve tema estava, originalmente, destinado a ser o primeiro tema do lado A do LP e resultava da ideia, depois descartada, de fazer um álbum de características conceptuais, coisa pioneira para a época. A ideia terá partido de Curt Boettcher mas, em resultado de pressões da parte dos outros elementos envolvidos na produção deste LP, optou-se por lançar um álbum de natureza mais convencional, abandonando-se a proposta inicial, considerada um tanto "arriscada". Sendo assim, cada canção surge como era de esperar, ou seja, autonomizada. Terão sido pressões deste género que terão feito Curt Boettcher pôr completamente de parte a ideia de se tornar no principal produtor dos The Association, tal como era George Martin com os Beatles, e a desligar-se da banda findas as gravações do 1º LP.

The Association - "Enter The Young" (1966). A versão original, tal como aparecia no primeiro LP de 1966. Neste vídeo, em particular, ter-se-á feito uma "edição" que aumenta a duração do tema para quase o dobro do original, ao se incluir apenas a parte instrumental no início. 

The Association - "Round Again" (1966). "Samples" deste tema, composto pelo guitarrista Gary Jules Alexander (1943), foram incluídos na gravação final do tema "Hoops", pertencente ao álbum "Come With Us" dos Chemical Brothers, lançado em começos de 2002.

The Association - "I'll Be Your Man" (1966). A voz principal deste tema esteve a cargo do guitarrista, baixista e percursionista Russ Giguere (1943) (o 1º à direita na imagem). Os outros elementos são, da esquerda para a direita, Terry Kirkman (1939) voz, instrumentos de sopro, teclados e percussão; Brian Cole (1942-1972) voz, baixo elétrico, baixo acústico e contrabaixo; Larry Ramos (1942- 2014) (chegou ao grupo em Abril de 1967, quando Gary Jules Alexander (1943) saiu) voz e guitarras; Jim Yester (1939) voz, guitarras e teclados; Ted Bluechel (1942) voz, bateria e percussão.

The Association - "Remember" (1966). A voz principal deste tema esteve a cargo do guitarrista Jim Yester (1939).

The Association - "Cherish" (1966). Este tema foi composto pelo membro da banda  Terry Kirkman (1939) (no centro) e foi o maior êxito do LP "And Then... Along Comes The Association" (1966).

Este temas dos The Association, tiveram por trás a produção e, nalguns casos, a participação instrumental, de Curt Boettcher.  Na sua variedade, constituíam um paradigma perfeito daquilo a que se chamou "Sunshine Pop", cuja época de maior expressão foi entre 1965 e 1969.


The Association - "Along Comes Mary" (1966). Versão ao vivo de 1967 no, então, muito popular programa televisivo "Smothers Brothers", onde atuaram muitos nomes da música moderna daquele tempo, inclusive de fora dos Estados Unidos, como os britânicos "The Who". Destaque para a "apresentação" do grupo feita pelo baixista Brian Cole (1942-1972)
 
Curt Boettcher afastar-se-ia dos Association na sequência do seu primeiro álbum "And Then... Along Comes The Association" (1966). Nos anos seguintes, os Association continuariam a somar êxitos e, sobretudo, a compor e a interpretar temas de grande qualidade musical. Apesar de já não estar presente, é indiscutível o papel primordial de Curt Boettcher na descoberta e, ainda que indiretamente, na posterior afirmação desta banda que, ainda hoje, suscita agradáveis recordações. 

The Association - "Pandora's Golden Heebie Jeebies" (1966). Tema composto pelo guitarrista Gary Jules Alexander (1943), que também fazia a voz principal. Meses depois, Gary Alexander afastar-se-ia temporariamente dos Association, tendo permitido a chegada do novo e talentoso cantor, guitarrista e compositor Larry Ramos (1942-2014), que se manteria por quase meio século como um dos seus elementos mais em destaque.

The Association - "On A Quiet Night" (1967). Destaque para a voz de Jim Yester (1939).

The Association - "When Love Comes To Me" (1967).

The Association - "Never My Love" (1967).

The Association - "Windy" (1967).

The Association - "Reputation" (1967). Tema onde a voz principal é a do baixista Brian Cole (1942-1972). 

The Association - "Reputation" (1967). Versão ao vivo.

The Association - "We Love Us" (1967). Uma das poucas composições do baterista Ted Bluechel.

The Association - "Requiem For The Masses" (1967). Composição e voz principal de Terry Kirkman.

The Association - "Birthday Morning" (1968). Mais uma vez, a voz de Jim Yester em destaque. 

The Association - "Six Man Band" (1968). Eram assim, de facto, os Association originais...

The Association - "Like Always" (1968). Tema onde Larry Ramos (1942-2014) surge como a voz principal, para além de ser um dos seus compositores.

The Association - "Along The Way" (1971). Tema onde se destaca a voz de Jim Yester (1939) no seu melhor.

The Association - "P.F. Sloan" (1971). Parte falada pelo baixista Brian Cole (1942-1972) que, em 1972, seria encontrado morto em sua casa, vítima de overdose de heroína.

 The Association - "Across The Persian Gulf" (1981). Um breve relançamento dos Association já na década de 1980.




The Simple Image - "Spinning, Spinning, Spinning" (1968). Um tema com a co-autoria de Curt Boettcher. Este grupo era originário da Nova Zelândia

Entre os diversos grupos com os quais Curt Boettcher colaborou, direta ou indiretamente, estavam os já referidos Beach Boys, e também The Association, The Byrds, Paul Revere & The Raiders, Chad & Jeremy, Tommy Roe, Elton John, Bruce Johnston, Lee Mallory e Gary Usher. Foi igualmente um dos elementos fundadores de diversos grupos musicais, ainda que essencialmente de estúdio, nomeadamente Ballroom, Sagittarius e The Millennium. Estes, apesar de tudo, foram de muito curta duração. A nível individual, Curt Boettcher só lançou em vida um álbum There's an Innocent Face, que foi um fracasso comercial, apesar do seu ecletismo em termos de género musical. 

Gary Usher (1938-1990), um dos grandes amigos e colaboradores de Curt Boettcher, entre muitos outros projetos, participará como a "outra metade" do grupo Sagittarius, tal como é visível na capa do primeiro álbum ("Present Tense") de 1968em baixo. Ele surge à esquerda, Curt Boettcher (1944-1987) à direita. Na prática, não era um grupo que tivesse uma formação definida. Era apenas um "projeto de estúdio" onde entraram e saíram diversos artistas e músicos de estúdio e incluía, sobretudo na edição póstuma em CD, diversos temas gravados entre 1966 e 1968, alguns destinados a outros projetos abortados e muitos deles inéditos até 1997. Um disco essencial e, na minha opinião, obrigatório para quem (realmente) gosta de (boa) música.


Sagittarius - "Another Time". Gravação inédita de 1967, depois lançada em 1968. Tema de abertura do LP "Present Tense".

Sagittarius - "The Keeper Of The Games" (1968).

Sagittarius - "My World Fell Down". Gravado e lançado numa versão ligeiramente diferente em 1967, da que foi incluída no LP "Present Tense", em 1968. Foi o único êxito dos Sagittarius, em 1967. Os seus autores eram a dupla, muito prolífica, Carter-Lewis (os ingleses John Carter e Ken Lewis), os quais já a haviam lançado, enquanto membros dos Ivy League em finais de 1966.

Sagittarius - "I'm Not Living Here" (1968).

Sagittarius - "Musty Dusty". Gravação inédita de 1966 de um grupo anterior, Ballroom, depois incluída em, 1968, no álbum "Present Tense". A sua autoria era a mesma do tema "Along Comes Mary", o já referido êxito dos Association, ou seja, Curt Boettcher e Tandyn Almer. Era um tema sobretudo deste último, tal como o outro era sobretudo de Curt Boettcher. Como Almer havia cometido a "vigarice" de registar o "Along Comes Mary" só sob a sua autoria, ao perceber que estava para ser um êxito seguro e para receber a totalidade das royalties, em resposta, Curt Boettcher registou "Musty Dusty" só sob a sua autoria individual. "Tit for Tat". Mas, como se veio a comprovar, quem acabou por ficar a ganhar, para sempre, foi Tandyn Almer, pois "Along Comes Mary", não só através dos Association, é um hit ainda hoje repetidamente lembrado e editado num sem número de circunstâncias. "Musty Dusty" é apenas mais uma pequena pérola esquecida no tempo e que muito poucos conhecem...

Sagittarius - "Get The Message" (1967). Um dos diversos temas inéditos recuperados na edição de "Present Tense" em CD de 1997. O seu intérprete era um dos vários "ilustres desconhecidos" cantores de estúdio, que entraram e saíram dos Sagittarius (antes do grupo, efetivamente, existir), sem serem sequer creditados. No CD fala-se no nome "Michael". Há quem tenha sugerido que seria Michael Z. Gordon, um dos autores da canção e que, em parceria ou individualmente, compôs diversas canções, algumas delas êxitos, para outros artistas mais conhecidos. Houve uma versão deste tema que foi um êxito menor, nesse mesmo ano de 1967, de um certo Brian Hyland, cantor famoso pela sua interpretação do êxito mundial "Sealed With A Kiss", em 1962.

Sagittarius - "Sister Mary". Parte instrumental de um tema, gravado por Gary Usher, a pensar no grupo Sagittarius, mas que ele acabaria por destinar à, mais famosa, dupla de cantores de rock/folk Chad & Jeremy. Estes gravariam a sua versão, já com letra, por alturas seu melhor disco "Of Cabbages & Kings" de 1967. É o tema, até então inédito (1997), com que a edição em CD de "Present Tense" encerra.
 

A carreira musical de Curt Boettcher começou em 1962 com a fundação de um grupo musical de folk The Goldebriars, onde ele tocava viola acústica e era o principal vocalista. Este grupo lançaria dois álbuns em 1964, "The Goldebriars" e "Straight Ahead", cujo estilo musical, em especial no primeiro, se assemelhava ao de outros grupos de folk (ou folk-rock)seus contemporâneos, tais como: Peter, Paul & Mary, The Seekers e Simon & Garfunkel (primeiro disco). 

The Goldebriars. A formação original. Curt Boettcher está ao centro. Os outros elementos são: Ron Neilson (em cima) e as irmãs Sheri e Dottie Holmberg (à esquerda e à direita, respetivamente).


Goldebriars - "Railroad Boy" (1964).

Goldebriars - "Come Walk Me Out" (1964). 

Goldebriars - "Pretty Girls And Rolling Stones" (1964). 

Goldebriars - "A Mumblin' Word (He Never Said)" (1964).

Goldebriars - "Shenandoah" (1964). 

Goldebriars - "Sing Out Terry O' Day" (1964).

Goldebriars - "I've Got To Love Somebody" (1964). O tema que aqui interessa, só começa no tempo 2:37. Um erro do uploader que acrescentou outro, a que se dará a devida atenção mais adiante.

Goldebriars - "Haiku" (1964).

Goldebriars - "No More Bomb" (1964).

Goldebriars - "Queen Of Sheeba" (1964).

Goldebriars
 - "Castle On The Corner" (1964). Para mim, esta é a melhor canção dos Goldebriars.

Goldebriars - "Honey Bunny" (ca. 1964).

Goldebriars - "Slow Me Down, Lord" (ca. 1964).


Fora ainda gravado um terceiro álbum, com novos membros, entre estes Ron Edgar, no final de 1964, mas cujo lançamento, previsto para o começo de 1965, foi cancelado.


Goldebriars - "Nothing Wrong With You That My Love Can't Cure" (1964-1965).

Nestes primeiros discos, começava-se a vislumbrar um pouco do estilo musical que Curt Boettcher aperfeiçoaria mais adiante e que ficou conhecido como "Sunshine Pop". Este género musical constituiria muito do pano de fundo onde se constituiriam muitas das bandas, que ficariam associadas à cena musical da "West Coast", mais concretamente na zona de San Francisco, ou que por ela foram influenciadas. 

The Ballroom - "You Turn Me Around". Gravação dos "The Ballroom", um grupo que Curt Boettcher fundou e integrou, feita em 1966 e que ficou inédita até 2001. Ele surge à esquerda na foto e, no extremo direito, surge também Sandy Salisbury que, dois anos depois, integraria os "Millennium", também como compositor. Outro tema fundamental desta fase é "Magic Time".

"The Ballroom - "Magic Time" (1966).

Curt Boettcher - "Astral Cowboy" (ca. 1968/1969).

Pode-se afirmar que Curt Boettcher foi um dos principais artistas que contribuíram para o aparecimento da moda do psicadelismo, do "Flower Power" e do movimento Hippie a eles associado. Foi a partir do Sunshine Pop, que terão surgido diversos artistas e grupos marcantes da segunda metade da década de 60, tais como Scott Mackenzie, The Jefferson Airplane, The Loving Spoonful, The Mammas and Pappas e The Flower Pot Men, estes últimos em Inglaterra. 

Curt Boettcher - "Misty Mirage" (ca. 1968/1969).

Com o começo dos anos 70, a carreira de Curt Boettcher começou a decair gradualmente, dado que, da sua autoria ou colaboração, não houve mais nenhum êxito de assinalar. Por outro lado, o panorama musical estava algo inóspito para a sua linha criativa. Apesar da diversidade de géneros musicais que agora enformavam a música pop contemporânea, eram essencialmente duas as opções dominantes nesse começo dos anos 70: a progressive music e o rock pesado. Dois géneros algo estranhos para o gosto pessoal de Curt Boettcher. Para além disso, dos diversos grupos musicais que haviam surgido e sobrevivido durante os anos áureos do Sunshine Pop, muitos já se haviam dissolvido, outros mudaram de nome e de estilo tornando-se em algo completamente irreconhecível e os poucos que se mantinham nessa onda, soavam a anacrónicos. 

Sob a insistência do produtor Jac Holzman, que retinha na memória a grande qualidade do disco Begin dos Millennium de 1968, Curt Boettcher grava para a editora Elektra o seu único álbum em vida There's an Innocent Face, em 1971
Curt Boettcher - "The Choice Is Yours" (1971-1973).

Curt Boettcher - "Malachi Star" (1971-1973).

Curt Boettcher - "Lay Down" (1971-1973).

Este álbum sairia apenas quase dois anos depois, em 1973, tendo sido recebido com quase completa indiferença quer pelo público, quer pela crítica, apesar da variedade de géneros musicais nele contida. Ainda houve uma breve tentativa para gravar um segundo disco a solo intitulado Chicken Little Was Right, mas que acabaria por ficar incompleto e só seria editado postumamente 30 anos depois, em 2004
Curt Boettcher - "If You Only Knew" (1973-2004).

Posteriormente, o seu trabalho, quer como músico, quer como produtor, dispersou-se por cada vez menos projetos, sem grande relevância nem impacto comercial. Um dos seus últimos trabalhos, consistiu na produção de um álbum a solo de Mike Love, vocalista dos Beach Boys. Tinha como título Looking Back With Love e foi lançado em 1981. Foi um completo fiasco, quer do ponto de vista comercial, quer crítico, tendo mesmo os fãs dos Beach Boys, considerado este álbum o pior de sempre alguma vez gravado, quer pelo grupo, quer por um dos seus membros. 

Nos anos 80, com uma realidade musical muito diferente daquela em que ele havia sido marcante nas mais diversas vertentes, sobretudo no que respeita ao tipo de música então em voga, a sua importância decresceu ao ponto do quase esquecimento. O "sunshine pop" era uma relíquia do passado e já não cativava as novas gerações de ouvintes. 

O movimento "punk" havia voltado a valorizar os temas duros e polémicos, para não falar na revolta com ou sem causa, associados ao rock, menosprezando os grandes arranjos melódicos e as vozes algo delicadas. 

A música feita à volta de instrumentos eletrónicos, nomeadamente a nível das caixas-de-ritmo,com o auxílio crescente do computador, de batida sonora e ritmo empolgante, com o elemento dançável nunca longe de vista, era agora a moda. 

Mesmo a nível das baladas, o modelo que mais fazia vender e ocupava os média, era o das "power-ballads", onde a presença da guitarra-eléctrica tocada em estilo apoteótico e dos sintetizadores de som tonitruante, raramente era dispensada. Havia como que uma idolatração relativamente a tudo o que evocasse os cenários futuros, fossem optimistas ou pessimistas, associada a uma atitude de amor-temor relativamente à tecnologia digital e à sua derivada "Inteligência Artificial", que pareciam estar prestes a dominar a própria humanidade que as havia criado. 

Só as velhas glórias do passado, por vezes ressuscitadas oportunamente em colectâneas de êxitos e em reuniões mais ou menos aguardadas, é que conseguiam aqui e ali conquistar uma breve e pontual atenção dos média e, consequentemente, um ocasional nicho de mercado. Curt Boettcher nunca fizera história no campo dos espetáculos ao vivo, agora uma condição quase sine qua non para se ficar conhecido ou não cair simplesmente no esquecimento. O seu nome, individualmente, nunca tivera divulgação internacional nas décadas de 60 e 70 e, durante o seu tempo de vida, ele era sobretudo conhecido por entre o mundo artístico americano, em especial na região da "West Coast". Por outro lado, sendo ele sobretudo um homem de (grande) importância a nível de bastidores, a maior parte do seu público contemporâneo nunca lhe dispensou a atenção devida, ou seja, o nome de Curt Boettcher nunca foi verdadeiramente vendável.
 
Só mais atualmente, com as profusas reedições em CD de álbuns já fora do mercado há muito e da obra de diversos grupos e cantores, embora em edições de apenas alguns milhares de exemplares, feitas quase sempre a pensar nos colecionadores, nostálgicos e "connaisseurs", facilmente esgotáveis portanto, é que o seu nome voltou a ser verdadeiramente lembrado e a ocupar o seu devido lugar na história da música, pelo menos, ocidental. 
Curt Boetcher - "Another Time" (ca. 1968/1969). Versão a solo posterior à dos Sagittarius e com, pelo menos, um novo verso acrescentado.

Curt Boettcher já não teve, infelizmente, oportunidade para assistir a esta, ainda que algo tímida, revitalização do seu nome, pois faleceu a 14 de Junho de 1987, na sequência de uma operação pulmonar. Gary Usher, um dos seus mais diletos amigos e acérrimos defensores, seguir-se-lhe-ia em 1990.

Uma das diversas coletâneas existentes relativas a Curt Boettcher, tendo sido esta lançada em 2019.



Ao rever esta cena do filme "Dirty Dancing" ("Dança Comigo"), cuja estreia ocorreu em 1987, é Curt Boettcher quem me vem à memória. Terá sido uma "homenagem" discreta que lhe fizeram (e quase ninguém deu conta)? O cantor principal, em especial a sua voz, parece fazer lembrar Curt Boettcher, falecido nesse mesmo ano (1987)...

"Kellerman's Anthem" (from the movie soundtrack "Dirty Dancing") (1987). A versão completa deste tema.