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segunda-feira, outubro 17, 2011

Três nações na disputa da hegemonia europeia

Numa importante parte da obra “A Grande Transformação”, faz-se um enfoque na componente das divisões no campo das relações laborais, como um reflexo das muito complexas divisões que se verificam na sociedade, regressando-se mais uma vez à ideia do Homem que se foi transformando, gradualmente, em máquina de produção transaccionável e sujeito às leis do mercado, simultaneamente impositivas e flexíveis.



Apesar de aqui se dar, como acontecera nos outros capítulos, uma preferência à realidade do mundo ocidental, em geral, é dado um especial destaque a três países fundamentais neste período: a Inglaterra, a França e a Alemanha. Não quer isto dizer que outros, como a Itália, sejam ignorados. O que acontece é que, durante estes 150 anos, entre o começo do século XIX e a Segunda Guerra Mundial, estes três países ocuparam um lugar exemplarmente importante no xadrez mundial. Eram três nações que representavam a ponta-da-lança em termos de desenvolvimento nos mais variados aspectos e, desta forma, que nelas se passava, ecoava nas outras que lhes eram próximas, quer em termos geográficos, quer em termos de relações comerciais e diplomáticas, quer em termos de interesses em comum.


Devido a esta importância central, estas três nações tinham entre si, há muito, um esquema de relações, extremamente complexo. Haviam estado, por diversas vezes, em guerra entre si, não raras vezes uma contra as outras duas que, oportuna e temporariamente se aliavam mutuamente, antes de surgir, entre estas duas últimas, novas sementes de rivalidade.


Basicamente, este século XIX avançava com esta realidade muito vincada nas suas costas. Basta referir, por exemplo, as Invasões Francesas, onde França se opunha à Inglaterra e a Alemanha. Por outro lado, enquanto a França se vinha recompondo do completo falhanço do seu sonho imperialista, a Inglaterra e a Alemanha disputavam, entre si, uma guerra surda no sentido de conseguirem uma hegemonia dentro do quadro europeu, nos mais variados campos. Um deles, senão o mais importante, consistia no domínio da zona marítima que servia as costas europeias.


A Inglaterra, uma nação pioneira no campo da Revolução Industrial, sentia uma necessidade absoluta de superar a sua insularidade geográfica, que tornava algo insegura a, então vital, manutenção do seu vasto império colonial. No entanto, a sua vasta extensão de zonas costeiras navegáveis, desde logo, dotou esta nação de um poderio naval invejado pela generalidade dos outros países e permitiu-lhe ser um competidor a não ignorar no campo das relações comerciais. Para além do mais, é preciso não esquecer que as Ilhas Britânicas constituiam um território quase imune a qualquer invasão inimiga. O Canal da Mancha desde sempre, foi a sua muralha natural mais preciosa e permitiu que a Inglaterra quase não conhecesse os horrores dos grandes conflitos, evitando, entre outras coisas, que os seus vastos recursos naturais sofressem danos maiores e as suas populações corressem os mesmos riscos a que as outras nações no continente europeu estavam expostas.


A Alemanha, por seu turno, encontrava-se fragmentada em vários pequenos estados, cada um deles com o seu passado cultural próprio, e, para adquirir a solidez necessária, havia quanto antes de conseguir uma forma de unificação. Tal foi conseguido, pela mão de Otto Von Bismark. Mesmo assim, era preciso não esquecer que, apesar desta união amigável, havia uma hegemonia prussiana sobre todos os outros estados germânicos. Conseguida a unificação, a “nova” Alemanha conseguia, finalmente, tirar partido da sua localização geográfica central e dos vastos e abundantes recursos do seu solo, nomeadamente no que respeita a minério. Tinha uma extensa zona costeira que lhe permitia manter sólidas relações com os grandes centros comerciais de então, sem esquecer o passado da Liga Hanseática que abrangia também importantes portos de mar holandeses. Por outro lado, o facto de fazer fronteira com um importante leque de nações, encorajava a um, inicialmente secreto, desejo expansionista.



Vale a pena não esquecer que, tal como a Inglaterra, tanto a França e, mais tarde, depois da década de 1880, a Alemanha, possuíam o seu importante quinhão de colónias, ainda que em menor número. Havia que assegurá-las, apesar de haver uma surda tentação de estender a sua influência para outras colónias pertencentes a outras nações.



À parte a curta, mas marcante, guerra de 1870-71 entre a Alemanha imperial e a França, que foi desvantajosa para esta última, o século XIX, em especial a sua segunda metade, foi um período de acalmia bélica. As “guerras” agora eram diplomáticas e comerciais e, assim se mantiveram durante muitas décadas, até tudo se desmoronar em 1914.

domingo, junho 05, 2011

Alguns impactos da Revolução Industrial no Século XIX

O tipo economia de mercado que dominou grande parte do século XIX e cujos efeitos se continuariam de certa forma a fazer sentir no século XX derivou, em muito, da Revolução Industrial iniciada no século XVIII. De referir, para pôr as coisas no seu devido lugar, que a dita “economia de mercado”, que é, desde há muito, uma realidade neste novo século XXI, deverá muito a essa primeira verdadeira economia de mercado, que havia encontrado terreno fértil nas profundas e múltiplas transformações originadas pela Revolução Industrial.



No entanto, a versão contemporânea de “economia de mercado” que hoje, neste Século XXI, nos envolve e domina, com todas as suas virtudes e defeitos surge num contexto histórico-social completamente diferente, para não falar do inevitável factor científico-tecnológico a condicionar, em grande parte, as sociedades mais desenvolvidas. A dita "globalização" que hoje é um lugar-comum incontestável, não existia no Século XIX, embora, fazendo-se uma breve retrospectiva, seja possível aí encontrar as suas mais remotas raízes.

A economia de mercado que dominou no século XIX desenvolveu-se numa sociedade onde a componente agrícola ainda assumia um papel preponderante, pelo menos nas sociedades ocidentais e mais desenvolvidas, que são usadas neste livro ("A Grande Transformação") como o principal ponto de referência comparativo.

É preciso ter sempre presente que a Revolução Industrial não se processou na mesma velocidade e de uma forma uniforme neste conjunto de países de referência. De qualquer forma, os efeitos da Revolução Industrial nos países por onde passou foram mais ou menos similares. As zonas urbanas e de maior densidade populacional, eram onde o grosso da actividade fabril mais se concentrava, o que ofereceu às cidades uma importância então inédita. As cidades já detinham o seu valor por nelas se encontrarem as instituições que representavam o poder central, tanto a nível político, militar e religioso de cada nação, para além de já serem, há muito, zonas de grande produção cultural e científica.

Esta conjuntura que começava a ganhar forma, era um perfeito contraponto à já milenar realidade em que a generalidade dos produtos e actividades de subsistência básicas se concentravam nas zonas rurais. As zonas urbanas dependiam quase exclusivamente destas e, apesar de nas cidades se alojarem, já há muito, os denominados ofícios e as actividades de manufacturas pré-industriais, os produtos básicos, provenientes das zonas rurais, eram aí simplesmente escoados através do comércio. Antes da Revolução Industrial, as cidades detinham uma importância secundária na cadeia de produção. Eram aglomerados habitacionais principalmente consumidores e onde o denominado “ócio” tinha o seu centro. As principais forças de trabalho concentravam-se onde havia mais “terra” ou solo arável, que era o que verdadeiramente representava a riqueza e o poder económico. Era mais rico quem tinha mais terra, ainda que nela não trabalhasse. Os pequenos proprietários, que trabalhavam os solos que possuíam, eram os maiores representantes do tipo de economia de auto-subsistência que, então, dominava.

A Revolução Industrial trouxe consigo uma gradual alteração deste quadro. Decididos a fugir a uma realidade feita de incertezas, situações de penúria recorrentes e não raras situações de injustiça e exploração abusiva da parte dos senhores das terras, um número crescente de pequenos agricultores e jornaleiros decide partir para os grandes núcleos urbanos, dando origem a uma situação, então, quase inédita, de êxodo rural. Muitos julgavam ver nessa nova actividade a tão desejada melhoria das condições de vida, outros achavam que, sendo a sua vida de trabalho de sol-a-sol uma vida desagradável e sem perspectivas de futuro, pior do que estavam não podiam ficar, caso abraçassem a nova condição de operários fabris. Muitos acabariam por ser desenganados e descobrir uma nova forma de exploração.

As cidades, como espaços onde se prometiam novas oportunidades, acabariam por sofrer um importante, senão explosivo, crescimento físico e populacional, graças a estes novos contingentes populacionais. Beneficiaram, inicialmente, com esta mão-de-obra adicional, mas também começaram a ser palco de novas situações de miséria, devido ao facto de, entre outros aspectos, os espaços laborais existentes não conseguirem absorver essa nova mão-de-obra disponível ao mesmo ritmo do seu crescimento.

A Revolução Industrial fazia surgir um novo tipo de ser humano que, em contraponto ao que antes produzia principalmente para si, agora, produzia para a entidade que o acolhia, neste caso a empresa detentora da fábrica, e lhe atribuía uma ou mais tarefas a desempenhar. Este novo tipo de indivíduo, já não via parar às suas mãos o produto real do seu trabalho que lhe permitia subsistir, mas antes um valor que era atribuído ao seu esforço, sob a forma de “salário”, a partir do qual obtinha a sua subsistência. Eis porque este, então, novo e cada vez mais numeroso tipo de trabalhador, era designado de “assalariado”. Para além disto, cada um destes trabalhadores perdia a sua individualidade enquanto ser trabalhador, para se tornar em mais um simples número contabilizável, ou seja, uma peça dentro de uma cada vez maior engrenagem produtiva.
A miséria vivida por aqueles que se aglomeravam nas zonas pobres das cidades era, muitas vezes, mais dura e permanente do que aquela que, de quando em quando, afligia os que viviam do básico trabalho da terra.

Com a criação dos denominados “bairros operários”, todo um conjunto de novos problemas e desafios se colocaram às autoridades locais de diversos países. A generalidade dos indivíduos que vinham habitar estes novos espaços, eram confrontados com um modelo habitacional preferencialmente concentrado, ou seja, um grande número de pessoas a viver numa área relativamente pequena. Este facto era, desde logo, gerador de uma crescente insatisfação, visto que uma parte substancial destes indivíduos provinha de zonas onde o modelo habitacional era disperso. Nos seus lugares de origem, apesar das eventuais dificuldades de vida, havia uma maior definição de “território individual”, ou seja, os lares podiam até ser diminutos, mas havia uma área circundante mais vasta que garantia uma maior privacidade dos indivíduos. Entre outros aspectos, o clima de promiscuidade que pudesse existir no seio de algumas famílias, agravava-se seriamente, dado que o espaço habitacional que lhes ficava reservado, encontrava-se a paredes-meias de, pelo menos, outra habitação ocupada por desconhecidos, quando não literalmente “entalado” no meio de várias habitações onde, por si só, a falta de espaço individual já era um problema frequente.

Numa situação destas, seria fácil, de quando em quando, desencadearem-se situações de violência, mesmo no seio das próprias famílias. Por outro lado, a experiência foi ensinando às autoridades, que uma concentração excessiva de seres humanos numa área restrita era altamente degradante do ponto de vista sanitário, para além de se converter num foco gerador de criminalidade. Desta forma, estes novos fluxos populacionais que, inicialmente, podiam representar o “sangue novo” de que as indústrias emergentes e as respectivas zonas urbanas tanto precisavam para funcionar e desenvolver, começavam a se revelar prejudiciais para a qualidade de vida de um sem-número de cidades e os respectivos habitantes de origem. Em muitos países, as autoridades locais tiveram de empreender um enorme esforço inédito de reordenação dos espaços urbanos, que muito contribuiu para dar às principais cidades do Mundo, a começar pelos países ocidentais, uma nova fisionomia que se tornaria imagem de marca da época contemporânea. O sucesso destas medidas de fundo foi, no entanto, muito variável de região para região.

domingo, julho 18, 2010

Um breve olhar sobre Max Weber

Max Weber, um dos principais fundadores da Sociologia Moderna, tendo nascido em território alemão no ano de 1864, assistiria de perto a um dos mais cruciais períodos da história europeia e tornar-se-ia uma das suas figuras proeminentes no campo da história da Cultura e da Filosofia. É importante situá-lo no tempo para se poder melhor compreender a sua vasta e complexa doutrina.
No ano em que Weber nasceu, era Otto von Bismark Primeiro-Ministro da Alemanha e será, por iniciativa deste, que se dará a sua progressiva unificação. Na sequência da Guerra Franco-Prussiana, da qual sairá vitoriosa, a Alemanha irá transformar-se num estado único, convertendo-se no Império Alemão, sob o reinado da prussiana Casa de Hohenzollern tendo a sua capital em Berlim. A Alemanha entrará num período que se designará de “2º Império” (“Reich”), que se estenderá de 1871 até 1918, quando o seu último Kaiser Wilhelm II abdicar, na sequência da derrota na 1ª Guerra Mundial.
Desta forma, Max Weber assistirá, em primeiro plano e na íntegra, à ascensão do grande Império Alemão enquanto potência de grande poder militar e industrial e à sua queda, em conjunto com outros grandes impérios europeus. Estará ainda presente em Versalhes, como um dos representantes da Alemanha e integrará a Comissão encarregada de redigir a Constituição da República de Weimar, cujos primeiros e conturbados anos presenciará numa posição de algum protagonismo, tendo chegado a assumir uma posição algo crítica relativamente ao rumo que esta parecia estar a tomar e que, decerto, muito contribuiria para o seu fim abrupto, após a ascensão do Nazismo. Todavia, Max Weber ainda depositava algumas esperanças neste novo período, mas não assistirá ao progressivo gorar destas, dado ter falecido em 1920, aos 56 anos. Observando mais de perto o seu pensamento, Max Weber pode-se, basicamente, caracterizar como um racionalista, ou seja, um defensor do primado da Razão sobre as emoções. Isto reflectia-se na forma como ele teorizava acerca das mais variadas áreas, em especial a Economia, a Política e mesmo a Religião, bem como a interacção entre elas.
Durante o século XIX, na vasta área da designada Europa Central, viviam-se tempos de grande conturbação, quer a nível político, quer a nível religioso. Apesar da Contra-Reforma à muito empreendida pelo Vaticano, o Cristianismo católico continuava a conviver de uma forma, muitas vezes longe ser pacífica, com as várias correntes do Protestantismo. Aliás, o domínio do Catolicismo só conseguiu permanecer algo incólume nos países do Sul da Europa, mediante campanhas fortemente repressivas empreendidas pela Santa Sé e seguidas, com fervor, pelos respectivos monarcas.
Pelo contrário, nas regiões mais a Norte, o Protestantismo vinha há muito ganhando cada vez maior expressão, apesar de continuar a haver muitas comunidades dispersas onde o Catolicismo se mantinha firme de pedra e cal. Dentro do Protestantismo, as vertentes mais importantes, nessa vasta região que abrangia a Europa Central e do Norte, eram o Luteranismo e o Calvinismo. O Anglicanismo tinha, sobretudo, expressão nos países anglo-saxónicos.
Desta forma o território alemão surgia como um perfeito ponto de confluência de várias correntes religiosas algo antagónicas entre si, mas que haviam, gradualmente, aprendido a coexistir dentro de fronteiras comuns. Isto, sem dúvida, terá tido um impacto tremendo quer na educação, quer na formação do pensamento de Max Weber e seus irmãos. Basta referir, de passagem, que o lado materno da sua família era calvinista moderado.
Max Weber encontrava no Protestantismo e na forma como os fiéis cumpriam os seus preceitos, muito dos condicionalismos básicos que explicavam o progresso económico do mundo ocidental, em especial, nas nações do Norte e Centro da Europa. Para além disso ele salientava um visível contraste entre estas regiões e o Sul da Europa onde o Catolicismo dominava e permanecia mais enraizado. Nestas últimas, o desenvolvimento económico fora bastante mais lento e a sua economia de mercado permanecia num nível aquém das zonas onde o Protestantismo exercia maior influência. Aliás, Max Weber estudou com profundidade as principais religiões do Mundo e suas vertentes diversas, tendo encontrado um notório paralelismo entre os seus preceitos fundamentais e as praticas económicas dos povos que as praticavam.
Nas comunidades protestantes, havia uma enorme valorização do trabalho em detrimento de tudo o que dele distraísse, como por exemplo, as emoções, e a acumulação de riqueza era vista como uma bênção de Deus e uma recompensa lógica da dedicação à actividade laboral. Nos países e comunidades católicos, pelo contrário, a acumulação de riqueza era vista como algo pecaminoso.
Desta forma, segundo o pensamento protestante, era aceitável e até incentivada a produção de cada vez mais riqueza. No entanto, a vida quotidiana dos indivíduos, em especial nas comunidades mais puritanas, dever-se-ia pautar pela sobriedade, contenção e modéstia, extensíveis à moral e aos costumes, evitando se possível a ostentação de eventuais sinais exteriores de riqueza e, claro está, o seu esbanjamento. Ainda nesta perspectiva, toda a riqueza produzida deveria servir para investir na obtenção de mais riqueza, em menor tempo, com maior eficiência e numa área geográfica progressivamente mais vasta.
O conceito da “acção” tinha, para Weber uma importância primordial e era o que permitia melhor caracterizar o comportamento do Homem enquanto ser social, desta forma Weber estabeleceu quatro tipos fundamentais de acção: a acção racional com vista ao atingir de objectivos ou cumprimento de metas; a acção racional com vista a respeitar e manter a fidelidade a determinados valores considerados pelo sujeito e seus pares como elevados; a acção afectiva, motivada pelas emoções e impulsos individuais desencadeados por estímulos externos e, por fim, a acção tradicional, em que o indivíduo vai ao encontro das tradições e costumes que vigoram, num determinado período na comunidade em que se insere.
Para Weber, os dois últimos tipos de acção são primitivos e, apesar da sua importância na coesão das comunidades e na interacção dos indivíduos que as constituem, podem, por vezes, ter um efeito limitativo relativamente às outros dois primeiros tipos de acção, que representavam um grau de racionalidade mais elevado. Estes dois tipos de “acção” iam melhor ao encontro do modelo de homem social que se subentendia como o idealizado na doutrina de Max Weber: um ser racional, determinado a atingir os seus fins com recurso aos meios que melhor os permitam atingir e, se possível, impermeável às emoções e a problemas de consciência, que pudessem reduzir a sua capacidade de decisão, que devia ser rápida e eficiente. Aliás, segundo Weber, os homens escolhidos para estar à frente dos destinos de uma nação, ou seja, no Poder ou como representantes de um Estado, deveriam ter estas características básicas.
O Estado deveria ser, para Max Weber, uma entidade que teria, exclusivamente, o poder legítimo de exercer a força, quando necessário, sobre aqueles que por si seriam representados. Tratava-se desta forma de um poder legal, sufragado por aqueles que se reviam nele, contrariamente aos outros tipos de poder: o tradicional e o carismático. O Estado era também o poder exercido por um ou mais homens sobre outros homens. Neste ponto opunha-se a Karl Marx, que via a evolução da sociedade como uma sucessão de luta de classes. Para além disto e contrariamente a outros teóricos como Marx e Durkheim, a Ciência poderia deveria servir quer para explicar os fenómenos sociais, mas a Sociedade e os homens que a constituíam não deveriam ser orientados pela Ciência. Por outro lado a Ciência encontrava-se em permanente devir e não era finita, isto porque se a Ciência é conhecimento, este não pararia de crescer. Ainda inserido neste campo, um cientista deveria ser absolutamente imparcial, ou seja, deixar as suas opiniões pessoais de lado e exercer o seu ofício cingido aos preceitos fundamentais da Ciência.

domingo, julho 04, 2010

Reflexões sobre os museus no Século XXI

Tomando como ponto de partida a leitura do livro “Mythologie du musée” da autoria de Bernard Deloche, vale a pena reflectir um pouco sob esta temática, nunca esgotável, da importância dos museus neste começo de 3º milénio.
Ainda que muitos dos exemplos concretos, referidos pelo autor pareçam remeter, com alguma insistência, para a realidade francesa, estas reflexões não deixam de ser paradigmáticas para o Mundo inteiro.
A noção de museu alterou-se quase por completo nos últimos 50 anos. Para isto muito contribuiu o aparecimento de novos tipos de museu, por vezes constituídos em espaços abertos e sem qualquer carácter artístico. Perante esta realidade, fica-se com a clara sensação de que quase tudo é plausível de ser musealizado.

Mas a situação mais notória, em consequência da quase proliferação de museus, inclusive seguindo modelos pioneiros, antes impensáveis mesmo para uma instituição de “alta-cultura”, foi o surgir de um certo clima de concorrência entre estes. Trata-se de uma situação outrora inédita para instituições deste género, sobretudo quando a realidade era haver, dentro de uma grande área, especialmente urbana, apenas um museu. Nesse tempo era o “grande museu” que dominava. Este era um sítio especial, quase como que rodeado de uma aura de impenetrabilidade, devido à raridade e valor dos bens que aí eram guardados. Um lugar de cultura de alto nível, que atraía uns e quase intimidava outros, cuja visita era sempre algo de muito especial e imbuído de uma certa solenidade.

Bastava ser simplesmente museu, para ser um centro das atenções da comunidade que o rodeava mas que, face a esta, adoptava uma restritiva política de prudência quanto a dar a conhecer o que no seu interior se encontrava.
No entanto, o progressivo aumento do número de museus criados, associada a uma maior democratização da cultura, obrigou a que se fizesse uma mudança de atitude política dentro destas instituições. Houve que abrir um pouco mais as portas, face a uma realidade em constante mutação.

O museu libertou-se da imagem de “lugar das musas”, para se transformar cada vez mais num lugar público ao serviço de uma cultura que a todos deve chegar. Por outro lado, o problema da concorrência entre os museus tem vindo a colocar estas instituições perante toda uma série de desafios quase diários. A lógica do mercado, acabou por também chegar aos museus. Para serem alvo de procura, neste caso visitados, deverão ter um produto a oferecer. O produto, neste caso, vem sob a forma dos serviços que eles prestam não só aos visitantes que entram nesses espaços, como também à comunidade envolvente.

Sendo um espaço vocacionado para expor e divulgar objectos e valores representativos da múltipla capacidade criativa do ser humano, é a sua faceta exterior o que se julga ser o mais representativo da sua qualidade e onde o museu é elogiado ou criticado. O que o visitante retém de um museu é se a sua arquitectura é mais ou menos adequada às colecções que aí estão albergadas, a pertinência e a informação acerca destas e o melhor ou pior acesso aos seus espaços de exposição, bem como a maior ou menor comodidade sentida ao circular nestes. É, desta forma, a sua faceta menos humana e mais material a ser mais directamente apreendida pelos visitantes e a ser alvo dos juízos de valor destes.
A partir do momento em que o museu abre as suas portas ao público, inicia-se um novo e mais importante período da sua existência. A instituição poderá finalmente ser sujeita a uma avaliação mais concreta do trabalho realizado até então. O teste dos visitantes é decisivo e implacável.

A situação actual, em que se promove cada vez mais o intercâmbio entre museus, nomeadamente através da constituição das redes de museus nacionais, permite que haja uma saudável permuta de informações úteis para qualquer uma das partes. Poderá ser esta, talvez, uma forma de cada museu, através da troca de experiências e ideias, conseguir não se deixar decair em termos de qualidade dos seus serviços.
É natural que isto obrigue a que se utilize, prudentemente, a palavra “concorrência”, no que respeita aos museus. Inserido numa relação de interdependência relativamente aos outros museus, cada museu correrá menos riscos em ficar verdadeiramente para trás.

Logo de início, existem dois elementos fundamentais a tomar em conta: os museus enquanto instituição e a sociedade onde eles se inserem. Os meios de comunicação são o vector, por excelência, de ligação entre estas duas partes, que não devem estar de costas voltadas.
Apesar de, à primeira vista, o museu ter sido, durante um longo período de tempo, encarado como um mundo à parte, dotado de regras próprias, fechado às constantes e inevitáveis transformações da sociedade circundante e selecto no que respeita às pessoas que habitualmente o frequentavam.

Nos tempos actuais, os meios de comunicação surgem como a forma mais directa de alterar este quadro, ao tentar despertar, na sociedade, um interesse cada vez mais generalizado pelos museus. Aqui procurar-se-á fazer com que um número satisfatório de pessoas veja os museus, sobretudo aqueles que lhes estão geográfica ou nacionalmente mais próximos, como um bem necessário, se não para seu deleite pessoal, sobretudo para o seu enriquecimento cultural.

Aqui é fundamental adoptar-se todo um conjunto de estratégias de “marketing” bastante complexas, dado que o que se pretende oferecer não é um produto segundo a acepção mais comum do termo, mas antes um serviço prestado por todo um conjunto de pessoas que se espera que sejam no mínimo devidamente qualificadas, credenciadas e competentes.
No entanto, muitos dos objectivos de qualquer estratégia de “marketing”, por mais bem conduzida e estruturada que seja, poderão sair em grande parte gorados, se o seu “objecto” não for ele próprio dotado de características aliciantes. Por outras palavras, os museus terão eles próprios que evoluir, sem que se pervertam os seus objectivos iniciais, caso contrário arrisca-se a defraudar os seus visitantes. No entanto, se tomarmos em conta os museus mais antigos, é certo que dificilmente conseguirão superar todo um conjunto de limitações do passado, sem correrem o risco de sofrer, é certo, alguma desvirtuação.

Originalmente instituições de perfil urbano e fortemente centralizador, os museus não eram vistos como locais de visita prioritária pelos cidadãos comuns. Dado que havia uma forte primazia dada às obras de carácter artístico ou de grande valor histórico, geralmente eram visitados com maior regularidade por pessoas com uma formação cultural acima da média. Geralmente este público restrito era essencialmente constituído por investigadores, estudiosos da Arte e/ou da História, coleccionadores e todos aqueles que, pela sua profissão, exigências académicas, ou mera curiosidade pessoal, pretendessem aprofundar os seus conhecimentos ou contemplar as chamadas “coisas belas”. Quando se tratava de um museu de grande nomeada e internacionalmente conhecido, o grosso das suas visitas era de proveniência turística.
A visita a um museu foi, durante muito tempo, vista como algo especial, rodeado de uma certa solenidade, por vezes intimidatória. Os próprios museus assumiam-se como armazéns de colecções de valor patrimonial e artístico inestimável que importava preservar a todo o custo do manuseamento alheio e em relação aos quais havia um extremo receio no que respeita ao seu eventual extravio ou roubo.

Não será raro, ainda hoje, encontrarem-se cidadãos, muitos deles de um nível cultural bastante satisfatório, que confessem ter visitado certo museu, apenas uma vez na vida, mesmo se tratando de uma instituição sita na respectiva localidade. Essa única e, por vezes, longínqua vez, pode muito bem ter ocorrido numa visita de estudo escolar, feita num tempo distante do qual já não se guarda uma grande recordação. Poder-se-á mesmo encontrar quem afirme nunca ter visitado o principal museu da sua localidade ou mesmo, que desconheça qual é a sua localização precisa no mapa urbano.

As pessoas tendem a secundarizar ou mesmo ignorar tudo o que não lhes pareça particularmente apelativo, ainda que na verdade se trate de algo dotado do maior interesse. Não adianta um museu albergar as mais valiosas colecções do mundo, se a imagem que dele é transmitida para o exterior não tiver nada de aliciante para o cidadão comum.

Os museus têm-se visto votados a uma quase paradigmática estagnação em face de uma sociedade cada vez mais dinâmica e exigente. Felizmente, existe desde há muito, uma necessidade de acabar ou pelo menos de atenuar este divórcio que anacroniza os museus e empobrece do ponto de vista cultural a sociedade que os cria e acolhe.

Sem dúvida, que nesta progressiva mudança de atitudes no campo da museologia, tiveram um papel fundamental o aparecimento de novos tipos de museu e a um alargamento do próprio sentido da palavra “museu”, abrangendo espaços e elementos que durante muito tempo haviam sido menosprezados e votados ao abandono. Mesmo objectos que nada têm a ver com o mundo artístico, nem com os grandes acontecimentos da História e que, do ponto de vista cronológico, não são de períodos assim tão remotos, passaram a ser considerados parte integrante de muitas colecções e até a ser considerados património de grande importância. Mesmo temáticas inicialmente alheias aos espaços museológicos, são hoje a razão de existir de muitas instituições dentro deste campo. Logo à partida, isto provoca o aparecimento de todo um conjunto de novos potenciais visitantes interessados em áreas tão díspares, desde a música ao artesanato, passando pelas ciências e pelo desporto.

Daqui se conclui o papel fundamental que as instituições museológicas acabarão por ter, e deverão ter, no seio de toda esta realidade contemporânea em permanente mutação e onde a memória parece, às vezes, perder a sua devida importância.

Por um lado, é essencial que os museus se venham dinamizando gradualmente e adoptando um esquema de funcionamento mais aberto e flexível, o que lhes vai garantir o estatuto devido de espaços de cultura permanentemente actualizados e com grande destaque, ainda que preservando o essencial da sua função de guardiões da memória colectiva. Por outro lado, isto permite às sociedades compreenderem-se melhor a elas próprias e evoluir de uma maneira equilibrada, plenamente conscientes do seu passado, em direcção a um futuro que se pretende feito de pluralismo cultural e progressivamente mais bem planeado. Ao mesmo tempo, permite a cada nação ter plena consciência da sua identidade, sem cair em nacionalismos exageradamente isolacionistas, sem igualmente esquecer as diversas identidades culturais das várias comunidades que as constituem. Quer se tratando das várias histórias locais, quer se tratando dos diferentes grupos étnicos que nelas residem e porque não, das diversas facções ideológicas e religiosas que deverão coexistir de uma forma democrática, vencendo aos poucos as barreiras que as separam.