sábado, julho 17, 2021

O mellotron

Este instrumento musical é um dos principais antepassados dos sintetizadores polifónicos, que tanto entusiasmo têm causado a gerações diferentes ao longo do último meio século. Mesmo a moda dos samplers fica a dever a estas autênticas maravilhas tecnológicas. Apesar do seu aspeto exterior o inserir na vasta e muito antiga família dos teclados, o mellotron era o começo de uma nova linhagem de instrumentos musicais. Tal como o órgão eletrónico, o mellotron é uma das muitas criações da era da eletricidade iniciada na segunda metade do século XIX. No entanto, as premissas deste diferiam muito das do primeiro. 
A centenária família dos órgãos eletrónicos, permitiu criar uma opção mais portátil relativamente aos gigantescos e inamovíveis órgãos de tubos metálicos, muitas vezes confinados a um edifício exclusivo. Apesar de tudo o seu som possuía um timbre muito peculiar que o distinguia dos seus companheiros clássicos, o que, por si só, constituiu uma inovação no campo dos sons musicais e da própria música, tanto popular como clássica. 
Pelo contrário, o mellotron fora concebido para reproduzir, com a maior fidelidade possível, o som de instrumentos musicais convencionais, quer individualmente, quer agrupados. Com um simples mellotron, desde que se soubesse manusear com destreza, poder-se-ia reproduzir o som de uma banda a tocar música instrumental. Mesmo assim, qualquer ouvido experimentado conseguiria detetar múltiplas diferenças. 
Este instrumento, visto de longe, assemelhava-se a um cruzamento entre um órgão eletrónico e um piano vertical. No entanto, observando-se mais de perto, as suas peculiaridades saltavam à vista. Os primeiros modelos de mellotron, lançados no começo da década de 1960, possuíam um teclado dividido em duas partes. A da esquerda era essencialmente destinada aos acompanhamentos, ritmos e sequências musicais pré-gravadas. A parte à direita, estava reservada para a reprodução do som de um instrumento isolado, de entre mais de uma dezena à escolha.

Era acima de tudo um instrumento ao mesmo tempo prodigioso e muito pouco usual para a época em que começou a se popularizar. Combinava as características dos órgãos eletrónicos com a dos leitores/gravadores de fita magnética.

Isto porque cada tecla tinha oculta por baixo uma cabeça de leitura, por onde deslizava uma larga fita magnética contendo sons pré-gravados em pistas diferentes, cada vez que era pressionada.

Era quase como se existisse uma bobine independente para cada tecla. Possuía também uma consola de botões que, de certa forma, preconizava as existentes nos futuros sintetizadores.

O botão mais inovador era o do pitch control, o qual permitia alterar a velocidade com que as fitas deslizavam pelas cabeças de leitura, produzindo um efeito comparável ao "glissando" já muito conhecido dos instrumentos de corda, como as guitarras "slide" e os violinos. A sua característica de instrumento inovador e a capacidade de reproduzir o som de outros, mesmo com alguma distorção, tornaram o mellotron alvo da atenção de muitos músicos, em especial provenientes das bandas que então surgiam. Numa gravação de estúdio, era possível conseguir-se reproduzir um acompanhamento musical, sem ser preciso recorrer aos serviços de músicos e orquestras convidados. 

De qualquer forma, este instrumento trazia consigo algumas desvantagens de assinalar, em especial no que se refere às suas primeiras versões. O mellotron era um instrumento tanto difícil de transportar como de complicada manutenção. Por um lado, o seu peso não andava muito longe do de um piano das mesmas dimensões. Isto devia-se tanto à sua estrutura externa de madeira maciça, como à complexa maquinaria existente no seu interior. Por outro, a sua fragilidade interna contradizia a sua aparente solidez.

Mesmo quando era deslocado de um sítio para o outro, o mellotron corria sérios riscos de ter os seus componentes desalinhados, nomeadamente no que respeita ao seu sistema de fitas magnéticas. Para além disto, a complexidade do “organismo” do mellotron e a minúcia e precisão exigidas no seu fabrico, o facto de ser muito propenso a avarias, associadas ao elemento da novidade, tornavam este instrumento muito caro.

Foi na sequência disto que, na segunda metade dos anos 60, se começaram a lançar versões mais portáteis e, desta forma, menos complexas. Os exemplares mais conhecidos, apesar de manterem os elementos básicos, tinham apenas uma sequência de teclas e uma escolha mais limitada de opções instrumentais. No entanto, graças a uma maior possibilidade de desmontagem dos seus componentes com menos riscos, era possível trocar as redes de fitas para assim se reproduzir diferentes instrumentos. Diversos grupos de rock e pop utilizaram o mellotron em diversos temas do seu repertório, por vezes tornando-o no elemento central de uma canção. 

Em paralelo com esta nova linhagem de mellotrons, houve um progressivo aperfeiçoamento dos novos elementos da família dos teclados eletrónicos, onde surgiriam os novos sintetizadores. No entanto, o som destes era, então, puramente eletrónico e auto-associado, o que foi mantendo mais ou menos intacto o nicho de interesse do mellotron, apesar de o som algo “futurista” daqueles estar a conquistar um número crescente de adeptos.

O reinado do mellotron começaria a decair no final dos anos 70, quando surgiram novas séries de sintetizadores polifónicos, associados a meios informáticos e digitais, que conseguiam reproduzir, com cada vez maior fidelidade sonoridades próximas de diversos instrumentos convencionais. Estes sintetizadores ocupavam muito menor espaço físico, tinham maior portabilidade, eram mais fáceis de consertar e, igualmente mais baratos. Por outro lado, eram facilmente reprogramáveis e armazenavam nas suas memórias virtuais um número cada vez maior de sons de diversa natureza, que podiam ser reproduzidos em simultâneo ou mudados em poucos segundos. 

Desde então, o mellotron começou a tornar-se num instrumento musical arcaico, alvo do interesse dos colecionadores e, de quando em quando, reabilitado por músicos mais puristas.

A seguir, alguns exemplos de canções onde o mellotron ocupava um lugar de destaque...

The Kinks - "Phenomenal Cat" (1968). O som de "flautas".

The Ministry of Sound - "In The Sky..." (1968). Em modo de "banda de fanfarra".

The Moody Blues - "Watching And Waiting" (1969). O som de "orquestra".

Manfred Mann - "Ha Ha Said The Clown" (1967). O som de "flautas" e de "banda de fanfarra". Neste vídeo, vemos o vocalista de então, Mike D'Abo, ladeado (à esquerda) pelo baixista Klaus Voormann (o tal desenhador de capas de disco e amigo dos Beatles, que eles conheceram em Hamburgo) e (à direita) pelo guitarrista Tom McGuinness. Em cima, estão o baterista Mike Hugg e o teclista Manfred Mann.

Tintern Abbey - "Beeside"(1967). O mellotron como instrumento de base da melodia dominante.

Traffic (Stevie Winwood, Dave Mason, Chris Wood e Jim Capaldi) - Hole In My Shoe (1967).

Traffic (Stevie Winwood, Dave Mason, Chris Wood e Jim Capaldi) - House For Everyone (1967).

The Zombies - "Care Of Cell 44" (1967-1968). Tema de abertura do seu essencial e obrigatório álbum "Odessey And Oracle". Colin Blunstone é o vocalista principal. Rod Argent (teclados, incl. mellotron com "som de orquestra") e Chris White (baixo elétrico e viola acústica) fazem as 2ªs vozes.

The Zombies - "Hung Up On A Dream" (1967-1968). Tema central do seu essencial e obrigatório álbum "Odessey And Oracle". Foi também o seu último, gravado em finais de 1967 e lançado, na Primavera de 1968, quando os seus elementos, com destaque para Colin Blunstone (voz principal) e Rod Argent (teclados e 2ª voz), julgavam que estavam "acabados" enquanto grupo de sucesso. Colocaram neste disco tudo o que lhes restava... E quando o disco foi lançado, e foi, gradualmente, bem recebido pela crítica musical, já o processo de dissolução estava em curso. Era tarde demais para deter o que, então, parecia inevitável... 
Foi deste álbum que se retirou um último êxito em 1969, "Time Of The Season", quando os Zombies já estavam, definitivamente, "mortos e enterrados"... Nem assim eles se voltaram a reunir, pois já estavam em pleno embrenhados nos seus projetos de vida de então.

The Zombies - "Changes" (1967-1968). Tema incluído no seu essencial e obrigatório álbum "Odessey And Oracle". Neste tema, excecionalmente, todos os elementos da banda participam nos coros: Colin Blunstone (voz principal e percussão), Rod Argent (teclados e 2ª voz), Chris White (baixo elétrico, 2ª voz e viola acústica), Paul Atkinson (guitarras) e Hugh Grundy (bateria e percussão). (Hugh Grundy:) "Foi o único tema em que eu e o Paul (Atkinson) demos largas às nossas, eventuais, capacidades vocais!...". O tema começa com um "efeito vocal", que cria no ouvinte a ilusão de que se estavam a tocar flautas reais com um "som etéreo" e "de grande dimensão". Na verdade, o referido "som de flautas" provém completamente do mellotron...

Sagittarius (Curt Boettcher na voz principal e outros) - "Musty Dusty". (gravação inédita de 1966 do grupo anterior, Ballroom, depois lançada em 1968, no álbum "Present Tense"). 

Manfred Mann - "The Mighty Quinn" (1968). A voz principal estava a cargo de Mike D'Abo. O som de apenas uma flauta, combinado com o "som de flautas" proveniente de mellotron, produz a ilusão de ser um grande conjunto de flautas a sério a tocar em uníssono. O tema da canção, aliás, é puro surrealismo e nonsense... Havia muitas outras canções do mesmo género, por aquela altura. É um estilo a que também era dado o nome de "good time music". Não existia nenhuma mensagem, apenas mais um momento boa disposição!

Eric Burdon & The (New) Animals - "Just The Thought" (1967-1968). Tema proveniente do 2º álbum deste grupo "The Twain Shall Meet" (1967-1968), gravado no final de 1967 e lançado em Maio de 1968. Nesta canção não é Eric Burdon quem faz a voz principal, mas sim Danny McCulloch, o baixista dos (New) Animals de então. Eric Burdon, na voz secundária, vai recitando versos. Um dos temas mais estranhos e esotéricos lançados naquele tempo. 

The Fruit Machine - "The Wall" (1968).

The Moody Blues - "The Morning - Another Morning" (1967)Tema incluído no fantástico e essencial álbum "Days Of Future Passed" (1967).

The Moody Blues - "Lunch Break - Peak Hour" (1967). Tema incluído no fantástico e essencial álbum "Days Of Future Passed" (1967).

The Moody Blues - "Tuesday Afternoon" ou "Forever Afternoon (Tuesday?)"+ "Evening (Time To Get Away)" (1967). Sequência musical incluída no fantástico e essencial álbum "Days Of Future Passed" (1967).

The Moody Blues - "Evening - The Sunset/Twilight Time" (1967)Sequência musical incluída no fantástico e essencial álbum "Days Of Future Passed" (1967).

The Moody Blues - "Nights In White Satin" (1967). Tema incluído no fantástico e essencial álbum "Days Of Future Passed" (1967).

Manfred Mann feat. Mike D'Abo- "Brown & Porter's" (tema inédito gravado entre 1966 e 1968).

The Move - "Blackberry Way" (1968). Este tema foi o único nº1 deste grupo.

The Nice - "Diamond Hard Blue Apples Of The Moon" (1968) (incl. Keith Emerson (Emerson, Lake & Palmer) nos teclados, Lee Jackson na voz principal e no baixo elétrico, David O'List na 2ª voz e nas guitarras e Brian Davidson na bateria e percussões). 

The Moody Blues - "Legend Of A Mind" (1968).

Episode Six - Wide Smiles (1968). Esta banda integrava elementos que, mais tarde, foram ingressar nos Deep Purple: Ian Gillan na voz principal e Roger Glover na 2ª voz e no baixo elétrico. Com eles, os Deep Purple entraram na sua fase mais conhecida e de maior sucesso. De referir que foi precisamente com estes novos elementos que os Deep Purple gravariam o seu álbum mais importante, "Deep Purple In Rock", em 1970. Seriam também com Ian Gillan na voz e Roger Glover no baixo, que os Deep Purple lançariam alguns dos mais importantes clássicos do Rock, tais como "Black Night", "Highway Star", "Fireball", "Strange Kind Of Woman", "Smoke On The Water", "Space Truckin", "Lazy" e "Woman From Tokyo".

Jason Crest - "A Place In The Sun" (1969). 


The Cuff Links - "Tracy" (1969). As partes vocais deste tema estavam todas a cargo de um único cantor, que respondia pelo nome de Ron Dante que, provavelmente, também participava neste vídeo de promoção desta (suposta) banda, onde aparecia também, no papel de "jogador de golfe" um ator de comédia e entertainer inglês, que teve alguma fama naquele tempo. De referir que este mesmo Ron Dante, fazia quase todas as vozes de um outro "supergrupo virtual" denominado "The Archies", representado por bonecos de desenho animado, claramente inspirado em diversas formações musicais reais daquele tempo (três rapazes, duas raparigas, uma loura esguia, a outra morena e roliça, e um cão felpudo de estimação) e que fazia grande sucesso internacional naquele tempo, com êxitos muito fáceis de compor como "Sugar Sugar", "Jingle Jangle", "Bang Shang-A-Lang", "Sunshine", "Boys And Girls", "Hide And Seek", "Ride, Ride, Ride", "Don't Touch My Guitar", "Inside Out - Upside Down", "Hot Dog", "Señorita Rita", "Whoopee Tie Ai A", "Bicycles, Rollerskates and You", "La Dee Doo Down Down" e "Waldo P. Emerson Jones" (e etc.!!!). Um dos (muitos) descendentes daqueles Archies era, decerto, aquela banda holandesa chamada Cartoons e que teve um rápido, mas muito breve, sucesso internacional, na segunda metade dos anos 90, com cançonetas muito no estilo daquelas, mas mais "atualizadas", a começar pelos títulos!...

King Crimson - "21st Century Schizoid Man" (including "Mirrors") (1969) (incl. Robert Fripp nas guitarras ("frippertronics") e nos teclados e Greg Lake (Emerson, Lake & Palmer) na voz principal e no baixo elétrico). Os "King Crimson" foram um dos grupos que mais contribuíram para a "consagração" do mellotron. Foram também representantes de um género musical a que é atribuído o nome de "Progressive Music". Este estilo de música pretendia conseguir "uma aliança perfeita entre o rock e a música clássica". Uns conseguiriam esta "osmose" melhor do que outros... Mas foi tal a proliferação de grupos a tentar "navegar" nestas águas algo arriscadas, sobretudo entre 1968 e 1976, que o género "progressive" acabaria por cansar o público ouvinte e se "esgotar" quase por completo... E vieram então os grupos "punk", com o seu estilo simples e direto, "escavacar" por completo as madeiras ocas e apodrecidas que acabaram por sobrar dessa aparentemente grande estrutura...

King Crimson - "Epitaph" (including "March For No Reason" and "Tomorrow And Tomorrow") (1969). (incl. Robert Fripp nas guitarras ("frippertronics") e Greg Lake (Emerson, Lake & Palmerna voz principal e no baixo elétrico .

David Bowie - "Space Oddity" (1969). A gravação deste vídeo era, contudo, posterior e David Bowie já apresentava um aspeto completamente diferente, quase irreconhecível, do tempo em que havia gravado o tema original.

King Crimson - "The Court Of The Crimson King" (including "The Return Of The Fire Witch" and "The Dance Of The Puppets") (1969) (incl. Robert Fripp nas guitarras ("frippertronics") e nos teclados e Greg Lake (Emerson, Lake & Palmer) na voz principal e no baixo elétrico). 

Sir Ching I - "Hello Everyone" (1970). O nome deve ler-se "searching eye". Quem fazia a voz principal e se ocupava dos teclados era Ken Lewis (Ken Hawker), compositor e músico de estúdio que, juntamente com um certo John Carter (John Shakespeare), formou a dupla Carter-Lewis, a qual havia composto uma quase infinidade de canções (algumas ainda hoje inéditas) para diversos grupos, alguns dos quais eles mesmo integraram, como "Carter-Lewis & The Southerners" (por onde também passaram o famoso guitarrista Jimmy Page e o baterista Viv Prince), "Ivy League" e "Flower Pot Men" (estes mais conhecidos pelo êxito "Let's Go To San Francisco"). A sua "sede" eram os estúdios "Southern Music" e situava-se na mítica rua londrina "Denmark Street". Dois dos muitos grupos e projetos musicais que se formaram nestes estúdios, foram os já atrás mencionados "Ministry Of Sound" e os "The Fruit Machine".

King Crimson - "Cat Food" (1970(incl. Robert Fripp nas guitarras ("frippertronics") e nos teclados e Greg Lake (Emerson, Lake & Palmer) na voz principal e no baixo elétrico).

Wendy Carlos - "Title Music From A Clockwork Orange" (1971). Este tema fez parte do imaginário de muita gente, nos anos 1970...

King Crimson - "Cirkus" (including "Entry Of The Chameleons") (1970) (incl. Robert Fripp nas guitarras ("frippertronics") nos teclados e Gordon Haskell (ex-Les/The Fleur De Lys) na voz principal e no baixo elétrico).

King Crimson - "Lizard" (Prince Rupert Awakes/Bolero - The Peacock's Tale/Battle Of Glass Tears - Dawn Song; Last Skirmish; Prince Rupert's Lament/Big Top) (1970) (incl. Robert Fripp nas guitarras ("frippertronics") e nos teclados e Jon Anderson (Yes) na voz principal). 

Francesca Solleville - "L'Ami D'Un Soir" (1974).

King Crimson - "Starless" (1974) (incl. Robert Fripp nos teclados e nas guitarras ("frippertronics"), John Wetton (ex-Family) na voz principal e no baixo elétrico e Bill Bruford (ex-Yes)na bateria e percussão).

José Cid - "Quadras Populares" (1975).

José Cid - "Mellotron, O Planeta Fantástico" (1978).

Tears For Fears - "Sowing The Seeds Of Love" (1989).

The Jessica Fletchers - "Shoot" (2003).

1 comentário:

Além Do Pedalboard disse...

Através de VSTis é possível alcançar um som próximo do Mellotron:
http://alemdopedalboard.blogspot.com.br/2017/03/vst-plug-in-mellotron.html