Se houve bandas em que o insucesso comercial foi proporcional ao impacto que a sua música causava junto do público que assistia às suas atuações e, sobretudo, ao real talento dos seus membros, um dos melhores exemplos disso foram os MC5.
Esta banda era originária de Detroit, daí o seu nome original "Motor City Five", derivado do facto desta cidade ser, então, um dos maiores centros industriais dos E.U.A., com grande destaque para a indústria automóvel. Quase todos os nativos de Detroit, salvo algumas exceções ou aqueles que partissem para outra localidade, estavam destinados a conseguir empregos direta ou indiretamente ligados à, então, próspera indústria local. Por outras palavras, quase todos vinham de famílias operárias e estavam, por assim dizer, predestinados a trabalhar em fábricas. Esta perspetiva de futuro era algo deprimente e limitativa para Wayne Kramer, que ambicionava por voos mais altos, nomeadamente, enveredando por uma carreira musical.
Já na adolescência, Wayne Kramer era um guitarrista virtuoso e completamente rendido à onda musical então em voga, onde se combinava o rock branco com a multiplicidade de estilos da música negra, desde o jazz ao soul. É nesta condição que ele decide formar uma banda em 1964, começando, desde logo a contactar com potenciais futuros membros. Acaba por encontrar um certo Fred Smith, apreciador também de diversos géneros musicais, a quem acaba por ensinar, literalmente, a tocar guitarra. Ambos desenvolvem um estilo muito próprio, que vão aperfeiçoando nas, então, diferentes bandas em que atuavam.
Tal como muitos jovens músicos de então, a música que tocavam consistia essencialmente em covers de êxitos conhecidos, mas logo começam a incluir, nos seus repertórios estilos de outro género, ao mesmo tempo que despertam para os temas políticos. Chegado o momento de formar uma banda definitiva onde, inicialmente, se incluíam alguns indivíduos com quem eles atuavam nos seus grupos originais, decidem partir em busca de um manager, essencial para conseguirem efetuar espetáculos ao vivo e obter eventuais contratos com outras editoras. É então que vêm a descobrir Rob Tyner, o qual se revelará uma feliz surpresa, a nível de talento e formação cultural, para além de já estar politicamente empenhado com ideologias de esquerda, que haviam obtido grande adesão numa localidade essencialmente operária, como era Detroit. O seu estilo peculiar, faz com que seja escolhido para o vocalista dos Motor City Five.
Por volta de 1965, está formado o núcleo central da banda, que ainda contava com mais dois indivíduos no baixo e na bateria, os quais, a partir do momento em que Kramer, Tyner e Smith começam a endurecer o seu som, criando um estilo muito próprio, decidem abandonar o grupo entretanto formado. Logo de seguida, o trio central decide procurar substitutos para a secção rítmica, que encontrará com Mike Davis e Dennis Thompson, no baixo e na bateria, respetivamente. Por iniciativa de Rob Tyner, um cantor e performer com uma noção muito precisa de espetáculo, o nome da banda será definitivamente abreviado para "MC5" e os seus membros passarão a incluir apelidos artísticos, nomeadamente Fred "Sonic" Smith.
A maior parte da história desta banda, foi feita de concertos absolutamente ousados, para não dizer extremistas para a época. As suas atuações começam a ter cada vez mais público, chegando a ensombrar outros grupos que, não raras vezes, atuariam nas mesmas ocasiões, para além de ser frequente a presença de forças policiais, devido ao cenário de quase rebelião em que os espetáculos terminavam.
O ano de 1968 representou a verdadeira consagração dos MC5, bem como o seu reconhecimento por parte de uma editora discográfica. O seu público ouvinte crescia a olhos vistos nas localidades por onde passavam, para além de terem um som e um estilo de atuar, completamente diferentes dos outros grupos musicais que dominavam a cena de então. Para uma editora apostada em investir em novos talentos, eram mais do que razões suficientes para entrar em contacto com eles e estabelecer um contrato.
MC5 - "Ramblin' Rose" (1968). O primeiro tema do espetáculo, antecedido pela famosa "apresentação", considerada, na altura, "muito violenta" e "incentivadora ao motim e à desordem", mas que hoje é apenas uma das melhores aberturas de espetáculos ao vivo. Repare-se como a música parece "emergir" do próprio discurso... Um momento irrepetível e inesquecível!
MC5 - "Kick Out The Jams" (1968). O tema-título do espetáculo, iniciado com a famosa "frase" que foi considerada, naquele tempo "ofensiva"!!!... Ainda hoje há alguém que acredite nisso?!? É uma completa banalidade...
Logo no começo de 1969, o disco é lançado com grande espectativa, tanto por parte da banda, como por parte dos seus cada vez mais numerosos fãs. Tinha tudo para ser um êxito estrondoso, não fosse a oposição quer por parte de diversos comerciantes, quer estações de rádio, sem falar nas autoridades oficiais, que o consideravam demasiado obsceno, a juntar à fama de grupo musical politicamente empenhado e de tendências claramente esquerdistas, o que, para muitos americanos, era quase sinónimo de "comunismo".
Como consequência do autêntico boicote a que foi sujeito esse primeiro álbum, a editora que os tinha contratado, sentindo o prejuízo mais que evidente, decide dispensá-los. Sob a direcção de outro produtor, conseguem um contrato com a Atlantic, para a qual gravam dois álbuns contendo exclusivamente material de estúdio: Back In The Usa em 1970 e High Time em 1971.
Em ambos o grupo surge mais disciplinado, mas irreconhecível relativamente à sua imagem de banda rebelde atuando em concertos tumultuosos.
MC5 - "High School" (1970). Os MC5 numa versão mais "soft". Um tema de bom rock...
MC5 - "Let Me Try" (1970). A única "balada" deste disco. Rob Tyner no seu melhor.
MC5 - "Shakin' Street" (1970). A rara oportunidade que se tem de ouvir Fred "Sonic" Smith cantar a solo.
Apesar de tudo, o primeiro é considerado um dos melhores álbuns de rock de sempre e, ainda hoje, uma referência para muitos artistas em todo o mundo. O segundo, apesar de mais eclético e de ser considerado o melhor pelos elementos da banda, foi já recebido com maior indiferença pelo público. É preciso não esquecer que ambos, à data, não tiveram êxito comercial. Em consequência destes fracassos seguidos, a editora Atlantic decide também dispensar os MC5.
Após ano e meio de atuações ao vivo cada vez mais esporádicas e menos notórias e sem conseguirem mais nenhum contrato editorial, a banda desaparece no esquecimento.
Após a dissolução do grupo, os seus elementos continuaram, direta ou indiretamente, ligados ao mundo da música, apesar de ser de uma forma errática e inconstante. De qualquer forma, nenhum deles voltaria a reviver o destaque conseguido durante a breve carreira nos MC5. O pouco que deles se ouviria falar durante as décadas seguintes, referia-os como membros ou músicos convidados de bandas de curta duração, quase todas de êxito local e de atividade restrita a atuações ao vivo de pequena dimensão e circunscritas à sua região.
Wayne Kramer, depois de um período difícil na sua vida, nomeadamente devido ao consumo e posse de droga, e após vários anos de afastamento voluntário do mundo da música, regressaria nos anos 90 com uma produção discográfica a solo bastante regular e elogiada pela crítica. Tem também participado em atuações ao vivo e colaborações com outras bandas de rock. Teve um papel central nas reuniões temporárias dos MC5, que foram ocorrendo a partir da década de 1990, com destaque para reunião de 2003 sob o nome de DKT/MC5, sendo uma das mais recentes a formação da banda MC5/MC50 e respetiva digressão, para assinalar o meio século do álbum "Kick Out The Jams".
Rob Tyner tentaria, sem sucesso, fazer reviver os MC5, por mais do que uma vez, mantendo contacto esporádico com outros elementos da sua antiga banda. Produziria aqui e ali algumas bandas de rock e vanguarda da sua área de residência, gravaria, muito espaçadamente alguns álbuns a solo ou inserido em bandas pouco conhecidas, para além de ser um desenhador ocasional, de talento não devidamente reconhecido. Acabaria por morrer repentinamente em Setembro de 1991, quando pretendia dar um novo impulso à sua carreira musical. A sua condição física estava um completo "desastre" para um homem de apenas 46 anos. Hábitos de droga e bebida mantidos durante anos, um temperamento instável e "colérico" e um certo excesso de peso, haviam deixado a sua condição cardíaca similar à de um velho de 90 anos...
Mike Davis, depois de alguns problemas com a justiça, similares aos de Wayne Kramer, retomou a sua atividade de músico baixista em diversas bandas de pouco êxito, produzindo outras, para além de travar uma longa luta contra a dependência de drogas. Executaria, em paralelo, diversos trabalhos na área das artes plásticas, onde investiria ainda na sua formação académica. A partir de 2003 os MC5 reuniram-se à volta dos, então, sobreviventes da formação original, tendo Mike Davis retomado o seu posto de baixista, até ao seu falecimento, em Fevereiro de 2012, aos 68 anos, na sequência de problemas hepáticos.
Fred “Sonic” Smith, participaria, durante a década de 1970 em alguns projetos musicais, onde integravam também outros músicos da sua geração, antes de, progressivamente, se afastar das luzes da ribalta. Casaria, em 1980, com a já muito famosa cantora Patti Smith, passando a dedicar-se quase exclusivamente para a sua família. Colaboraria, esporadicamente, com a sua esposa, e ainda faria algumas e muito raras participações ao vivo, antes de morrer imprevista, repentina e prematuramente em Novembro de 1994, com apenas 46 anos de idade, quando apresentava uma condição física completamente diferente da do ex-vocalista Rob Tyner, que apresentava sérios fatores de risco. Fred "Sonic" Smith fazia precisamente parte daqueles "privilegiados" que, aparentemente, apresentam fatores de risco de ataque cardíaco e AVC quase "a zero". Claro: "quase a zero" não é sinónimo de "zero total"... Isso não existe.... Em sua homenagem, a viúva Patti Smith lançaria, em 1996, o muito doloroso álbum "Gone Again".
Dennis Thompson, à maneira de muitos outros músicos, participaria, de tempos a tempos, ora como membro integrante ora como convidado de diversos grupos de rock, hard rock e punk, mantendo sempre um certo low-profile, apesar de continuar a ser considerado um dos mais versáteis e influentes bateristas da sua geração. Reunir-se-ia ainda, em 2003, com os outros dois, então, sobreviventes da formação original dos MC5, Wayne Kramer e Mike Davis, mantendo-se como membro regular até 2012, aquando da morte deste último.
Ironicamente, poucos anos depois da sua extinção oficial, os MC5, foram considerados uma banda de referência para muitos novos grupos, sobretudo norte-americanos, que surgiriam durante a década de 1970. Ainda mais se fez notar a sua herança quando apareceram os primeiros grupos punk de ambos os lados do Atlântico. Basta referir os exemplos dos Ramones e, sobretudo dos Clash. Mesmo neste século XXI, os MC5 continuam a ser uma referência obrigatória para muitos grupos de rock, senão mesmo um grupo de culto, um pouco à semelhança dos Velvet Underground, que, tal como eles, não tiveram grande sucesso comercial durante os seus anos de atividade. A passagem do tempo nada mais tem feito do que lhes dar toda a razão de terem existido e reforçado a sua posição de grupo musical influente e incontornável na história da música Rock. Novos herdeiros da “revolução” dos MC5, foram continuando a surgir e o futuro, certamente se encarregará de fazer nascer outros.
Inicialmente, a sua discografia oficial, comportava apenas três álbuns. No entanto, foram surgindo desde muito cedo discos “bootleg”, com gravações dos espetáculos ao vivo, de maior ou menor qualidade sonora, que foram peças muito cobiçadas por fãs e colecionadores de discos raros. Mais recentemente, muitas dessas gravações têm surgido “legalizadas” em CD, o que fez com que, atualmente, estas constituam 2/3 da sua obra musical disponível no mercado. Quem quiser ter um bom conhecimento da verdadeira face dos MC5, não se poderá, de maneira nenhuma, limitar aos seus discos de estúdio, pois era ao vivo que estes se encontravam no seu real ambiente.
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