Entre as muitas “vítimas” das demolições da Velha Alta de Coimbra, uma das mais simbólicas e lamentadas pela academia coimbrã, foi a Leitaria Académica, mais conhecida pelo nome do seu fundador e proprietário, Joaquim Inácio, vulgo Joaquim “Pirata”. Figura sempre lembrada pelos estudantes que passaram por Coimbra nas décadas de 1920, 1930, 1940 e mesmo 1950, este Joaquim “Pirata”, tinha o seu estabelecimento bem na desaparecida Rua Larga, a fazer esquina para a Rua de S. João, esta última (ainda?) hoje existente, mas numa versão que nada tem a ver com a original.
A origem da alcunha do seu proprietário, é desconhecida, mas era este o nome por que todos os estudantes lembravam esse homem de figura muito peculiar, sempre envergando um impecável casaco branco.
Este estabelecimento era um espaço algo exíguo, só ocupando duas portas que davam para a Rua Larga, tanto que em dias de festa, os seus frequentadores tinham de ir consumir para a rua, não havendo, para mais, esplanada. Mais frequentemente, era utilizado pelos estudantes quando iam tomar o pequeno-almoço, apressadamente, antes de irem para as aulas. Era precisamente na relação deste Joaquim “Pirata” com os seus clientes, que residia um dos seus aspectos mais peculiares, e que se revelou uma estratégia de negócio algo bem sucedida.
O cliente entrava, consumia, mas não era obrigado a pagar a pronto. No entanto, tinha de deixar o seu nome num de dois ou três grossos livros, sebosos pelo uso, que existiam bem à vista no balcão. Estes livros eram conhecidos pelos “canis”, derivado da expressão “ferrar o cão”, sinónimo de ficar a dever, não pagar a conta. Esta sua atitude aparentemente permissiva conquistou a simpatia da sua clientela, predominantemente estudante, que muito frequentava este espaço. O senhor sabia que, mais cedo ou mais tarde, as dívidas iam ser saldadas, o que quase sempre acontecia. Muitas vezes, o antigo estudante, num rebate de consciência, só lá regressava alguns anos depois do fim da sua licenciatura e, finalmente, o seu nome era riscado. Não raras vezes, esta dívida era motivo de celebrações bem regadas à porta do estabelecimento.
A Leitaria Académica, aberta desde por volta de 1923, tinha como outra característica distintiva um grande azulejo com o símbolo da Associação Académica de Coimbra, colocado entre as suas duas portas de entrada. Terá sido um dos primeiros estabelecimentos de Coimbra a ter esse símbolo, criado pelo então jovem estudante Fernando Pimentel, no ano de 1927. Entretanto, em Maio de 1944, com o inexorável avanço das demolições, iniciadas no ano anterior, para a construção da nova “Cidade Universitária”, o “Pirata” vê-se obrigado a encerrar as portas.
Transferiu-se para a Rua dos Estudos, onde permaneceria até Outubro de 1949, na sequência do desmoronamento do edifício onde se localizava, incidente a que não foram alheias as demolições que decorriam já nas suas imediações. Na sequência disto, é obrigado a nova mudança, desta vez para um prédio situado junto aos Arcos do Jardim, o primeiro à esquerda, que seria demolido em Outubro de 1959. A partir daqui, não mais se soube do paradeiro do espólio que dentro dele existia.
3 comentários:
Uma parte do espólio encontra-se no bar dos antigos estudantes de Coimbra, no Largo da Portagem. A inauguração foi feita connosco presente (família: filho e netos).
Sou neto do Joaquim Inácio “Pirata”. Poderei ter acesso a mais alguma informação? Muito obrigado
Sou do tempo do "Pirata" na Rua largo, nos Arcos do Jardim e na esquina da Av. Manorco e Sousa com a Alameda Dr. Júlio Henrique (aqui já do neto herdeiro)
Na Rua larga ainda era costume epigrafar os nomes dos "caloteiros" nas paredes:
Muitos conheci eu, que, quando iam pagar os calotes, muitas vezes já formados e de visita, pagavam-lhe mos com uma condição
--- Jaquim está aqui o pilim mas com uma condição, nunca apagas o nome da parede!!!!
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