Ainda que muitos dos exemplos concretos, referidos pelo autor pareçam remeter, com alguma insistência, para a realidade francesa, estas reflexões não deixam de ser paradigmáticas para o Mundo inteiro.
Mas a situação mais notória, em consequência da quase proliferação de museus, inclusive seguindo modelos pioneiros, antes impensáveis mesmo para uma instituição de “alta-cultura”, foi o surgir de um certo clima de concorrência entre estes. Trata-se de uma situação outrora inédita para instituições deste género, sobretudo quando a realidade era haver, dentro de uma grande área, especialmente urbana, apenas um museu. Nesse tempo era o “grande museu” que dominava. Este era um sítio especial, quase como que rodeado de uma aura de impenetrabilidade, devido à raridade e valor dos bens que aí eram guardados. Um lugar de cultura de alto nível, que atraía uns e quase intimidava outros, cuja visita era sempre algo de muito especial e imbuído de uma certa solenidade.
Bastava ser simplesmente museu, para ser um centro das atenções da comunidade que o rodeava mas que, face a esta, adoptava uma restritiva política de prudência quanto a dar a conhecer o que no seu interior se encontrava.
No entanto, o progressivo aumento do número de museus criados, associada a uma maior democratização da cultura, obrigou a que se fizesse uma mudança de atitude política dentro destas instituições. Houve que abrir um pouco mais as portas, face a uma realidade em constante mutação.
O museu libertou-se da imagem de “lugar das musas”, para se transformar cada vez mais num lugar público ao serviço de uma cultura que a todos deve chegar. Por outro lado, o problema da concorrência entre os museus tem vindo a colocar estas instituições perante toda uma série de desafios quase diários. A lógica do mercado, acabou por também chegar aos museus. Para serem alvo de procura, neste caso visitados, deverão ter um produto a oferecer. O produto, neste caso, vem sob a forma dos serviços que eles prestam não só aos visitantes que entram nesses espaços, como também à comunidade envolvente.
Sendo um espaço vocacionado para expor e divulgar objectos e valores representativos da múltipla capacidade criativa do ser humano, é a sua faceta exterior o que se julga ser o mais representativo da sua qualidade e onde o museu é elogiado ou criticado. O que o visitante retém de um museu é se a sua arquitectura é mais ou menos adequada às colecções que aí estão albergadas, a pertinência e a informação acerca destas e o melhor ou pior acesso aos seus espaços de exposição, bem como a maior ou menor comodidade sentida ao circular nestes. É, desta forma, a sua faceta menos humana e mais material a ser mais directamente apreendida pelos visitantes e a ser alvo dos juízos de valor destes.
A partir do momento em que o museu abre as suas portas ao público, inicia-se um novo e mais importante período da sua existência. A instituição poderá finalmente ser sujeita a uma avaliação mais concreta do trabalho realizado até então. O teste dos visitantes é decisivo e implacável.
A situação actual, em que se promove cada vez mais o intercâmbio entre museus, nomeadamente através da constituição das redes de museus nacionais, permite que haja uma saudável permuta de informações úteis para qualquer uma das partes. Poderá ser esta, talvez, uma forma de cada museu, através da troca de experiências e ideias, conseguir não se deixar decair em termos de qualidade dos seus serviços.
É natural que isto obrigue a que se utilize, prudentemente, a palavra “concorrência”, no que respeita aos museus. Inserido numa relação de interdependência relativamente aos outros museus, cada museu correrá menos riscos em ficar verdadeiramente para trás.
Logo de início, existem dois elementos fundamentais a tomar em conta: os museus enquanto instituição e a sociedade onde eles se inserem. Os meios de comunicação são o vector, por excelência, de ligação entre estas duas partes, que não devem estar de costas voltadas.
Apesar de, à primeira vista, o museu ter sido, durante um longo período de tempo, encarado como um mundo à parte, dotado de regras próprias, fechado às constantes e inevitáveis transformações da sociedade circundante e selecto no que respeita às pessoas que habitualmente o frequentavam.
Nos tempos actuais, os meios de comunicação surgem como a forma mais directa de alterar este quadro, ao tentar despertar, na sociedade, um interesse cada vez mais generalizado pelos museus. Aqui procurar-se-á fazer com que um número satisfatório de pessoas veja os museus, sobretudo aqueles que lhes estão geográfica ou nacionalmente mais próximos, como um bem necessário, se não para seu deleite pessoal, sobretudo para o seu enriquecimento cultural.
No entanto, muitos dos objectivos de qualquer estratégia de “marketing”, por mais bem conduzida e estruturada que seja, poderão sair em grande parte gorados, se o seu “objecto” não for ele próprio dotado de características aliciantes. Por outras palavras, os museus terão eles próprios que evoluir, sem que se pervertam os seus objectivos iniciais, caso contrário arrisca-se a defraudar os seus visitantes. No entanto, se tomarmos em conta os museus mais antigos, é certo que dificilmente conseguirão superar todo um conjunto de limitações do passado, sem correrem o risco de sofrer, é certo, alguma desvirtuação.
Originalmente instituições de perfil urbano e fortemente centralizador, os museus não eram vistos como locais de visita prioritária pelos cidadãos comuns. Dado que havia uma forte primazia dada às obras de carácter artístico ou de grande valor histórico, geralmente eram visitados com maior regularidade por pessoas com uma formação cultural acima da média. Geralmente este público restrito era essencialmente constituído por investigadores, estudiosos da Arte e/ou da História, coleccionadores e todos aqueles que, pela sua profissão, exigências académicas, ou mera curiosidade pessoal, pretendessem aprofundar os seus conhecimentos ou contemplar as chamadas “coisas belas”. Quando se tratava de um museu de grande nomeada e internacionalmente conhecido, o grosso das suas visitas era de proveniência turística.
A visita a um museu foi, durante muito tempo, vista como algo especial, rodeado de uma certa solenidade, por vezes intimidatória. Os próprios museus assumiam-se como armazéns de colecções de valor patrimonial e artístico inestimável que importava preservar a todo o custo do manuseamento alheio e em relação aos quais havia um extremo receio no que respeita ao seu eventual extravio ou roubo.
Não será raro, ainda hoje, encontrarem-se cidadãos, muitos deles de um nível cultural bastante satisfatório, que confessem ter visitado certo museu, apenas uma vez na vida, mesmo se tratando de uma instituição sita na respectiva localidade. Essa única e, por vezes, longínqua vez, pode muito bem ter ocorrido numa visita de estudo escolar, feita num tempo distante do qual já não se guarda uma grande recordação. Poder-se-á mesmo encontrar quem afirme nunca ter visitado o principal museu da sua localidade ou mesmo, que desconheça qual é a sua localização precisa no mapa urbano.
As pessoas tendem a secundarizar ou mesmo ignorar tudo o que não lhes pareça particularmente apelativo, ainda que na verdade se trate de algo dotado do maior interesse. Não adianta um museu albergar as mais valiosas colecções do mundo, se a imagem que dele é transmitida para o exterior não tiver nada de aliciante para o cidadão comum.
Os museus têm-se visto votados a uma quase paradigmática estagnação em face de uma sociedade cada vez mais dinâmica e exigente. Felizmente, existe desde há muito, uma necessidade de acabar ou pelo menos de atenuar este divórcio que anacroniza os museus e empobrece do ponto de vista cultural a sociedade que os cria e acolhe.
Sem dúvida, que nesta progressiva mudança de atitudes no campo da museologia, tiveram um papel fundamental o aparecimento de novos tipos de museu e a um alargamento do próprio sentido da palavra “museu”, abrangendo espaços e elementos que durante muito tempo haviam sido menosprezados e votados ao abandono. Mesmo objectos que nada têm a ver com o mundo artístico, nem com os grandes acontecimentos da História e que, do ponto de vista cronológico, não são de períodos assim tão remotos, passaram a ser considerados parte integrante de muitas colecções e até a ser considerados património de grande importância. Mesmo temáticas inicialmente alheias aos espaços museológicos, são hoje a razão de existir de muitas instituições dentro deste campo. Logo à partida, isto provoca o aparecimento de todo um conjunto de novos potenciais visitantes interessados em áreas tão díspares, desde a música ao artesanato, passando pelas ciências e pelo desporto.
Daqui se conclui o papel fundamental que as instituições museológicas acabarão por ter, e deverão ter, no seio de toda esta realidade contemporânea em permanente mutação e onde a memória parece, às vezes, perder a sua devida importância.
Por um lado, é essencial que os museus se venham dinamizando gradualmente e adoptando um esquema de funcionamento mais aberto e flexível, o que lhes vai garantir o estatuto devido de espaços de cultura permanentemente actualizados e com grande destaque, ainda que preservando o essencial da sua função de guardiões da memória colectiva. Por outro lado, isto permite às sociedades compreenderem-se melhor a elas próprias e evoluir de uma maneira equilibrada, plenamente conscientes do seu passado, em direcção a um futuro que se pretende feito de pluralismo cultural e progressivamente mais bem planeado. Ao mesmo tempo, permite a cada nação ter plena consciência da sua identidade, sem cair em nacionalismos exageradamente isolacionistas, sem igualmente esquecer as diversas identidades culturais das várias comunidades que as constituem. Quer se tratando das várias histórias locais, quer se tratando dos diferentes grupos étnicos que nelas residem e porque não, das diversas facções ideológicas e religiosas que deverão coexistir de uma forma democrática, vencendo aos poucos as barreiras que as separam.
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