Em termos musicais, este disco corresponde à maturidade deste cantor. Os arranjos são muito mais complexos do que aqueles que haviam sido conseguidos para o álbum anterior. Fausto consegue combinar sonoridades, acordes, frases musicais e mesmo sequências rítmicas, onde vão confluir influências diversas desde a música clássica à música popular portuguesa. É claramente um disco menos pop e menos “urbano” do que o anterior.
No anterior, “Pró Que Der E Vier”, existe a clara intenção de conseguir atrair audiência, de preferência jovem, e de soar “moderno”, tentando, ao mesmo tempo, reclamar uma certa identidade no meio da “torrente” de cantores e grupos portugueses que surgiriam aqui e ali logo posteriormente à Revolução do 25 de Abril. No “Pró Que Der e Vier”, temos um cantor completamente imbuído das influências musicais europeias do final da década de 60/começos de 70, mas tentando, claramente, dar o máximo cunho português, recorrendo mesmo a diversos instrumentos de raiz africana, reforçando a sua posição claramente anti-colonialista em que não se renegam as influências de um continente tão peculiar musicalmente. Este anti-colonialismo surge bastante expresso no tema “Comboio Malandro”, com letra de Viriato da Cruz.
Também, em termos instrumentais, há uma pendência clara pelos instrumentos acústicos, que remete, não só para os tempos difíceis dos cantores portugueses da nova corrente, em que a viola acústica surgia como um instrumento identitário, em contraponto com outros cantores e grupos que buscavam a liberdade noutras vias, menos ideologicamente comprometidas, mas mais “light-hearted” e mais viradas para o divertimento e mesmo paródia, mas de uma inocência vazia e que não levava a lado nenhum. Mesmo assim, o “feeling” ainda é muito “pop”.
Apesar de muitos dos temas do seu segundo disco, “Pró Que Der E Vier” terem diversas letras de autores que não o cantor Fausto, nota-se uma escolha mais ou menos criteriosa. Temos, por exemplo, Alexandre O’ Neil em “Daqui Desta Lisboa”, Daniel Filipe em “A Carta De Paris” e o já referido poeta africano Viriato da Cruz em “O Comboio Malandro”.
As letras da autoria de Fausto Dias, são claramente adaptadas aos tempos que se viviam então, estando decerto muitas delas já há algum tempo na gaveta por força da antes omnipotente Censura. Diziam aquilo que já se pensava há muito tempo e que esperava, desesperadamente, por poder ser dito, para além de ser o assumir pleno do cantor das suas posições políticas, numa postura já mais ousada e menos discreta do que aquele tímido guitarrista que surgia sentado no primeiro grande espectáculo da música de intervenção portuguesa, ocorrido no Coliseu dos Recreios, pouco tempo antes da Revolução dos Cravos. Neste espectáculo, Fausto aparecia ao lado da linha da frente dos grandes cantores contra-corrente de então. As “estrelas” foram, sem dúvida, José Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Logo na primeira canção do “Pró Quer Der E Vier”, “Daqui Desta Lisboa”, Fausto presta-lhes uma justa homenagem, fazendo deles cantores convidados.
Claro que, sem o “Pró Que Der E Vier”, não teria surgido, no ano a seguir, 1975, o “Beco Com Saída”. No primeiro, Fausto construiu o seu “cartão de visita” que lhe permitiu obter, desde logo, uma audiência fiel que lhe daria a confiança necessária para dar um fundamental passo em frente. Neste terceiro, Fausto pôs de parte a envolvência muito “pop”, com algum certo humor, que existia no “Pró Que Der E Vier”, e mergulhou ainda mais no “espírito” do Portugal desse ano conturbado de 1975.
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