sábado, junho 12, 2021

Love e "Forever Changes"



Arthur Lee.

Arthur Lee.

No dia 3 de Agosto de 2006, Arthur Lee faleceu vítima de leucemia, após vários meses de tratamento intensivo, incluindo um transplante de medula óssea e a utilização de uma nova terapia à base de células extraídas de cordão umbilical. A sua morte significou, igualmente, o desaparecimento de uma das lendas vivas da música contemporânea, bem como o encerramento de todo um ciclo musical iniciado na primeira metade dos anos 60. Apesar da sua importância enquanto cantor e compositor ir muito para além disso, a figura e a obra de Arthur Lee está directamente associada a uma das obras-primas musicais de sempre: o álbum “Forever Changes”. Muitos defendem que, só com este álbum, o seu nome ficaria escrito nos anais da música e mesmo da cultura dos últimos cem anos. É actualmente, e quase unanimemente, considerado um dos melhores álbuns de sempre, tendo sido, mais do que uma vez, considerado por revistas da especialidade “o melhor álbum de rock de sempre”.
Claro que a história não foi sempre assim. “Forever Changes” era o terceiro disco oficial dos “Love”, uma banda (que se poderia caracterizar como sendo) de rock, constituída e liderada pela figura de Arthur Lee em 1965.Love em 1965 - 1966.

Johnny Echols, Don Conka (?), Arthur Lee e John Fleckenstein (?) no tempo dos "Grass Roots".

Esta banda era a continuação de uma outra, “The Grass Roots”, constituída mais ou menos um ano antes, mas cujo nome teve de ser alterado para “Love”, devido ao facto de, entretanto, ter surgido uma outra com o mesmo nome, mas com a diferença de ter tido sucesso imediato.
É claro que a qualidade e a peculiaridade, sem falar no ecletismo, da banda de Arthur Lee, não se devia só a este artista, pois ele teve o apoio de um conjunto de músicos talentosos que o ajudaram a levar avante o seu projecto. O núcleo da banda, para além de Arthur Lee, girava igualmente à volta de Bryan MacLean (em baixo), o outro compositor principal, que havia chegado aos "Grass Roots" logo antes de se passarem a chamar de "Love".
Bryan MacLean.
Nesse tempo, para além de Bryan MacLean e Arthur Lee, a banda contava ainda com Johnny Echols (em baixo) na guitarra e Don Conka na bateria, dois grandes amigos de juventude de Lee, para além de John Fleckenstein no baixo.
Johnny Echols.
Pouco depois da sua mudança de nome e quando começavam a se dar a conhecer, Don Conka, já a braços com uma dependência grave de heroína que o tornava cada vez mais errático nas suas aparições ao vivo e em estúdio, é convidado a sair do grupo. 
Love - "Signed D.C." (1966). "Sometimes I feel so lonely"; "My soul belongs to the dealer/He keeps my mind as well"; "I can't unfold my arms/I've got one foot in the graveyard"; "No one cares for me".

O tema "Signed D.C.", do 1º LP de 1966, referia-se a ele. Para o seu lugar, é contratado Alban "Snoopy" Pfisterer (em baixo), ironicamente um pianista com formação clássica.

Alban "Snoopy" Pfisterer.
Entretanto, começam-se a fazer planos para se iniciarem as gravações do primeiro álbum, simplesmente intitulado "Love". Devido a razões não especificadas, John Fleckenstein é levado a também saír desta banda logo antes de se iniciarem as gravações desse primeiro álbum. Arthur Lee passaria a também se ocupar do baixo eléctrico, enquanto não fosse encontrado um substituto convincente para este instrumento.
Por fim, este é encontrado no experiente baixista Ken Forssi (em cima), que chega mesmo a tempo de participar nas gravações do primeiro disco. É esta a formação que aparece tanto na capa do primeiro disco, como nas primeiras fotografias promocionais da banda.
Da esquerda para a direita: Ken Forssi, Arthur Lee, Alban "Snoopy" Pfisterer, Johnny Echols e Bryan MacLean.

Logo a seguir ao lançamento do primeiro disco, o grupo decide incluir entre os seus membros o baterista Michael Stuart (em baixo), até então membro de uma banda de "garage rock" denominada "The Sons Of Adam". Nesta banda, também se destacava Randy Holden, guitarrista lendário que, depois integraria a banda "Blue Cheer". Este grupo, do qual não existem muitos registos sonoros gravados, não era mais do que uma entre outras bandas que actuavam, com frequência, nos mesmos lugares que os "Love".
Michael Stuart


The Sons Of Adam - Take My Hand (1965).

The Sons Of Adam em 1966. Joe Kooken, Randy Holden, Mike Port e Michael Stuart (da esquerda para a direita).

Michael Stuart já era, há algum tempo, conhecido de Alban "Snoopy" Pfisterer e Ken Forssi. Isso facilitou a sua rápida integração na banda. A sua competência na bateria, onde se destaca quer a sua variedade de estilos desde o jazz ao rock pesado, quer a sua capacidade de improvisação, seria um dos elementos que mais definiria o som dos "Love".
Michael Stuart.

Love - !Que Vida! (1966). Ouça-se com atenção a execução da bateria de Michael Stuart.

Desta forma, Alban "Snoopy" Pfisterer, transita para os teclados, onde ele era verdadeiramente exímio. A decisão de aumentar a importância dos teclados na sua música, levaria os "Love" a não pôr de parte a ideia de incluir também instrumentos de sopro. Na sequência disto, decidem convidar também um outro músico, Tjay Cantrelli (em baixo, à direita), este um saxofonista e flautista com formação jazzística e já deles conhecido há vários anos. Assim a banda "Love" vê os seus elementos integrantes aumentados para sete, operando-se igualmente uma mudança quase radical no seu som, chegando-se a aproximar daquilo que, mais tarde, seria caracterizado como "Fusão" ("Fusion"), ou seja, uma fusão de música rock e jazz. Esta (curta) fase aparece eternizada no álbum "Da Capo", gravado e lançado na segunda metade de 1966. Foi também um período marcado por constantes digressões que, para além de darem a conhecer os "Love" a uma audiência cada vez maior, contribuíram para um aumentar das tensões no interior do grupo, agravadas pelo uso crescente de drogas cada vez mais pesadas e uma vida pouco regrada. Isto contribuiria, decerto, para a saída de Alban "Snoopy" Pfisterer e Tjay Cantrelli.



Da esquerda para a direita: Johnny Echols, Bryan MacLean, Ken Forssi, Arthur Lee e Michael Stuart.
Aquando da gravação do álbum “Forever Changes”, o grupo era constituído, para além de Arthur Lee na voz e na guitarra, Johnny Echols, na guitarra principal, Bryan MacLean na guitarra-ritmo, Ken Forssi no baixo e Michael Stuart na bateria e percussão.
Da esquerda para a direita: Michael Stuart, Johnny Echols, Ken Forssi, Bryan MacLean e Arthur Lee em 1967.
O álbum “Forever Changes”, foi lançado em Novembro de 1967, tendo as suas gravações se iniciado em Junho desse mesmo ano, com diversas paragens pelo meio. Não se pode dizer que a banda estivesse a atravessar o seu melhor momento. Apesar de todo o culto que se havia constituído à volta dos “Love”, os seus dois álbuns anteriores não haviam sido um sucesso em termos de vendas, apesar de alguns singles terem, ocasionalmente, beliscado os lugares inferiores das tabelas de êxitos. Aliás, o grosso dos fãs não se encontrava em território americano, mas antes na Europa, com especial destaque para as ilhas britânicas, onde se contavam diversos músicos que citavam, com frequência, Arthur Lee e os “Love” entre as suas principais influências. Basta citar Syd Barrett, o primeiro mas breve líder dos “Pink Floyd”, e Jimi Hendrix, que também havia estado em algumas bandas anteriores de Arthur Lee, antes de iniciar a sua meteórica carreira a solo, entre 1966 e 1970.Por outro lado, as constantes digressões e pressões próprias da vida artística, haviam introduzido no grupo grandes doses de álcool e, sobretudo, drogas cada vez mais duras, ao ponto de afectar a performance dos seus membros, quer ao vivo quer em estúdio. Terá sido, aliás esta a razão principal para os membros dos “Love”, à excepção de Arthur Lee e Bryan MacLean, não terem participado nas primeiras sessões de gravação de dois dos temas a incluir no álbum final. Aqui houve o breve recurso a alguns músicos de estúdio. Nas sessões seguintes, que se arrastariam, com diversos intervalos pelo meio, até Setembro de 1967, todos os elementos dos “Love” puderam fazer a sua devida participação, com a condição de estarem na sua melhor forma possível.

Um aspecto que enriqueceu ainda mais a singularidade deste disco foi a utilização de uma orquestra de cordas e metais, dirigida por David Angel, o que contribuiu para aumentar tanto a expressividade como a carga dramática dos temas. Este álbum, mais do que os dois anteriores, é profundamente dominado pela personna de Arthur Lee. Mesmo nos temas que não são originalmente da sua autoria e onde a sua voz não é a principal, a sua influência é incontestável. O essencial das letras das canções, centra-se numa visão, mais pessimista do que optimista dos tempos que então corriam. Arthur Lee, inclusive, sentia que iria morrer em breve e, dessa forma, essas seriam as suas últimas palavras, o que, felizmente, acabaria por não acontecer. Mesmo assim, apesar de terem como ponto de partida a realidade do ano da sua edição, neste caso 1967, as letras de "Forever Changes" permanecem, até hoje, profundamente actuais. Musicalmente, é o album mais difícil de definir dos "Love". Nele entrecruzam-se muitas influências, desde o rock psicadélico até ao country, passando mesmo pela música clássica.

Mais uma vez, o então novo álbum dos "Love" não obteve o sucesso de vendas esperado, apesar de, já nessa altura, começarem a surgir algumas vozes elogiando a sua genialidade, não detectada à primeira audição. Terá sido esta nova falta de êxito, associada ao clima de grande tensão e instabilidade vivida então dentro da banda, que terá precipitado o fim dos "Love" em 1968

Love - "Your Mind And We Belong Together" (1968).

A partir de então, os caminhos dos seus membros começam a se afastar. Terá sido só a partir de então que a obra musical deste grupo começou a receber a gradualmente a devida consideração. É verdade que, pouco tempo depois, Arthur Lee decidiu refundar os "Love", com elementos completamente novos. O problema foi que a "chama" já se tinha extinto e não se conseguiu produzir de novo a riqueza e coesão existente na formação original. Desta forma, o álbum "Four Sail" (em baixo), editado em 1969, foi um novo fracasso discográfico.

Ao longo da década de 70, foram surgindo cada vez mais músicos reconhecendo o legado da formação original dos "Love" e Arthur Lee, em grande parte devido ao seu espírito de liderança, adquiriu um crescente estatuto de "lenda artística", nunca alcançado durante o irrepetível período de 1965-1968. Assim, o número de apreciadores dos "Love" originais, agora tornados quase míticos, não pararia de aumentar. Isto contribuiu para incentivar as diversas tentativas, mal sucedidas, de voltar a reunir a banda, não só da parte de Arthur Lee, como de Bryan MacLean. O destino e a sorte dos seus membros originais decerto que não ajudou muito a concretizar esse sonho de muitos fãs. Arthur Lee, foi detido em 1996, por uso e porte de arma ilegal, tendo acabado por ser condenado a cinco anos de prisão efectiva, consequência também de recorrentes problemas legais no passado. Durante a sua detenção, recusaria quaisquer entrevistas.
Desta forma, quando, em 1997, se comemoraram os 30 anos do lançamento do álbum "Forever Changes" dos "Love", quem acabou por se mostrar disponível para dar entrevistas foi, ironicamente, Bryan MacLean. Desde os tempos dos "Love", Bryan MacLean, surgia sempre na sombra da figura lendária de Arthur Lee. Dizia-se mesmo que existia uma surda competição entre os dois, quase sempre vantajosa para Arthur Lee, compositor prolífico e homem com uma personalidade de líder. Era sempre Arthur Lee quem acabava por dar as cartas e ditar as regras no seio dos grupos a que pertencia. Desta forma, durante muito tempo, a história de tudo o que se relacionasse com os "Love", era contada na sua perspectiva.
Estando agora Arthur Lee a cumprir pena de prisão e indisponível para quaisquer entrevistas, quem passou a ser o detentor por excelência de todas as memórias dos "Love" seria Bryan MacLean.
Bryan MacLean
 Sendo assim, seria a vez dele contar o seu lado da história, revelando factos e perspectivas até então ignoradas. Com os 30 anos do álbum "Forever Changes" na ordem do dia, Bryan MacLean foi muito requisitado para entrevistas, com destaque para uma magnífica entrevista para a revista "MOJO". Bryan MacLean encontrava-se a atravessar uma das melhores fases da sua vida. Considerava-se um homem renascido. Havia, segundo disse, ultrapassado todos os problemas relacionados com drogas e álcool que o haviam atormentado durante muitos anos.
Sentia-se um homem feliz e em paz com o seu passado. Aproximou-se da religião, que ele considerou um factor importante nesta sua nova fase positiva. Reconciliou-se com algumas pessoas com as quais havia tido conflitos e cortado relações em épocas passadas "menos felizes".
Bryan MacLean em 1997/1998
Havia finalmente redescoberto a felicidade e transmitia uma imagem de homem rejuvenescido e de grande generosidade. Sempre que possível, mostrava-se disponível e empenhado em colaborar em entrevistas, não só da parte de revistas especializadas, como também de investigadores da história não só dos "Love", como também acerca da música dos anos 60. Desde meados da década de 90, Bryan MacLean havia autorizado e incentivado a reedição de muitas canções inéditas suas, com destaque para o seu tempo nos "Love".


Bryan Maclean - Barber John (1967).

Estava igualmente aberto a muitos outros projectos para o futuro, que lhe parecia auspicioso. Infelizmente, esta sua nova vida não duraria muito. Faleceria inesperada e repentinamente, no dia 25 de Dezembro de 1998, enquanto dava uma das suas entrevistas, precisamente numa fase em que se sentia plenamente realizado e em boa forma física.
Bryan MacLean  (1946-1998)

É preciso também referir que, durante este período, faleceria outro dos elementos fundadores dos "Love", neste caso o ex-baixista Ken Forssi, em Janeiro de 1998, vítima de um tumor cerebral, depois de uma vida marcada por problemas com drogas, assaltos e consequentes estadias em prisões, bem como problemas mentais e incapacidade em permanecer num emprego por muito tempo, ficando assim definitivamente impossibilitada uma futura reunião da banda original.
Ken Forssi (1943-1998)

Após a sua libertação, em 2001, Arthur Lee entrou num novo período de verdadeiro renascimento musical. Voltou a reconstituir de novo o seu grupo "Arthur Lee and Love", entrando numa nova fase de digressões mundiais, tendo mesmo passado por Portugal no ano de 2004.
Arthur Lee.

Os seus espectáculos são unânimemente elogiados pela crítica. Vale a pena também salientar o facto de, nos seus últimos anos de vida, Arthur Lee ter interpretado ao vivo, na íntegra, esse momento musical irrepetível que foi "Forever Changes", para além de ter passado a integrar na sua banda um dos últimos sobreviventes dos membros fundadores dos "Love" originais, neste caso John Echols (em baixo).
John (Johnny) Echols.

  O antigo baterista Michael Stuart (em baixo), decide sair do seu longo anonimato e publicar um livro autobiográfico sobre a sua experiência nos "Love", colocando um grande destaque no periodo abrangido pela concepção, gravação, edição e posterior recepção do álbum "Forever Changes", o qual, naquele tempo, não lhe parecia muito perfeito. Acabaria por mudar de opinião posteriormente, pois "se a maioria esmagadora das pessoas achava "Forever Changes" uma obra-prima, ele provavelmente estaria errado". Michael Stuart havia igualmente passado a assinar com o seu nome verdadeiro que é Michael Stuart-Ware.

Michael Stuart-Ware.

Michael Stuart-Ware.
Pelo meio, foi sendo preparado um documentário sobre os anos cruciais dos "Love", com a participação de todos os elementos ainda vivos da banda original, incluindo neste caso, para além do seu líder, John Echols e Michael Stuart-Ware (em cima), e também os produtores Bruce Botnick e Jac Holzman, sem esquecer David Angel, responsável pela memorável orquestração de "Forever Changes". Pode-se afirmar que Arthur Lee estava, finalmente, a obter o reconhecimento devido, quando uma leucemia mielóide pôs termo à sua vida no dia 3 de Agosto de 2006.
Arthur Lee (1945-2006).

Mas vamos agora ao que interessa: as minhas músicas selecionadas do "Forever Changes" dos Love.

Love - Alone Again Or (1967). Aqui a voz de Bryan MacLean surge em grande destaque.

Love - A House Is Not A Motel (1967). "The news of today, will be the movies for tomorrow".

Love - Andmoreagain (1967).

Love - The Red Telephone (1967). "Sitting on a hillside/Watching all the people die/I feel much better on the other side"; "I believe in magic (magick?)/Because it is so quick"; "And if you think I'm happy/Paint me (white) (yellow)"; "Sometimes I deal with numbers/And if you wanna count me/Count me out".

Love - Maybe The People Would Be The Times Or Between Clark And Hilldale (1967).

Love - Live And Let Live (1967).

Love - Bummer In The Summer (1967).


Documentário sobre o grupo musical Love, com muitos dos elementos intervenientes então ainda vivos, com destaque para Arthur Lee.

3 comentários:

Loris T Guglielmoni disse...

Infelizmente lamentável passar despercebido ao público brasileiro, a existência, do que para mim, um dos cinco melhores grupos do rock. Parabéns pelo artigo.

Unknown disse...

Ótimo artigo, rico em detalhes, lamentavelmente LOVE não teve e não tem até hoje o reconhecimento e exposição merecidos, mas ainda bem que há pessoas que sabem das coisas e partilham a informação!

Mariam disse...

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