Um dos grandes pesadelos de quem tem a função de tratar de doentes confinados a uma cama são as úlceras de decúbito, vulgarmente designadas por escaras. Estas também podem surgir em pessoas cuja capacidade de mobilidade está confinada a uma cadeira de rodas.
Resultam de uma compressão anormal e por tempo demasiado longo sobre certas zonas do corpo. Na sequência disto, os tecidos existentes nesses pontos de contacto começam a sofrer de circulação deficiente, chegando-se mesmo a produzir uma situação de isquemia. Para quem for leigo nesta matéria, a isquemia consiste numa interrupção da circulação sanguínea, devido a uma obstrução dos canais de irrigação, para uma zona do corpo, incluindo membros inteiros e órgãos vitais.
No caso das úlceras de decúbito, a compressão permanente obstrui parcial ou totalmente a circulação sanguínea na zona de contacto, fazendo com que a alimentação dos tecidos seja deficiente ou mesmo interrompida. Em consequência, as zonas sob pressão permanente, se não forem, de tempos a tempos, aliviadas, correm sérios riscos de desenvolver processos necróticos cada vez mais graves, ou seja, tornam-se em pontos de tecido morto. Se estas lesões superficiais não forem tratadas num espaço de tempo aceitável, desenvolver-se-á um processo de destruição tecidular cada vez mais profundo e difícil de reverter.
As fases de desenvolvimento das úlceras de decúbito encontram-se mais ou menos tipificadas nos artigos da especialidade. Inicialmente, a zona pressionada apresenta um aspecto levemente róseo e pode apresentar-se mais quente do que a parte circundante. Nesta fase, já se está perante uma situação de sobrepressão por demasiado tempo, mas os tecidos locais ainda reagem a esta agressão contra-natura, tentando restabelecer a circulação. O ideal seria conseguir mudar, por uns instantes, a posição dos doentes, no máximo, quando se produz esta situação.
O problema é que não é fácil calcular o tempo a partir do qual os tecidos começam a sofrer de má circulação, ou a partir de quando vale a pena mudar um paciente acamado ou imobilizado de posição. Isto varia muito de caso para caso e por haver outros factores condicionantes nem sempre devidamente valorizados. Entre estes temos o estado de saúde do doente no momento em que se inicia a sua imobilização, por exemplo, a sua circulação sanguínea, idade, nível nutricional, higiene, nível de continência urinária e fecal, grau de incapacidade física e nível de discernimento. A importância deste último factor reside na capacidade do doente conseguir sentir dor e poder comunicar a sua situação ao pessoal médico e, sobretudo de enfermagem, que se deverão encarregar de lhe aliviar, dentro do possível, o seu padecer.
Para atalhar o problema, basta, ao fim de um certo tempo, não mais do que algumas horas, mudar o paciente de posição, caso não seja possível levantá-lo do seu leito. Nestas ocasiões pode-se aproveitar para efetuar alguns cuidados higiénicos, essenciais para manter a pele limpa e menos propensa a desenvolver processos inflamatórios que poderão acelerar a formação de úlceras de pressão. A utilização, cada vez mais recomendada dos novos colchões anti-escaras, ajudaria, sem dúvida a evitar muitos problemas, para além de proporcionar um maior conforto para os pacientes. Nas zonas que apresentem inflamação, é sempre benéfica a aplicação tópica de alguns cremes e pomadas de hidratação. De qualquer forma, para executar estes cuidados com eficiência, é essencial um acompanhamento mais de perto por parte do pessoal de Saúde especializado, de forma a permitir uma melhor cronometragem das posições de decúbito de cada paciente.
A situação complica-se quando o grau de imobilidade do doente é muito alto e está, ou não, associado a um estado de inconsciência quase permanente e, para mais, associado a uma ausência completa de sensibilidade numa ou mais zonas do corpo. Exemplo extremo são os doentes em estado vegetativo. Não raras vezes, a não existência de suficiente pessoal médico e de enfermagem num ou mais serviços e que não apresente uma boa organização em termos de turnos, constitui um factor básico para a situação de autêntico abandono a que os doentes acamados ficam longas horas por dia. A partir daqui, será fácil, em alguns pacientes, o desenvolvimento progressivo de escaras de pressão numa ou mais partes do corpo.
A partir do momento em que o processo necrótico de uma lesão se começa a arrastar, esta deixa de ser progressivamente superficial, podendo, em situações extremas, atingir mesmo os tecidos profundos, ou seja músculo e osso. Nestas fases mais avançadas, desenvolve-se um processo inflamatório de gravidade variável, que pode mesmo comprometer na totalidade qualquer tratamento ou convalescença em paralelo. Quanto mais tarde for detectado o problema, mais lenta é a recuperação dos tecidos em causa, não esquecendo que as úlceras de decúbito são das feridas que mais demoram a sarar exigindo, não raras vezes, o recurso a uma cirurgia local. Desta forma, as úlceras de decúbito acabam por constituir uma segunda doença, tão ou mais grave do que a que já confinou um paciente a uma vida de acamado.
Esta situação de sofrimento, tantas vezes em silêncio e muito mais dramática do que se julga, constitui um perfeito indicador da qualidade da assistência médica, nomeadamente do ponto de vista humano, seja de um hospital, público ou privado, seja do país onde este se situa.
Que sirvam estas breves palavras como uma advertência para uma certa mentalidade tendente à “empresarialização” das unidades de saúde, inclusive deste nosso país, onde já se utilizam, mesmo a nível de hospitais públicos, termos como “lucro” e “prejuízo”, para além de outros, mais adequados às multinacionais do sector automóvel e às indústrias de conservas de peixe. A “empresarialização” dos hospitais é o caminho mais rápido para a sua desumanização. Se a globalização do dito “Neo-liberalismo” se tiver estendido a todas as áreas possíveis da vida humana, abra-se uma excepção vital para o sector da Saúde, senão esta não mais será digna de envergar um nome que para nós, enquanto seres humanos, é tão caro.
1 comentário:
Bom dia, entrei no seu site afim de verificar se encontrava alguma solução sobre os cuidados necessário para melhorar o quadro da úlcera sobre pressão, que no caso minha mãe que está muito doente "suporta" sem poder exclamar ou reclamar de dores pois se encontra debilitada e fiquei extremamente comovida com o seu texto...nós que somos leigo temos muita dificuldade de cuidar de alguém enfermo, minha mãe tem 52anos, não fala, não ouve, não anda, aspiramos (eu a noite qdo volto do meu emprego e minha tia de manhã) todos os dias por causa da secreção que vai para os seus pulmões, apesar de todo cuidado estamos totalmente perdidos porque as suas úlceras estão piorando gradativamente e quando procuramos ajuda nos hospitais de nossa região ouvimos a resposta que isso é normal e a tendência é piorar...quando o ser humano não sente vontade de ajudar o mesmo da sua espécie aí sim digo que a humanidade está perdida...caso tenha algum conselho para me dar ficarei muita agradecida.
Meu e-mail: eliana_mmartins@yahoo.com.br
Grata pela atenção dispensada!
Ass. Eliana Maria Martins
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