sábado, novembro 27, 2010

Alguns novos saberes para um novo milénio


Edgar Morin é um dos grandes pensadores e teóricos da actualidade. O seu vasto saber multidisciplinar, afirma-se, mais uma vez nesta obra. Este livro pretende, antes de mais ser uma reflexão acerca da consciência que a Humanidade deverá ter de si própria, do seu espaço, do seu papel e do seu futuro neste começo de um novo milénio.
Morin afirma que diante dos problemas complexos que as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, apenas estudos de carácter “inter-poli-transdisciplinar” poderiam resultar em análises mais ou menos satisfatórias de tais complexidades. Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma configuração que responda às expectativas do Homem, seus desejos, suas interrogações cognitivas, entre outros aspectos.
Neste livro, Edgar Morin apresenta o que ele mesmo chama de “inspirações para o educador ou os saberes necessários a uma boa prática educacional”.

Logo de início, o autor preconiza que não se afaste o “erro” do processo de aprendizagem, contrariamente ao que tem sido sistematicamente promovido e praticado. Assim o “erro”, não deve ser sempre visto como um inimigo a abater, deve ser antes integrado no processo de aprendizagem, para que o conhecimento avance. Por outras palavras, pode-se afirmar que errando se aprende a fazer progressivamente melhor.
Assim, contrariamente às concepções clássicas, a educação deve demonstrar que não há conhecimento sem erro ou ilusão. Todas as percepções são ao mesmo tempo traduções e reconstruções cerebrais a partir de estímulos ou signos, captados e codificados pelos sentidos.
O conhecimento em forma de palavra, ideia ou teoria, é fruto de uma tradução ou reconstrução mediada pela linguagem e pelo pensamento e assim, melhor se conhece o risco de erro. O autor considera que o conhecimento, enquanto tradução e reconstrução, admite a interpretação pelo indivíduo e assim terá a forma que cada um lhe atribuir e conforme cada um vê o Mundo.
Para além disto, não se pode e não se deve separar os sentidos humanos do conhecimento, visto que a afectividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. De facto, não há, verdadeiramente, um estado superior da razão que domine a emoção, mas uma dicotomia intelecto/afecto que assim contribui para o estabelecimento de comportamentos racionais, isto porque existirá também um mundo psíquico independente, onde fermentam necessidades, sonhos, desejos, ideias, imagens, fantasias e este mundo paralelo influencia a nossa visão e concepção do Mundo propriamente dito.
A racionalidade é o melhor guarda-costas da razão. Com ela nos é permitido distinguir o real do irreal, o objectivo do subjectivo, etc. Mas também a racionalidade para ser racional deve estar aberta a todas as possibilidades de erro, caso contrário, passa a ser uma racionalização dos nossos conhecimentos ou seja, o que pensamos estar correcto e ser racional, como não o pomos à prova de erro, torna-se a racionalização desse pensamento, ideia ou teoria. Desta forma, fecha-se em si mesmo, não evolui, não progride e, ironicamente, não detecta nem corrige os erros ou inexactidões que, afinal, poderão existir. Por isso, o autor considera que a racionalidade é aberta, ao contrário da racionalização, que se fecha em si mesma.

O autor também defende que se deverão juntar as mais diversas áreas do conhecimento, tentando evitar a fragmentação dos saberes. Assim, para que o conhecimento seja pertinente, a educação deverá tornar evidentes: o contexto, o global, o multi-dimensional, segundo o qual o ser humano é multi-dimensional, ou seja, é biológico, psíquico, social e afectivo. Por outro lado, não esquecer que a sociedade é multidimensional, ou seja, contém em si, uma dimensão histórica, uma económica, uma sociológica, uma religiosa, entre outras.
A educação deve promover uma inteligência geral apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de forma multidimensional e numa concepção global. Quanto mais poderosa for a inteligência geral, maior é a sua faculdade de tratar problemas especiais.
O autor chama igualmente a atenção para a antinomia. Por outras palavras, os progressos do conhecimento estão dispersos, desunidos, devido à especialização que quebra os contextos, as globalidades e as complexidades. Os problemas fundamentais e os problemas globais são menorizados nas ciências disciplinares, levando a que estas percam as suas aptidões naturais tanto para contextualizar os saberes como para integrá-los nos seus conjuntos naturais. A desvalorização da percepção do saber global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade, em que cada um só se responsabiliza, quase em exclusivo, pela sua tarefa especializada, bem como à debilitação da solidariedade, o que conduz a situações, cada vez mais frequentes, em que já ninguém sinta vínculos de qualquer natureza com os seus concidadãos.
A disjunção e a especialização fechada, que se podem denominar “hiper-especialização”, impedem os indivíduos de ver tanto o global como o essencial, e de tratar correctamente os problemas particulares, que só podem ser apresentados e pensados num contexto. A cultura geral incita à busca da contextualização de qualquer ideia, contrariamente à tão propalada cultura científica e técnica disciplinar, que parcela, desune e compartimenta os saberes, tornando cada vez mais difícil a sua contextualização. A divisão das disciplinas impossibilita a obtenção de uma visão de conjunto, essencial para que se consiga, verdadeiramente, compreender, ou sequer percepcionar, a verdadeira complexidade de tantas áreas do saber.
Mais concretamente, associados à disjunção ou fragmentação dos saberes, o autor salienta os efeitos negativos da redução da sua profundidade, para além da sua eventual complexidade. O princípio da redução conduz a uma diminuição do conhecimento de um todo colocando-se, quase exclusivamente, a tónica no conhecimento das suas partes, consideradas separadamente, como se a organização de um todo não produzisse qualidades ou propriedades novas em relação às partes. Conduz à redução do complexo ao simples, à eliminação de tudo aquilo que não seja quantificável nem mensurável. A redução, quando obedece estritamente ao postulado determinista, oculta o risco, a novidade, a intenção.
Edgar Morin critica ainda a falsa racionalidade. De facto, século XX viveu sob o reino de uma pseudo-racionalidade, que se presumiu ser a única, mas que atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão a longo prazo. Desta forma, a sua insuficiência para tratar os problemas mais graves e complexos tem constituído, precisamente, um dos problemas mais graves para a Humanidade.

De seguida, o autor chama a atenção para o facto da necessidade de cada indivíduo aprender a deixar de se ver apenas como um ser isolado e unidimensional. Por outras palavras, os seres humanos são indivíduos mais do que culturais, são também psíquicos, físicos, míticos, biológicos, etc.
A educação do futuro deverá ser um ensino universal centrado na condição humana. O humano permanece cruelmente dividido, fragmentado, enuncia-se um problema epistemológico e é impossível conceber a unidade complexa do humano por intermédio do pensamento disjuntivo, que concebe a Humanidade de maneira insular, por fora do cosmos que a rodeia, da matéria física e do espírito que constituem a essência do Homem, nem tão pouco por intermédio do pensamento redutor que reduz a unidade humana a um substrato bio-anatómico.
Relativamente à complexa relação-interacção condição cósmica/condição física/condição terrestre/condição humana, o autor refere que somos ao mesmo tempo seres cósmicos e terrestres, ou seja, somos resultado do cosmos, da natureza, da vida, mas devido à nossa própria humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência, tornámo-nos estranhos a este cosmos do qual fazemos parte, ou seja, embora enraizados no cosmos e na esfera viva, os humanos desenraizaram-se pela evolução. Evoluímos para além do mundo físico e vivo. É neste mais além que se opera o pleno desdobramento da Humanidade.
O autor chama a atenção para a chamada uni-dualidade do Ser Humano. Desta forma, o Homem é um ser plenamente biológico, mas se não dispusesse plenamente da cultura seria um primata do mais baixo nível. O homem só se completa em ser plenamente humano pela e na cultura. Não existe cultura sem cérebro humano, mas não há mente ou seja, capacidade de consciência e de pensamento sem cultura. Por isso, a mente é uma emergência do cérebro, que suscita cultura, a qual não existiria sem cérebro. Uma outra face da complexidade humana que integra a animalidade na Humanidade e a Humanidade na animalidade. As relações entre a razão/afecto/impulso não são só complementares, mas também antagonistas admitindo os conflitos entre a impulsividade, o coração e a razão. Desta forma, a racionalidade não dispõe do poder supremo que tanto lhe tem sido atribuído.
Relativamente à tríade individuo/sociedade/espécie, o autor considera que o desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do e do sentido de pertença à espécie humana. A educação do futuro deverá contribuir para que a ideia de unidade da espécie humana não apague a diversidade e que a diversidade não apague a unidade. Todo o ser humano traz geneticamente em si a espécie humana e implica geneticamente a sua própria singularidade anatómica, fisiológica, todo o ser humano traz em si cerebral, mental, psicológica, afectiva, intelectual subjectivamente caracteres fundamentalmente comuns e ao mesmo tempo, tem as suas singularidades cerebrais, mentais, psicológicas, afectivas, intelectuais, subjectivas. Cada cultura preserva a identidade humana, no que ela tem de específico, assim como as várias culturas preservam as identidades sociais no que elas têm de específico.
O Ser Humano é complexo e traz em si de forma bipolarizada os caracteres antagónicos: racional e delirante; trabalhador e jogador; empírico e imaginário; poupado e gastador; prosaico e poético da mesma maneira a educação deveria mostrar e ilustrar o destino de múltiplas faces do Humano: o destino social, o destino histórico, todos os destinos entrelaçados e inseparáveis. Assim, uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana.

Um pouco mais à frente, o autor frisa a necessidade de o Homem finalmente, aprender a tomar plena consciência de que a Terra é um pequeno planeta, finito, não expansivo e, desta forma, com os seus limites, que precisa de poder ser sustentado a qualquer custo. Mais concretamente, os recursos de que a Terra dispõe têm que ser utilizados e gastos com inteligência e uma visão de futuro onde não falte a ideia de saber distribuí-los de uma forma equilibrada, reduzindo ao máximo o número de indivíduos excluídos do seu usufruto e não esquecer a salvaguarda desses mesmos recursos disponíveis. Trata-se de uma ideia onde o planeta Terra deve ser visto como uma casa comum, que a todos deve pertencer e que todos devem respeitar como a um todo e que as fronteiras não constituam uma barreira às inter-relações que devem ser promovidas. Basicamente, pode-se definir esta situação ideal como a noção de algo como “Terra-pátria”.
O tesouro da Humanidade está na sua diversidade criadora, mas a fonte da sua criatividade está na sua unidade geradora. Com as novas tecnologias o Mundo cada vez mais é um todo global. Mas este todo tem-se revelado, muitas vezes, desunificado e desenraizado. O crescimento económico de uns gera a miséria noutros: o mundo é um todo, esse todo não respeita nem vê a especificidade de cada um, seja ele o Estado ou o indivíduo. O desenvolvimento das Ciências traz consigo o progresso, mas também por vezes uma série de regressões, ou seja, ajuda uns e prejudica, quando não mata, outros. Os grandes desenvolvimentos atingiram as mais diversas áreas, mas esqueceram-se de desenvolver o conceito de “cidadania terrestre”. Mesmo assim, ainda deve haver esperança de se alterar, um pouco que seja, este quadro tão irregular. Esta esperança poderá residir nos vários contributos das chamadas “contra-correntes” que vão aparecendo como reacção às correntes dominantes.
Estas incluirão, segundo o autor, a contra-corrente ecológica, que defende a preservação do planeta Terra que é de todos e, por isso mesmo, o Homem não tem o pleno direito de o destruir e, simultaneamente, de se destruir com ele; a contra-corrente qualitativa, que rejeita a filosofia de “quanto mais melhor” e defende, ao invés, a de “quanto melhor for, melhor será”; a contra-corrente à tão disseminada vida utilitária, sem diversidades, nem alternativas, nem horizontes largos, uniforme e monolítica; a contra-corrente ao consumismo desenfreado; a contra-corrente à escravatura ao lucro; a contra-corrente pacifista que se opõe à tantas vezes escolhida solução armada para a resolução dos diversos conflitos que possam surgir.

No campo das Ciências, o autor faz referência a um termo denominado “princípio da incerteza”. Desta forma, para além de tudo o que já foi dito e repetido neste campo, deve-se também ensinar que a Ciência também deve saber operar com a ideia de que existem coisas incertas, inexactas.
Por muito que o progresso se tenha desenvolvido não nos é possível, nem com as melhores tecnologias, prever o futuro. O futuro continua aberto e imprevisível. O futuro é incerto, não se pode prever com precisão o dia de amanhã, ainda que se possam tomar algumas precauções, baseadas na experiência adquirida. Mesmo assim, nada garante, em absoluto, que estas sejam necessárias ou suficientes. Nada é um dado adquirido, completo e simples, tudo se transforma para o melhor e o pior. Desta forma, o Homem enfrenta um novo desafio, uma nova aventura que é enfrentar as incertezas, e a educação do futuro deve voltar-se para as incertezas ligadas ao conhecimento.

O autor defende uma nova forma de encarar e interpretar a comunicação humana. Esta deve ser voltada, cada vez mais, para a compreensão, sem esquecer as suas já existentes e seculares funções.
A comunicação no séc. XXI do planeta é global e globalizante. Neste mundo feito de meios de comunicação diversos, onde a Internet domina todo o espaço, apesar de ser o meio que chegou depois de todos os outros, todos compreendem as informações partilhadas e permutadas, mas os progressos para compreender a compreensão são mínimos. Não há nenhuma técnica de comunicação que traga em si mesma a compreensão. Educar para compreender uma dada matéria de uma disciplina é uma coisa, educar para a compreensão humana é outra, esta deve ser a missão espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição garante da solidariedade intelectual e moral da Humanidade, que deve ser vista como um todo, ainda que multi-facetado. Esta compreensão é fundamental para que as diversas facetas da Humanidade se entendam entre si e saibam resolver de uma forma eficaz e célere os antagonismos que possam surgir.
Sem dúvida que, para se conseguir uma boa, ou apenas satisfatória, compreensão da Humanidade, há que saber ensinar e aprender com os obstáculos que existem para a compreensão, entre os quais a xenofobia, o racismo, o egocentrismo, o sociocentrismo e a redução do nível intelectual humano. Promovendo, por outro lado, a escolha de caminhos e soluções mais positivas para uma compreensão mútua, tais como a reflexão, a ponderação, o respeito e abertura ao próximo, sem esquecer a fundamental tolerância.

Mais à frente, o autor dá destaque a um termo, vagamente neologista, denominado “Antropo-ética”. Significa isto, não desejar para os outros, aquilo que não se quer para si próprio. Esta forma de respeito pelos outros, segundo Morin, deve resultar de uma interligação de três elementos básicos: o indivíduo, a sociedade e a espécie.
Na questão prática de aplicar os 7 saberes, o fundamental é que o objectivo não é transformá-los em disciplinas, mas sim em directrizes para acção e para elaboração de propostas e intervenções educacionais.

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