O ano de 1943 havia começado mal para as forças do Eixo, principalmente para o lado germânico. A sua tão empenhada e dispendiosa campanha de África, protagonizada pelo então mítico exército “Afrika Korps” de Erwin Rommel ficou definitivamente perdida. Para além disto, a que se julgava “gloriosa” Batalha de Estalinegrado, terminou numa derrota absolutamente humilhante, com o cerco e captura de um grande e valioso exército inteiro, o “6º Exército” e a rendição do seu principal comandante, o General Von Paulus. Este fora promovido a “Marechal de Campo” por Hitler, quando a luta já caminhava para o seu desfecho final e, desta forma, acabou por ser o primeiro oficial germânico desta patente a apresentar a rendição. Esta derrota acabaria por deitar completamente por terra a ideia de invencibilidade da Wehrmacht e marcaria o início de uma nova fase na luta do Exército Vermelho, que, a partir daqui, foi ganhando iniciativa crescente, mantendo o seu inimigo germânico numa posição defensiva e em permanente retirada.
Para agravar mais as coisas, realiza-se a Conferência de Casablanca, onde os Aliados decidem que todos os seus esforços militares, daí em diante, teriam como objectivo principal a “rendição incondicional” da Alemanha nazi. Um dos sinais mais visíveis destas novas decisões foi o progressivo aumento da frequência e da intensidade dos bombardeamentos aéreos, por parte das forças aéreas britânica e americana. Tanto as cidades principais, como as fábricas essenciais ao esforço de guerra começariam desde logo a sentir os seus efeitos. É preciso não ignorar ainda o crescente receio, por parte de Hitler e dos seus generais, relativamente aos indícios de que se poderia abrir uma nova frente de guerra mais a Sul, derivada do crescente domínio aliado no Mediterrâneo.
Foi numa tentativa de recuperar a iniciativa de ataque, e fazer subir o moral tanto das suas forças militares como do povo alemão, que Hitler decidiu dar ouvidos aos seus altos oficiais que repudiavam a ideia humilhante de efectuar uma retirada generalizada de diversas zonas conquistadas a Leste.
Desta forma, logo na Primavera de 1943, Hitler e o seu Alto Comando decidem delinear os planos de uma nova missão de ataque: a “Operação Cidadela”. Esta consistia, basicamente, na concentração de forças militares na zona de Kursk, de forma a conseguir quebrar a frente de ataque do Exército Vermelho onde este parecia mais vulnerável, e desorganizar as suas forças. Por outro lado, havia a intenção clara de conseguir atacar o Exército Vermelho desprevenido. Aliás, este aspecto era mais do que fundamental para que a “Operação Cidadela” fosse bem sucedida. Para isto, havia que fazer os planos da forma mais sigilosa possível. O problema foi que, logo desde o início, este requisito saiu gorado.
Havia já algum tempo que os serviços secretos britânicos estavam a conseguir, com crescente sucesso, decifrar as mensagens encriptadas produzidas nas máquinas alemãs “Enigma”. Graças a um outro prodígio tecnológico, as máquinas “Ultra”, era-lhes quase possível, com cada vez maior fidelidade, tomar conhecimento das decisões militares e estratégicas dos alemães. Só algum tempo depois da guerra é que os alemães souberam que o seu código “Enigma” havia sido quebrado há muito. Por outro lado, havia uma rede de espiões alemães ao serviço dos Aliados, que, de quando em quando, conseguia obter informações secretas de “primeira água”, essenciais para estes decidirem quais os passos a dar. Entre estes estava o antinazi
Rudolph Roessler que, para além de ter revelado os planos de Hitler aos Aliados ocidentais, teve a proeza de conseguir avisar os soviéticos com grande antecipação.
Desde o começo, Hitler e os seus oficiais haviam feito todos os possíveis para tentar se antecipar a uma possível contra-ofensiva soviética. De facto, a sua concentração de forças na região de Kursk era muito importante: mais ou menos 900 mil homens, apoiados por 2.700 tanques e carros de assalto, 10 mil peças de artilharia e 2.500 caças e bombardeiros. Hitler sabia que muito da sorte futura das forças germânicas seria comprometida pelo resultado de mais esta operação, para além de que ele queria mostrar ao mundo de que a Alemanha nazi não estava derrotada.
No entanto, quando a Wehrmacht iniciou o ataque, já os soviéticos tinham minado toda a área, recuado as tropas e instalado baterias de canhões, com o intuito de impedir a acção dos sapadores alemães na retirada das minas. Por sua vez, do lado soviético, havia concentrados na área de Kursk cerca de 1,3 milhões de homens, 20.200 peças de artilharia, 3.306 tanques e 2.650 aviões.
O ataque estava inicialmente previsto para o início da Primavera, mas houve toda uma série de hesitações, adiamentos e lentidão na execução dos planos, que arrastariam a data para 5 de Julho de 1943. Entre as razões para isto, estava a o conhecimento de alguns avanços tecnológicos que os soviéticos estavam a revelar, nomeadamente a nível dos tanques. Estes haviam produzido em massa um tanque ligeiro, de sólida fuselagem e munido de um potente canhão, que o tornava muito difícil de vencer num embate directo e, por isso, temível: o “T-34”.
Desta forma, os alemães sentiram-se na necessidade de ganhar mais algum tempo, para conseguir que as suas sobrecarregadas fábricas de armamento produzissem um número de tanques, de um novo modelo, em número suficiente para compensar as eventuais fragilidades dos restantes. Entre estes estavam os “Panther”, os “Tiger” e um modelo de tanque super-pesado conhecido por “Elephant”. Este último foi um exemplo de diversos erros de cálculo cometidos pelos alemães responsáveis pela produção de armamento pesado: era dotado de um potente canhão a que nenhuma fuselagem conhecida conseguia resistir, mas era extremamente lento e difícil de manusear, o que o tornava facilmente subjugável quer por veículos mais ligeiros, quer pela própria infantaria.
Os dados seriam lançados, então, a 5 de Julho de 1943. Iniciou-se aquele que foi o maior combate de tanques da História. O que acabou por acontecer foi um verdadeiro desastre para a Wehrmacht. Apesar do imenso número de homens e material soviéticos perdidos, as forças germânicas tiveram extrema dificuldade em penetrar nas muito bem preparadas defesas soviéticas. As tropas e divisões Panzer que foram conseguindo avançar, para além das “incómodas” minas anti-pessoais e anti-carro, eram alvo de ataques rápidos e insistentes de surpresa, que iam gradualmente enfraquecendo a sua frente de ataque.
O campo de batalha foi-se gradualmente enchendo de destroços e veículos incendiados, cujo fumo, associado às constantes nuvens de poeira sob um sol inclemente, foram dificultando a visão, principalmente do lado germânico. Do lado soviético, o espírito patriótico fazia as tropas defender cada metro quadrado a um preço muito elevado, em especial para o inimigo. A determinada altura, chegaram a haver lutas de tanques quase frente-a-frente, com um número de baixas altíssimo.
Acontece que, do lado dos soviéticos, os abastecimentos, reparações e reposição de material, tal como o socorro aos feridos, eram muito mais fáceis de conseguir, enquanto do lado germânico estes tornavam-se muito mais difíceis de conseguir, consoante iam avançando para dentro das linhas inimigas. O ataque, devido à ausência do factor-surpresa, acabaria por se prolongar para além do previsto. As frentes de ataque germânicas, devido às constantes perdas de homens e material, começaram a dar sinais de claudicar, a tal ponto que houve, mais do que uma vez, necessidade de desviar forças de um lado para compensar outro.
A desorganização começou logo a fazer-se sentir por entre as forças atacantes. A situação estava-se a revelar um autêntico beco sem saída para estes, quase semelhante ao que acontecera meses antes em Estalinegrado. Devido ao quadro nada animador, Hitler decidiria suspender a “Operação Cidadela”, oito dias depois de iniciar o ataque, contrariamente a todas as expectativas. No entanto, os combates no terreno prolongaram-se quase até ao fim de Agosto de 1943, mas as forças germânicas já estavam numa posição claramente defensiva e em visível desvantagem. Por esta altura, já as atenções estavam desviadas para um novo teatro de guerra em Itália.
Depois desta Batalha de Kursk, a Wehrmacht não mais conseguiu recuperar uma posição ofensiva na “frente Leste” e perdeu toda a sua iniciativa de ataque. A iniciativa passaria, em definitivo, para o Exército Vermelho que não mais pararia daí em diante. Formou-se o famoso “rolo compressor russo”, que nada conseguiria deter até conquistar Berlim, no começo de Maio de 1945, precipitando a rendição incondicional de todas as forças militares germânicas.
Foi na sequência desta vitória tão importante para a União Soviética, que o nome “Kursk” passou a constituir um sinónimo de valentia, coragem, ousadia, sorte e, acima de tudo, invencibilidade. Não admira que um dos seus melhores e, então, sofisticados submarinos de sempre tivesse sido baptizado com este nome: “K-141 Kursk”. Foi dos primeiros submarinos modernos concebidos e construídos após o fim da União Soviética. Talvez uma tentativa de augurar um bom futuro para os novos tempos que se avizinhavam.
Começou-se a trabalhar na construção deste novo submarino logo em 1992, tendo esta ficado concluída no final de 1994. Com um comprimento de 154 metros e quatro pisos, foi o maior submarino de guerra alguma vez construído. O seu potencial e versatilidade eram quase inultrapassáveis e, de facto, confirmou-se um aparelho muito bem sucedido nas diversas missões para que havia sido destinado. Isto fez aumentar ainda mais as expectativas em relação ao “K-141 Kursk” e a marinha da Rússia via-o como um símbolo do seu ressurgimento enquanto potência beligerante.
Acontece que, derivado dos diversos problemas sociais e económicos que a nação russa havia atravessado após a queda do regime soviético, houve uma necessidade de fazer cortes generalizados no financiamento de muitas instituições essenciais. A sua marinha acabaria por ser uma delas. Por um lado a qualidade dos materiais utilizados no fabrico dos novos aparelhos era inferior ao recomendado, por outro, a manutenção desses aparelhos que deveria ser periódica, só foi feita muito esporadicamente aos que eram considerados de primeira necessidade, tendo os restantes ficado sujeitos à lenta deterioração provocada tanto pelo uso, como pelo contacto prolongado com a água do mar, que é sobejamente conhecida como lesiva para os metais, em especial para o aço e o ferro. Aliás, muitos dos trabalhos de manutenção que se foram fazendo, não foram devidamente remunerados.
Não seria de espantar que este clima de negligência, algo camuflado, começasse a produzir consequências nefastas para a segurança mais básica dos marinheiros que passavam dias, quando não meses, a fio no interior destes vasos de guerra. Foi o que acabou por acontecer a 12 de Agosto de 2000, quando na sequência de uma missão de treino em alto-mar, o submarino “Kursk” sofreu um dano fatal, devido à explosão fora do tempo de um dos seus torpedos. De seguida, o imenso aparelho afundou-se pesadamente até uma profundidade de quase 110 metros, com toda a sua tripulação de 118 elementos. Uma segunda explosão, mais forte, ocorrida alguns minutos depois, ditaria o fim deste magnífico submarino.
Durante dias não foi possível ter um conhecimento da situação real da tripulação do “Kursk”, pois este encontrava-se numa zona onde era difícil executar missões de salvamento e não havia quaisquer comunicações possíveis. As piores expectativas começaram a confirmar-se logo quando se observou um imenso rombo na parte da frente do submarino. Apesar de todos os esforços efectuados, mesmo com ajuda internacional, não sobreviveu nenhum elemento da tripulação do “K-141 Kursk”.
Desta forma, paradoxalmente, o nome “Kursk”, ainda que continue evocando uma gloriosa vitória, passaria também a ser sinónimo de uma das maiores tragédias de sempre, a par de outros como o “Titanic”.