domingo, dezembro 27, 2020

A imagem de Nuremberga


Uma das entradas na "Cidade Velha" de Nuremberga antes dos bombardeamentos da 2ª Guerra Mundial.

                  
Fotografia a cores de Nuremberga antes dos bombardeamentos da 2ª Guerra Mundial. Reparar no edifício que surge à direita. Era um moinho de água. Vai aparecer mais adiante numa foto obtida a seguir ao final da Guerra... 










Nuremberga. Ponte coberta (1935-1940).



A cidade de Nuremberga é frequentemente referida na História como o cenário principal dos famosos julgamentos de muitos (não todos) principais líderes e colaboradores nazis, que tiveram lugar a partir de 1945





Tal referência tão valorizadora, também teve como efeito a sua redenção, enquanto cidade histórica, relativamente ao facto de ter sido, durante anos, uma das cidades mais importantes do movimento nazi na Alemanha, senão a sua verdadeira “capital”, título que geralmente era atribuído a Munique




Estão gravados na História Universal os frequentes e megalómanos desfiles de tropas e forças paramilitares do regime de Hitler, sempre com a presença assídua do mesmo, sobretudo antes do rebentar da 2ª Guerra Mundial. Basta referir que aí foi construído, em tempo record, o maior parque de desfiles da Europa, destinado precisamente ao ponto culminante das celebrações nazis, que também incluíam desfiles pelas ruas de Nuremberga, onde os jogos cénicos eram essenciais. 

À direita, a secção Oeste dos edifícios da Câmara Municipal ("Altes Rathaus") enfeitada com bandeiras nazis.




Desfile nazi na grande praça Hauptmarkt. À direita, vê-se parte do conjunto dos edifícios que originalmente existiam no espaço hoje ocupado pela Nova Câmara Municipal ("Neues Rathaus") de Nuremberga. 


Terá residido aqui uma das principais razões que levaram a escolher esta cidade para acolher os principais julgamentos dos dirigentes e políticos, sobretudo entre 1945 e 1946.

Outra razão terá sido o facto de, no final da Guerra, não haver, no núcleo de localidades seleccionadas, incluindo Berlim, nenhum edifício suficientemente grande que oferecesse condições logísticas para a realização um evento, de tão elevada importância, num curto espaço de tempo. Esta circunstância devia-se ao facto de, nas cidades propostas, mais de três quartos dos seus edifícios estarem completamente destruídos ou seriamente danificados. 



No centro da imagem observa-se, quase irreconhecível, a praça Hauptmarkt, em 1945. Nesse local, o único elemento que permanecia salvaguardado, dentro de um bloco de betão, era a fonte Schöner Brunnen.

Fotografia sobre as margens rio Pegnitz que atravessa Nuremberga, depois da Guerra. Em primeiro plano, surgem os restos de um moinho de água, onde se vê um soldado americano, já referido numa foto que surge no começo desta postagem.


O edifício muito arruinado, que se vê à esquerda, é o antigo armazém de carne medieval, conhecido pelo nome de Fleischhaus. A ponte que surge mais no meio da imagem é a Fleischbrucke. No extremo direito da foto, vê-se parte dos destroços do moinho de água referido na foto anterior.

Perspetiva sobre a Cidade Velha de Nuremberga, de Norte para Sul, obtida a partir da praça Egidienplatz, onde existe ainda hoje uma estátua equestre, a que se fará referência mais adiante.


Entrada do exército americano em Nuremberga, em 1945. O edifício que se vê, muito danificado, no centro da imagem é o antigo armazém medieval "Mauthalle".

O referido edifício "Mauthalle", visto da mesma perspetiva, nos primeiros anos da Guerra.

O referido edifício "Mauthalle", em chamas.

Não se poderá dizer que Nuremberga estivesse de alguma forma intacta, muito pelo contrário. A sua Cidade Velha estava destruída numa dimensão na zona dos 90% e, fora deste núcleo urbano, a situação não era melhor. 

O referido tribunal ("Justizpalast") de Nuremberga, onde decorreram os principais julgamentos em 1945 e 1946. Por trás observa-se o semicírculo da prisão anexa.

No entanto, foi encontrado, exactamente no extremo Oeste da sua "Cidade Velha", o seu mais amplo tribunal, o "Justizpalast", dotado de prisão anexa, que surgia como o mais próximo do ideal pretendido. À data da sua selecção, este edifício não estava propriamente em condição pristina. 



Imagens das obras de restauro e adaptação do referido tribunal.


Também havia sofrido alguns danos, embora apenas de proximidade, mas não havia sido atingido pelo fogo, ao contrário do que se encontrava espalhado pela respectiva urbe. Aliás, este tribunal fazia parte de um complexo de vários edifícios construído junto a uma via principal de ligação entre Nuremberga e a pequena cidade próxima de Fürth. Mas, como os efeitos dos abalos dos bombardeamentos próximos não tinham afectado a sua estrutura, salvo algum estuque rachado e desprendido, a sua escolha foi feita sem hesitação.




Imagens do exterior do tribunal de Nuremberga, no decurso dos julgamentos.

De facto, no meio da destruição circundante, um edifício desta envergadura ainda de pé, destacava-se logo de imediato. Nuremberga foi, desde o começo da Guerra, um alvo previsível de bombardeamento. Não só pelo seu interesse industrial, mas também pelo simbolismo que ela carregava, embora, à partida e teoricamente, Munique surgisse mais destacada. De qualquer forma, e ainda hoje assim acontece, Nuremberga apenas tinha à sua frente, na região da Baviera, a cidade de Munique, quer em termos de tamanho quer em termos de importância histórica. É preciso não esquecer que os limites geográficos do que é vulgarmente designado de “Baviera” (“Bayern”) eram, antes de 1945, um pouco diferentes dos atuais. O mesmo se aplica a quase todos os outros ditos “estados federados” da Alemanha actual.




Várias imagens da grande praça Hauptmarkt de Nuremberga. Destaque para a fonte "Schöner Brunnen". A imagem inferior é de 1943 e mostra a referida fonte envolvida numa proteção de betão contra os já cada vez mais frequentes bombardeamentos. 

Nos primeiros tempos da Guerra, a única nação com a qual a Alemanha teria de contar, em matéria de ataques aéreos, era a Grã-Bretanha. Isto delineou desde logo, o possível destino de Nuremberga. Foi, desde logo, uma das poucas cidades da Alemanha a ter um sistema defensivo antiaéreo próximo do que era considerado o melhor naquele país, cujo paradigma era um pequeno punhado de localidades onde surgiam à cabeça Berlim e Hamburgo. Logo na Primavera de 1940 e por ordem expressa do “Führer” Adolf Hitler, foi das primeiras cidades a construir um sistema de abrigos antiaéreos de complexidade notória e, parte das suas zonas subterrâneas, foi seleccionada para armazenar bens culturais da mais diversa ordem, provenientes não só dessa localidade e de outras da Baviera, como Munique e Augsburg, como também de outros lugares mais afastados do solo germânico. No que se refere a este último pormenor, a cadência e o volume não parariam de aumentar ao longo do desenrolar do conflito.

De qualquer forma, inicialmente, as coisas não se processaram em Nuremberga exactamente como se previa.

            Esta cidade, bem como as outras desta região, estavam localizadas numa área demasiado a Sul para o alcance das formações dos bombardeiros britânicos então disponíveis. A R.A.F., quando começou a Guerra estava, em muitos aspectos, atrás das forças germânicas. A força aérea germânica, a Luftwaffe, era das mais avançadas e modernas da época. A Guerra Civil Espanhola, que tinha terminado há pouco, foi o palco onde exibiu a sua faceta mais temível, parecendo mesmo invencível. A Grã-Bretanha percebeu logo a natureza do inimigo que tinha em frente, e o esforço de propaganda da Alemanha nazi, onde muito se destacou Joseph Goebbels, até ao inicio das hostilidades, encarregar-se-ia de propalar essa imagem de, afinal aparente, invencibilidade. Perante um inimigo desta natureza, só havia dois comportamentos a adoptar: ou esperar sentado pela sua chegada, como quem espera uma morte certa, rezando para que não seja muito dolorosa, ou recorrer a todos os meios, recursos e estratégias possíveis, fazendo um esforço concertado máximo e numa corrida contra o tempo, sem ter qualquer certeza concreta de uma possível vitória. Os Aliados podiam ser derrotados mas, até que um tal desfecho ocorresse, não poupariam esforços para se manter em luta até ao fim. O seu potencial verdadeiro não tardaria a se revelar com cada vez maior certeza e evidência. As dúvidas iniciais não cessariam de se evaporar ao longo do decorrer do conflito.

            Todavia, de início, a R.A.F. não dispunha de um avanço tecnológico muito animador, no final do Verão de 1939, apesar de estar a tentar, já há algum tempo, fazer um esforço de modernização. De referir que, em matéria aeronáutica, o seu potencial não era de menosprezar. A sua Royal Navy, surgia como uma força temível, frente à Kriegsmarine alemã, esta durante muito tempo estagnada por imposições do Tratado de Versalhes. A R.A.F., apesar de parecer mais frágil, era já uma peça fundamental de auxílio à Royal Navy. Os investimentos da Coroa Britânica haviam sido, neste campo, preferencialmente em matéria defensiva. Para além disso, esta nação era pioneira no campo da tecnologia do radar, mais do que os seus potenciais inimigos julgavam.

            No entanto, no que respeita a uma força de bombardeiros, a situação da R.A.F. estava longe de ser animadora ou promissora. Os seus aparelhos eram bimotores e com limitada capacidade de voo, o que lhe dava um alcance reduzido. Era, na prática, uma força secundária, relativamente ao seu “Comando de Caças”, onde já se destacavam modelos de aviões como o Supermarine Spitfire e o Hawker Hurricane, que se revelariam essenciais na defesa das Ilhas Britânicas, e havia sido subestimado pelos seus inimigos, mais preocupados com a sua poderosa Marinha.

Neste quadro, a situação ficou ainda mais complicada após a operação de retirada de Dunquerque, na Primavera de 1940. As linhas defensivas antiaéreas germânicas, onde se incluíam as estações de radar, que não só detetavam os movimentos da aviação inimiga, como orientavam as esquadrilhas atacantes da Luftwaffe, estendia-se até aos limites costeiros da França e da Holanda.

Havia, por isso, uma grande distância de ida e volta, a percorrer sobre espaço aéreo inimigo, o que obrigava a manobras de diversão complicadas, da parte das formações de bombardeiros aliadas que, ainda tinham dificuldade em encontrar os seus alvos. Este problema das longas distâncias a percorrer sobre solo inimigo, seria, todavia, progressivamente colmatado, pelos progressos tecnológicos da parte dos Aliados, onde também ultrapassariam o Eixo. A conquista progressiva de terreno, incluindo a Itália e, mais tarde, a França, acabaria por colocar toda a área do Reich ao alcance das forças aéreas aliadas.

Nuremberga revelou-se, logo desde início, um verdadeiro “osso duro de roer” para as esquadrilhas de bombardeiros aliadas. Para além da já referida distância, esta cidade era difícil de localizar em voos nocturnos devido, acima de tudo, às suas condições geográficas. Para além disto, possuía uma defesa antiaérea das mais difíceis de transpor, em grande parte devido ao estatuto que tinha dentro do 3º Reich. O próprio castelo medieval do Burg, uma zona elevada no extremo Norte da cidade, era usado como bateria antiaérea.

O facto de uma formação de bombardeiros não conseguir encontrar o alvo da sua missão é sempre uma boa notícia para a cidade em questão. Contudo, já não o é para a zona que a rodeia. Ainda que Nuremberga, inicialmente, não fosse fácil de encontrar, a sua área geográfica foi crescentemente bombardeada ao longo da Guerra. Isto levava a que outras localidades próximas, incluindo Fürth e diversas aldeias, acabassem por sofrer danos. Por mais do que uma vez, diversos bombardeiros confundiram essas localidades com Nuremberga e várias de entre aquelas receberam cargas desproporcionadamente fortes para a sua extensão.

Imagem subsequente a um dos bombardeamentos realizados contra Nuremberga, durante o ano de 1943.

Mesmo assim, Nuremberga não foi poupada a destruições, ainda que episódicas, aqui e ali, sobretudo a partir de 1942. Pode-se afirmar que esta localidade foi sendo alvo de uma guerra aérea de desgaste, mas os bombardeiros aliados, durante quase todo o conflito, nunca haviam conseguido nesta cidade um resultado de destruição de assinalar, ao contrário do que já vinha acontecendo com outras localidades, em especial logo durante esse ano decisivo de 1943. Inclusive, foi num ataque aéreo a Nuremberga, cuidadosamente planeado para ser uma operação devastadora, não só pelo número de bombardeiros envolvidos (totalizavam 779), que a R.A.F. sofreu a sua maior perda de sempre em matéria de aparelhos e tripulações. Foram abatidos 96 bombardeiros e tudo isto numa só operação, tendo a cidade de Nuremberga sofrido apenas alguns danos “leves” – nunca tal tinha acontecido ao Comando de Bombardeiros britânico. Foi na noite de 30 para 31 de Março de 1944 e, chegou a causar uma grande celeuma dentro das mais altas patentes dos Aliados. Chegou a desconfiar-se de atos de espionagem e fugas de informação. Um excelente livro de Martin Middlebrook, “The Nuremberg Raid”, conta ao detalhe muito da situação deste desaire sofrido pelo Comando de Bombardeiros britânico.

Terá sido na sequência desta operação falhada que a R.A.F., por enquanto, passaria a investir em força, durante 1944, noutras localidades. Há que ter bem presente que, a partir da primavera de 1944 começaram, num esforço hercúleo e notável, os preparativos para aquilo que seria a “Operação Overlord”, como ficou designado o decisivo desembarque na Normandia, em Junho de 1944. O Comando de Bombardeiros, foi chamado a colaborar num esforço conjunto com a força aérea dos Estados Unidos, em ataques de maior precisão contra alvos estratégicos e vias de comunicações consideradas vitais para o 3º Reich, muito para o desagrado de alguns, como Sir Arthur Harris, que continuava a advogar a continuação do bombardeio sistemático dos centros urbanos germânicos e seus aliados.

Isto fez com que a generalidade das cidades alemãs atravessasse um período de maior acalmia, durante a primavera e grande parte do verão de 1944. A partir do final de Agosto de 1944, com a libertação consolidada da França, o objectivo da parte dos Aliados era acabar vitoriosamente com o conflito, até Dezembro desse ano, por todos os meios possíveis. Residiria aqui um dos elementos motivadores para um novo recrudescer, nesses oito meses finais, do bombardeamento dos centros urbanos da Alemanha. Nesta fase, a R.A.F. e a U.S.A.F. estiveram em consonância quase perfeita.

Contudo, devido quer à resiliência do inimigo germânico, na defesa de pontos estratégicos do seu território, como as suas fronteiras e o importante Reno, quer a súbitos contra-ataques da parte daquele, como a Invasão das Ardenas e a derrota de uma importante missão de paraquedistas aliados na Holanda (operação “Market Garden”, em Arnhem), o objectivo de terminar a Guerra até Dezembro de 1944, fica posto de parte. Mas, mesmo assim, a situação já estava definitivamente a favor dos Aliados. Era só uma questão de tempo.

Perspetiva sobre a rua "KönigsstraBe", situada na parte Sul da Cidade Velha, antes da Guerra, onde se destacam o antigo armazém medieval "Mauthalle" (à esquerda) e as duas torres principais da igreja St. Lorenzkirche (ao fundo).

O mesmo local, no final da Guerra. 

O edifício "Mauthalle" em 1945. O seu telhado original já havia sido destruído em 1943. O edifício foi rapidamente restaurado com um telhado provisório, que alterou a forma originalmente triangular dos frontões, antes de ser ainda mais gravemente danificado em 1945 

O interior da igreja St. Lorenzkirche, antes da Guerra.

O interior da igreja St. Lorenzkirche, após um bombardeamento.

Perspetiva sobre o lado Oeste do conjunto dos edifícios que compunham originalmente a Câmara Municipal ("Altes Rathaus") de Nuremberga, antes da Guerra.

O Salão Principal da Câmara Municipal ("Altes Rathaus") de Nuremberga, antes da Guerra.


Duas imagens a cores do interior do Salão Principal da Câmara Municipal ("Altes Rathaus") de Nuremberga, antes da Guerra.


A parte Oeste da Câmara Municipal ("Altes Rathaus") de Nuremberga, depois da Guerra.

Aspeto dos incêndios subsequentes a mais um bombardeamento noturno.


A casa de Albrecht Dürer, onde ele também tinha um dos seus principais ateliers, depois da Guerra.

O muito destruído edifício "Fleischhaus" (armazém de carne medieval) depois da Guerra.

Perspetiva sobre a zona da ponte de pedra renascentista "FleischBrücke", antes da Guerra. À esquerda, vê-se parte do edifício medieval "Fleischhaus", com o seu portão lateral encimado pela estátua de um boi, o "Ochsenportal", que dava o nome a este local. Mais ao centro, vê-se um pouco da grande praça Hauptmarkt, onde esta rua desembocava.

Logo no dia 2 de Janeiro de 1945, Nuremberga foi alvo de um esmagador bombardeamento, que muito contribuiu para o estado em que se encontrava no final do conflito. Com a Luftwaffe desorganizada e as defesas aéreas no terreno fragmentadas, não foi difícil para os Pathfiders da R.A.F., fazer uma marcação de alvo de uma precisão até então inédita, no caso desta cidade, do seu centro urbano. Como é possível verificar na imagem seguinte, a força de aproximadamente 500 bombardeiros centrou o seu ataque bem sobre a Cidade Velha. Chegou a gerar-se, em vários locais, um fenómeno denominado "tempestade de fogo" ("firestorm"). Trata-se de um efeito medonho provocado pela concentração uniforme de vários incêndios numa vasta área. É algo similar a um tornado, onde o fogo parece ganhar vida, produzindo um vento próprio com capacidade para arrastar até grandes volumes para o interior da conflagração e criando uma área de autêntico "microclima" onde as temperaturas atingem valores à volta dos 1000 graus centígrados e os materiais inflamáveis entram em combustão quase por magia. Diversos artigos falam ainda sobre os efeitos que este tipo de fenómeno provoca no corpo das vítimas, que têm o azar de ser os protagonistas de uma situação de "tempestade de fogo"... A destruição conseguida em Nuremberga foi da ordem dos 90%. Foram precisos vários dias para extinguir todos os incêndios.

As áreas coloridas representam a destruição provocada pelo devastador bombardeamento de 2 de Janeiro de 1945.

Ainda haveria alguns bombardeamentos adicionais até ao final do conflito. Foi ainda sobre Nuremberga que as forças que restavam à Luftwaffe, ainda conseguiriam infringir ao Comando de Bombardeiros britânico uma das suas últimas perdas em aparelhos na noite de 16 de Março de 1945. Nesta fase do conflito, já era corrente as formações aéreas aliadas executarem missões de bombardeamento em vários alvos no mesmo dia. Já não era só iniciar um bombardeamento num alvo escolhido ao acaso para confundir as defesas antiaéreas alemãs acerca de qual seria o verdadeiro alvo de cada missão em concreto. As formações de caças germânicas já não tinham a certeza de nada e quase agiam de acordo com cada situação em concreto.

Nessa noite, 16 de Março, o alvo verdadeiro da R.A.F. contra todas as expectativas germânicas, foi Würzburg. Esta cidade, como tinha sido raramente alvo de ataques aéreos ao longo de todo o conflito, excluindo os falsos alarmes, era das menos preparadas para uma eventualidade dessas. Foi destruída a mais de 90% num bombardeamento maioritariamente incendiário. 

Um aspeto de Würzburg antes de 1945.









A defesa de caças germânicos julgou tratar-se de mais um ataque de diversão e que o alvo principal era Nuremberga. De facto, uma formação menor de bombardeiros destacada da força principal, lança um ataque, afinal secundário, contra esta cidade. Como Nuremberga era, para os nazis, mais importante do que Würzburg, uma força restante de caças germânicos recebeu-os com uma eficiência já quase impossível, nas sua condições de então. Mas nesta cidade, ao contrário da outra mais a Norte, já havia pouco para destruir.

A muito feroz Batalha de Nuremberga, que decorreu entre 16 e 20 de Abril de 1945, finda a qual o exército americano conquistou a cidade, acabaria por destruir ainda mais o pouco que havia restado dos bombardeamentos anteriores.



Perspetiva sobre o rio Pegnitz, depois da Guerra, onde são visíveis, no canto inferior direito, o que restava do moinho de água já referido atrás. Na metade esquerda da imagem, descortinam-se as torres da igreja St. Sebalduskirche.

Na imagem, surge a rua "KönigsstraBe", depois de um bombardeamento. A silhueta que se observa através do fumo, é da igreja St. Lorenzkirche.

Perspetiva muito elucidativa da realidade em Nuremberga, depois da Guerra, com gente a tentar sobreviver no meio das ruínas. Ao fundo, à esquerda, surge a silhueta do Burg (castelo) e, no centro, as torres da igreja St. Sebalduskirche.

Perspetiva sobre uma zona muito arruinada de Nuremberga, depois da Guerra. Na metade esquerda da imagem, observam-se a igreja St. Sebalduskirche e parte da fachada da igreja Frauenkirche. Ao fundo, mais à direita, descortinam-se as torres do Burg (castelo).



Imagens de Nuremberga no pós-guerra.


A Nuremberga que hoje nós encontramos, é uma cidade que ao longo dos anos vai tentando manter viva a sua tradição e história, valorizando tudo aquilo que a afaste de qualquer conotação com o nazismo. Tendo sido um dos principais locais onde este foi liquidado a partir de 1945 (ainda que mais simbolicamente, porque ainda existe um pouco por todo o Mundo), cabe-lhe precisamente esse papel. Temos de reconhecer que Nuremberga tem desempenhado bem esse dever. Aliás, durante a sua reconstrução, houve uma política arquitectónica bem inteligente que impôs como regra, em especial dentro da área da chamada Cidade Velha, a construção de edifícios que não ofendessem a imagem histórica da sua imagem passada, resultando isto na bem-vinda ausência de arranha-céus e de edifícios funcionais dentro do estilo “plattenbau”, como aconteceu num grande número de cidades germânicas onde a Guerra deixou a sua destruidora pegada.

A Cidade Velha de Nuremberga, vista a partir do Sul. Ao fundo, numa zona elevada, vê-se o conjunto dos edifícios que compunham o seu castelo, também conhecido por "Burg".

Pode-se afirmar que o “skyline” secular de Nuremberga foi na sua maior parte preservado. Todavia, deve-se ter bem presente que o que se encontra pelas ruas de Nuremberga é, na sua maioria, uma réplica aproximada do que aqui existia antes da Guerra. Poderão aqui e ali aparecer réplicas e restauros mais ou menos fiéis ao original, mas houve a necessidade também de adaptar as reconstruções e o delineamento das ruas às exigências de uma cidade moderna. Tentou fazer-se um compromisso entre um Passado fragmentado e um Futuro urgente, pois havia uma carência óbvia de alojamentos, que terá levado a que algumas ruas tenham um delineamento e uma largura um tanto diferentes das antecessoras e terão outras ruas mais estreitas mesmo desaparecido. Neste último caso, fez-se o que era esperado na generalidade das cidades da Alemanha que urgia reconstruir. No entanto, Nuremberga entraria em consonância com outras cidades, no que respeita à contenção de custos, umas vezes maior outras vezes menor, pois surgiam sempre, aqui e ali, outras prioridades na gestão de uma urbe. Daí se explicam os casos em que a recuperação de certos edifícios e monumentos, tenha ficado muito aquém das expectativas. 

Nuremberga. O edifício Pellerhaus, já durante  a Guerra (1943), mas antes da sua destruição.

Tal como aconteceu com a histórica “Pellerhaus”, antes que antes combinava elementos arquitectónicos da Renascença. Este edifício do século XVII, constituía, pela sua quase única fachada, um verdadeiro ex-libris de Nuremberga. A sua reconstrução foi feita num estilo mais simples e funcional, de acordo com um projecto de meados da década de 1950. Não havia verbas disponíveis nem prazo suficiente para a reconstruir na sua forma original. O resultado, como era de esperar, desagradou, e ainda hoje desagrada, a muitos habitantes e conhecedores da história de Nuremberga.

 

Nuremberga. O edifício Pellerhaus, tal como ficou depois da sua pouco consensual reconstrução.

Este edifício havia tido várias funções ao longo da sua história, como a de ter sido a residência de Martin Peller (negociante de Nuremberga), mandada construir por ele próprio, por volta de 1600, e que seria a habitação desta família por mais de 200 anos, de onde lhe veio o nome (“Peller”). De referir que, quando Martin Peller a construiu, originou-se um conflito aberto com os seus vizinhos da Egidienplatz, pois estes não gostaram do destaque que esta fazia no conjunto desta praça, alegando que desrespeitava uma certas “Leis de Nuremberga” relativas à construção de edifícios nesta cidade. Em várias ocasiões, a casa chegou a ser ameaçada de demolição pelos poderes centrais. Ironicamente, tornar-se-ia um dos grandes ex-libris da Cidade Velha de Nuremberga, ao ponto de a Câmara Municipal desta a ter comprado no final da década de 1920. Quando se iniciou a Guerra, era um edifício destinado a armazenar arquivos, mas igualmente com funções museológicas, graças não só à sua fachada, como também ao seu interior ricamente decorado, onde se destacavam os empanelamentos em madeira trabalhada e pintada à mão, sem falar nas suas outras secções, como um pátio interior dos mais interessantes de toda a Europa, o denominado “Pellerhof”. Originalmente combinava vários estilos arquitectónicos, nomeadamente da Renascença e do Gótico Tardio, sem esquecer alguns elementos aqui e ali de Barroco. 

O pátio interior "Pellerhof" original. 

Até à sua destruição, estava quase inalterada relativamente ao projecto inicial de Martin Peller. Esta ocorreria a partir de um bombardeamento diurno da aviação americana, em Outubro de 1944, onde ficaria estruturalmente danificada por impacto direto de bombas explosivas. A sua destruição final dar-se-ia na sequência do já referido bombardeamento da R.A.F. em 2 de Janeiro de 1945, em que arderia até aos alicerces. No dia seguinte, as suas paredes exteriores entrariam em derrocada e da sua fachada só restaria a parte do piso térreo. A “Peller Haus” tal como era conhecida, desapareceria literalmente no amontoado informe de escombros em que a Egidienplatz, bem como muitas outras partes da Cidade Velha de Nuremberga, se havia transformado, onde só faziam diferença as paredes exteriores da próxima igreja barroca St. Egidienkirche e o monumento equestre fronteiro do imperador Wilhelm I.


Duas perspetivas opostas do pátio interior “Pellerhof”, tal como se encontrava após a Guerra.

O pouco que restava da fachada da “Pellerhaus”, após 1945.


Estátua equestre do imperador Wilhelm Ifronteira à "Pellerhaus". após os bombardeamentos da Guerra.


A igreja barroca St. Egidienkirche (à direita), o monumento equestre do imperador Wilhelm I. e as ruínas restantes da Pellerhaus (à esquerda).

O interior da igreja barroca St. Egidienkirche, antes da Guerra.

O interior da igreja barroca St. Egidienkirche, tal como se encontrava no final da Guerra.


Perspetiva sobre praça Egidienplatz onde se destacam as ruínas da "Pellerhaus" (ao centro) e da igreja St. Egidienkirche (à direita).


Logo a partir de 1950, e na sequência das diversas reconstruções que já vinham ocorrendo desde 1945, decide-se elaborar um plano para a reconstrução da praça Egidienplatz, abrindo-se, desde logo, uma série de concursos relativamente a quem seria destinada tal empreendimento. Um elemento incontornável era sempre a “Peller Haus”, que ocupava um lugar de destaque no conjunto dos edifícios que constituíam o pano de fundo desta praça, para além da já referida St. Egidienkirche, cujos trabalhos de recuperação já haviam começado.

Nuremberga. O "Pellerhof", pátio interior do edifício Pellerhaus, após a conclusão das obras de restauro, já neste século.

Já no século XXI, é posta em prática a ideia de reconstruir o pátio interior daquele edifício, o sempre recordado “Pellerhof”, uma obra ambiciosa e extremamente onerosa, mas de grande valor histórico. Devido ao apoio financeiro conseguido a partir de doações da parte de particulares, foi possível levar avante, durante anos, este projecto ambicioso, que acabaria por ser inaugurado em 2018. Esta obra fez renascer, na mente de todos os que a incentivaram, a esperança de verem finalmente reconstruída a fachada original da “Pellerhaus”.

Nuremberga. Fachada do edifício Pellerhaus, antes da Guerra.

Foi como consequência de caminhos gravemente errados seguidos em épocas de muito má memória pelos dirigentes do seu país, que Nuremberga foi uma das cidades do Mundo que maiores danos sofreu no seu património. Apesar de ser uma cidade incontestavelmente viva em matéria de cultura, tradição e turismo, a Nuremberga de hoje é, literalmente, uma sombra daquilo que foi em termos arquitectónicos. Em boa parte porque muito da sua silhueta urbana actual segue vagamente os contornos da sua skyline de vários séculos.

Perspetiva sobre a "Cidade Velha" de Nuremberga, obtida a partir da torre Norte da igreja St. Sebalduskirche. Na parte inferior da imagem, à esquerda, observa-se a praça Albrecht-Dürer-Platz. 


Na imagem acima e de na em baixo, duas perspetivas dos edifícios originais do Museu Nacional Germânico ("Germanisches Nationalmuseum") de Nuremberga, junto à parte Sul da muralha da "Cidade Velha", tal como se encontravam pouco antes da Guerra. 


Exemplo de uma rua de Nuremberga, antes da Guerra, onde é possível observar e perceber a antiguidade original das fachadas dos edifícios que antes existiam na "Cidade Velha" e que, nos nossos dias, muito raramente se encontra.


Rua situada na encosta do Castelo ("Burg") de Nuremberga, de onde é possível observar parte dos seus edifícios, com destaque para a Torre Sinwell ("Sinwellturm"), antes da Guerra.

De qualquer forma, se se fizer a comparação com fotografias históricas, sobretudo coloridas, que se conservaram e vão sendo redescobertas nas últimas décadas, a diferença salta à vista, nomeadamente na quase ausência total daquela tonalidade que caracteriza o antigo e secular.

Perspetiva sobre a denominada "Cidade Velha" de Nuremberga, após se terem efetuado as principais obras de reconstrução (ca. 1970). Apesar da skyline original ter sido respeitada, nomeadamente proibindo a edificação das muito disseminadas "torres de betão", muitos elementos arquitetónicos originais não foram recuperados e foi alterado o traçado de diversas ruas, para as tornar mais adequadas ao transito automóvel.

Em suma, Nuremberga é um bom exemplo de um lugar único no Mundo, que sofreu subitamente um desvio de uma longa linha de séculos de História, para incorporar, durante um breve período de tempo, o nazismo em muito da sua essência, sofreu as consequências diretas e indiretas desse caminho escolhido, simbolizou o fim desse horrível trajeto ajustando, dessa forma, contas com a História que havia renegado e soube recuperar e também reconstruir a sua identidade.

O famoso "Mercado de Natal", que se realiza todos os anos em Nuremberga.