domingo, junho 05, 2011

Alguns impactos da Revolução Industrial no Século XIX

O tipo economia de mercado que dominou grande parte do século XIX e cujos efeitos se continuariam de certa forma a fazer sentir no século XX derivou, em muito, da Revolução Industrial iniciada no século XVIII. De referir, para pôr as coisas no seu devido lugar, que a dita “economia de mercado”, que é, desde há muito, uma realidade neste novo século XXI, deverá muito a essa primeira verdadeira economia de mercado, que havia encontrado terreno fértil nas profundas e múltiplas transformações originadas pela Revolução Industrial.



No entanto, a versão contemporânea de “economia de mercado” que hoje, neste Século XXI, nos envolve e domina, com todas as suas virtudes e defeitos surge num contexto histórico-social completamente diferente, para não falar do inevitável factor científico-tecnológico a condicionar, em grande parte, as sociedades mais desenvolvidas. A dita "globalização" que hoje é um lugar-comum incontestável, não existia no Século XIX, embora, fazendo-se uma breve retrospectiva, seja possível aí encontrar as suas mais remotas raízes.

A economia de mercado que dominou no século XIX desenvolveu-se numa sociedade onde a componente agrícola ainda assumia um papel preponderante, pelo menos nas sociedades ocidentais e mais desenvolvidas, que são usadas neste livro ("A Grande Transformação") como o principal ponto de referência comparativo.

É preciso ter sempre presente que a Revolução Industrial não se processou na mesma velocidade e de uma forma uniforme neste conjunto de países de referência. De qualquer forma, os efeitos da Revolução Industrial nos países por onde passou foram mais ou menos similares. As zonas urbanas e de maior densidade populacional, eram onde o grosso da actividade fabril mais se concentrava, o que ofereceu às cidades uma importância então inédita. As cidades já detinham o seu valor por nelas se encontrarem as instituições que representavam o poder central, tanto a nível político, militar e religioso de cada nação, para além de já serem, há muito, zonas de grande produção cultural e científica.

Esta conjuntura que começava a ganhar forma, era um perfeito contraponto à já milenar realidade em que a generalidade dos produtos e actividades de subsistência básicas se concentravam nas zonas rurais. As zonas urbanas dependiam quase exclusivamente destas e, apesar de nas cidades se alojarem, já há muito, os denominados ofícios e as actividades de manufacturas pré-industriais, os produtos básicos, provenientes das zonas rurais, eram aí simplesmente escoados através do comércio. Antes da Revolução Industrial, as cidades detinham uma importância secundária na cadeia de produção. Eram aglomerados habitacionais principalmente consumidores e onde o denominado “ócio” tinha o seu centro. As principais forças de trabalho concentravam-se onde havia mais “terra” ou solo arável, que era o que verdadeiramente representava a riqueza e o poder económico. Era mais rico quem tinha mais terra, ainda que nela não trabalhasse. Os pequenos proprietários, que trabalhavam os solos que possuíam, eram os maiores representantes do tipo de economia de auto-subsistência que, então, dominava.

A Revolução Industrial trouxe consigo uma gradual alteração deste quadro. Decididos a fugir a uma realidade feita de incertezas, situações de penúria recorrentes e não raras situações de injustiça e exploração abusiva da parte dos senhores das terras, um número crescente de pequenos agricultores e jornaleiros decide partir para os grandes núcleos urbanos, dando origem a uma situação, então, quase inédita, de êxodo rural. Muitos julgavam ver nessa nova actividade a tão desejada melhoria das condições de vida, outros achavam que, sendo a sua vida de trabalho de sol-a-sol uma vida desagradável e sem perspectivas de futuro, pior do que estavam não podiam ficar, caso abraçassem a nova condição de operários fabris. Muitos acabariam por ser desenganados e descobrir uma nova forma de exploração.

As cidades, como espaços onde se prometiam novas oportunidades, acabariam por sofrer um importante, senão explosivo, crescimento físico e populacional, graças a estes novos contingentes populacionais. Beneficiaram, inicialmente, com esta mão-de-obra adicional, mas também começaram a ser palco de novas situações de miséria, devido ao facto de, entre outros aspectos, os espaços laborais existentes não conseguirem absorver essa nova mão-de-obra disponível ao mesmo ritmo do seu crescimento.

A Revolução Industrial fazia surgir um novo tipo de ser humano que, em contraponto ao que antes produzia principalmente para si, agora, produzia para a entidade que o acolhia, neste caso a empresa detentora da fábrica, e lhe atribuía uma ou mais tarefas a desempenhar. Este novo tipo de indivíduo, já não via parar às suas mãos o produto real do seu trabalho que lhe permitia subsistir, mas antes um valor que era atribuído ao seu esforço, sob a forma de “salário”, a partir do qual obtinha a sua subsistência. Eis porque este, então, novo e cada vez mais numeroso tipo de trabalhador, era designado de “assalariado”. Para além disto, cada um destes trabalhadores perdia a sua individualidade enquanto ser trabalhador, para se tornar em mais um simples número contabilizável, ou seja, uma peça dentro de uma cada vez maior engrenagem produtiva.
A miséria vivida por aqueles que se aglomeravam nas zonas pobres das cidades era, muitas vezes, mais dura e permanente do que aquela que, de quando em quando, afligia os que viviam do básico trabalho da terra.

Com a criação dos denominados “bairros operários”, todo um conjunto de novos problemas e desafios se colocaram às autoridades locais de diversos países. A generalidade dos indivíduos que vinham habitar estes novos espaços, eram confrontados com um modelo habitacional preferencialmente concentrado, ou seja, um grande número de pessoas a viver numa área relativamente pequena. Este facto era, desde logo, gerador de uma crescente insatisfação, visto que uma parte substancial destes indivíduos provinha de zonas onde o modelo habitacional era disperso. Nos seus lugares de origem, apesar das eventuais dificuldades de vida, havia uma maior definição de “território individual”, ou seja, os lares podiam até ser diminutos, mas havia uma área circundante mais vasta que garantia uma maior privacidade dos indivíduos. Entre outros aspectos, o clima de promiscuidade que pudesse existir no seio de algumas famílias, agravava-se seriamente, dado que o espaço habitacional que lhes ficava reservado, encontrava-se a paredes-meias de, pelo menos, outra habitação ocupada por desconhecidos, quando não literalmente “entalado” no meio de várias habitações onde, por si só, a falta de espaço individual já era um problema frequente.

Numa situação destas, seria fácil, de quando em quando, desencadearem-se situações de violência, mesmo no seio das próprias famílias. Por outro lado, a experiência foi ensinando às autoridades, que uma concentração excessiva de seres humanos numa área restrita era altamente degradante do ponto de vista sanitário, para além de se converter num foco gerador de criminalidade. Desta forma, estes novos fluxos populacionais que, inicialmente, podiam representar o “sangue novo” de que as indústrias emergentes e as respectivas zonas urbanas tanto precisavam para funcionar e desenvolver, começavam a se revelar prejudiciais para a qualidade de vida de um sem-número de cidades e os respectivos habitantes de origem. Em muitos países, as autoridades locais tiveram de empreender um enorme esforço inédito de reordenação dos espaços urbanos, que muito contribuiu para dar às principais cidades do Mundo, a começar pelos países ocidentais, uma nova fisionomia que se tornaria imagem de marca da época contemporânea. O sucesso destas medidas de fundo foi, no entanto, muito variável de região para região.