terça-feira, outubro 30, 2007

domingo, outubro 28, 2007

Mário Botas - um pintor nem sempre lembrado

Este pintor português nasceu na Nazaré em 23 de Dezembro de 1952. Aqui viverá durante a infância e a adolescência, desenvolvendo um crescente gosto não só pela pintura, como também pela leitura que seria um dos elementos inspiradores de muito da sua obra futura. Esses primeiros anos na Nazaré, constituirão os seus primeiros elementos de inspiração artística, que ele nunca deixará, ao longo das suas diversas obras, de evocar e revisitar de quando em quando. As suas gentes, em grande parte ligadas à actividade piscatória e, sobretudo, sua rica paisagem, plena de contrastes e perspectivas, as casas, sempre com o mar em pano de fundo, irão enformar muito do seu subconsciente de artista.
No entanto, só será a partir de 1970, que a sua carreira de artista sofrerá o impulso determinante e a consistência necessária e verdadeiramente se iniciará. Nesse ano, ele ingressou com boa média na Faculdade de Medicina de Lisboa e vem residir nesta cidade, nunca deixando de regressar à sua terra natal sempre que podia. Aos poucos, começa a contactar com gente que partilhava gostos artísticos e literários muito semelhantes e que o introduzirá em círculos de relações mais ou menos restritos onde a produção cultural era fervilhante.
Graças a isto, vai conhecendo a obra pictórica de diversos artistas de nacionalidades e épocas diferentes, ao mesmo tempo que, devido à sua outra paixão, a leitura, alarga os seus conhecimentos e horizontes literários. De facto, na sua obra, a pintura surgirá, muitas vezes, de mãos dadas com a literatura.
Neste começo da década de 70, surgem os seus primeiros trabalhos pictóricos onde já revela um estilo muito próprio, embora inspirando-se em muito daquilo que observava noutros pintores e desenhadores, incluindo seus contemporâneos. Organiza as suas primeiras exposições individuais, começando por uma na Comissão Municipal de Turismo da Nazaré. Pela mão de alguns artistas, com quem vai trocando impressões, "descobre" o Surrealismo. Entre estes artistas estava Mário Cesarini. De facto, os seus desenhos deste período, devem muito ao Surrealismo, embora o posterior amadurecimento da sua obra não o impeça de a ele retornar. Intencionalmente ou não, os seus primeiros desenhos eram parcos em elementos pictóricos, nomeadamente no que diz respeito à cor. Esta, no entanto, tornar-se-à um elemento cada vez mais importante na estética da sua pintura, tendo Mário Botas manifestado uma crescente preferência pela aguarela.
Por outro lado, enquanto pessoa atenta à realidade nacional e internacional, Mário Botas também encontrará aí diversos motivos de inspiração para os diversos "personagens" dos seus desenhos. Muito à maneira de diversos artistas nacionais durante esses anos finais do Estado Novo, Mário Botas não resiste a satirizar diversos aspectos da realidade social e cultural portuguesa, de uma forma propositadamente quase imperceptível à primeira vista. Desta forma, o surrealismo recém-descoberto por M. B., será o seu recurso mais eficaz para transmitir a mensagem pretendida, fazendo-a chegar aos que partilhavam a sua visão crítica do Portugal de então e confundindo os adversários.
Em paralelo, faz o seu curso de Medicina sem quaisquer problemas, conseguindo mesmo uma média relativamente alta, apesar de, com frequência, ser visto a desenhar durante as aulas. Por outro lado, começa a desenvolver o gosto pela viagem, que constituirá uma forma de contactar mais ao vivo com a arte que se ia produzindo nos outros países, sem esquecer os artistas já consagrados pela História, bem como um elemento adicional de inspiração para os seus cada vez mais complexos desenhos.
Em 1975 conclui o curso de Medicina, com boa classificação, começando de seguida a frequentar um estágio de Psiquiatria. Pretendia fazer da Medicina a sua carreira principal e o seu modo de vida, surgindo a pintura como uma actividade secundária, um hobby, a que M. B. dedicaria o seu tempo livre.
No entanto, os seus planos não se concretizariam nunca. Em Setembro de 1977, na sequência de se vir sentindo mal há algum tempo, recebe o diagnóstico, já suspeitado, de uma leucemia. É então que a vida de Mário Botas sofre uma trágica reviravolta. Pressentindo que não lhe restaria muito tempo de vida, em virtude de a leucemia ser uma doença mortal virtualmente incurável, decide abandonar a Medicina e dedicar-se a tempo inteiro à pintura. É a forma que ele encontra não só para se abstrair do seu drama, como também de deixar algum legado para a posteridade, algo onde ele sinta que a sua existência se perpetuará. Acabará também por ser uma válvula de escape para os seus medos e sonhos.
Será durante este período, entre 1977 e 1983, que Mário Botas produzirá não só o grosso da sua obra, como também os seus desenhos e pinturas mais interessantes e emblemáticos. Um bocado à maneira de tantos artistas ao longo da História, o saber-se condenado exacerbou-lhe o seu génio criativo. Tudo aquilo que o seu espírito havia absorvido nos seus anos de formação, quer do ponto de vista artístico, quer literário, se irá exprimir na sua máxima plenitude nas muitas telas onde M.B. lançará o seu traço e as suas cores.
Mário Botas viveu intensamente, dentro daquilo que a sua saúde em declínio foi permitindo, pintando, lendo e convivendo o mais que podia. Os que lhe são próximos, conscientes da sua real situação, foram-lhe dando todo o apoio possível. Para além disto, deslocou-se ao estrangeiro diversas vezes, para ser observado por médicos, aproveitando, nessas estadias, para expor os seus trabalhos em galerias e contactar com mais artistas, não necessariamente pintores. Entre estes estava o compositor John Cage, que se tornará seu amigo.
No começo do ano de 1983, estando a sua doença muito agravada, decide, mais uma vez, consultar médicos estrangeiros, na esperança de conseguir algumas melhoras. Desenganado, fica, ainda mais do que antes, ciente de que não lhe restaria muito tempo de vida, decide empenhar-se, quase até ao limite das suas forças, na sua obra. São precisamente destes seus últimos meses de vida, os seus desenhos e pinturas mais emblemáticos. Infelizmente, o seu mal, a leucemia, acabou por vencê-lo a 29 de Setembro de 1983.
Documentário "Perfil: Mário Botas", datado de 1978 e da autoria de Alexandre O' Neill e Rui de Brito.

Eu, "Mário Botas", da autoria de Almeida Faria, datado de 1989. Um documentário obrigatório, para quem quer entrar em contato com a vida e obra do multifacetado pintor-poeta Mário Botas. Muito raramente transmitido na televisão e a más horas...

domingo, outubro 21, 2007

O Jardim da Manga - Coimbra



A fotografia de cima mostra-nos parte do vasto complexo de edifícios do Mosteiro de Santa Cruz tal como ele se encontrava por volta de 1860. Aqui é possível observar o famoso Claustro da Manga, o qual, mais tarde, se transformará no actual Jardim da Manga. Mais atrás, observa-se a Torre de Santa Cruz ou Torre dos Sinos. Esta seria demolida no começo de 1935, sob o pretexto de poder ruir, pondo dessa forma em perigo a vida dos transeuntes. Entre esta velha torre e a ala mais acima do Claustro da Manga, havia já uma estreita rua, que, mais tarde, se denominará Olímpio Rui Nicolau Fernandes. Do outro lado, logo à direita da Torre, seria instalado um liceu, o qual, após o 25 de Abril, adquiriria o seu nome actual de Escola Secundária Jaime Cortesão.
Após a extinção das ordens religiosas pelo Decreto de 1834, da autoria de Joaquim António de Aguiar, as várias alas do Claustro da Manga passariam a albergar vários serviços públicos, nomeadamente a Malaposta, os Correios e o serviço de telégrafo. Aliás, no extremo direito da imagem, quase imperceptível na foto, existia um arco de ligação entre os dois lados da então estreita rua denominado "Arco do Correio". Este seria demolido, juntamente com a ala maior do Claustro da Manga, aquando das obras de alargamento da futura Rua Olímpio Nicolau Fernandes, em finais do século XIX, obrigando a uma nova recolocação logística dos serviços públicos aí instalados.
A fotografia de baixo, mostra como este local se encontrava nos primeiros anos do século XX, quando a rua fronteira já era uma via algo movimentada, graças, em grande medida, ao Mercado D. Pedro V e às novas habitações que haviam começado a bordejar a futura Avenida Sá da Bandeira. Esta nova via, não era mais do que um alargamento acentuado do antigo caminho de ligação ao futuro Parque de Santa Cruz, durante muito tempo um local de retiro e meditação reservado aos frades crúzios. 
As outras alas do Claustro da Manga, seriam, durante a primeira metade do século XX, sujeitas a profundas obras de remodelação, em grande parte incentivadas por um violento incêndio que aí ocorreria em 1917. Em particular a ala visível à direita, onde estavam alojados, já então, os C.T.T., seria novamente pasto das chamas em 1934. Na sequência disto, optou-se pela sua total demolição e, no seu local, seria construído de raíz o actual edifício dos C.T.T., de traça arquitetónica totalmente diferente. O conjunto de construções, fontes, cubelos e esculturas do antigo Claustro da Manga, seria alvo de operações graduais de limpeza e embelezamento, recebendo o actual nome de Jardim da Manga.

sexta-feira, outubro 19, 2007

República dos Paxás - Coimbra



Nestas duas fotos, somos confrontados com o que restou da desaparecida Real República dos Paxás após um violento incêndio, ocorrido em 1987, e que ditou a sua "morte" para sempre. Mesmo estas deprimentes ruínas já não existem, pois foram removidas algures na década de 90. Estas fotografias, se bem me lembro, foram tiradas no dia 1 de Dezembro de 1989.
Esta República, que fazia parte de um extenso rol de outras tantas, que foram sendo fundadas fora da Alta de Coimbra, principalmente depois das vastas demolições que a amputaram de muito do seu património, fora fundada em 31/1/1950, no edifício da Vila Bento, junto à Ladeira do Seminário, estratégicamente situado num ponto de onde se desfrutava de uma magnífica vista sobre esta zona da cidade e das zonas verdes circundantes.
Um dos elementos decorativos mais em destaque no seu interior, consistia num conjunto de pinturas murais, retratando alguns aspectos da vida estudantil de Coimbra, e que terão sido realizadas na segunda metade da década de 1950. A sua autoria foi atribuída ao estudante Varela dos Reis. Segundo se diz, ficaram na memória os rasgados elogios do escritor brasileiro ERICO VERÍSSIMO a estas pinturas, aquando da sua visita em 23 de Fevereiro de 1959. O escritor seria agraciado com o "diploma" de Paxá Honoris Causa e alvo de uma serenata em sua homenagem.

sábado, outubro 13, 2007

Universidade de Coimbra

Nesta fotografia, temos um pouco da vista aérea da zona central da Universidade anterior às demolições da Velha Alta. Estas, grosso modo, iniciaram-se na Primavera de 1943, prolongando-se até 1975, quando ficou concluído o vasto edifício da F.C.T.U.C. Apesar de o essencial deste núcleo central ter sido preservado até os nossos dias, há diversos elementos aqui visíveis entretanto desaparecidos. Da parte do casario observável na zona acima do Paço das Escolas, só resta o grande edifício à direita, que agora alberga a Biblioteca Geral da Universidade. À data da fotografia, estava aqui instalada a Faculdade de Letras. Seria, durante as obras da Cidade Universitária, alvo de transformações que o descaracterizariam por completo. Concluída a sua remodelação, seria aqui inaugurada a já referida Biblioteca Geral da Universidade no ano de 1956, ficando definitivamente aberta ao público a partir de 1962. A abertura desta grande biblioteca, apesar de tudo, ofereceria muito melhores condições de leitura e estudo para os estudantes, para além de mais espaço disponível para o gradual crescimento do seu acervo de documentação e livros. A partir daí, tornava-se completamente dispensável um outro edifício, também aqui visível, na parte inferior da imagem, mais ao centro, entre a Faculdade de Direito e a Biblioteca Joanina. Durante décadas, esta construção rectangular, fora a sala de leitura dos estudantes, para além de, com grande falta de espaço, armazenar o seu espólio no piso inferior e cave. Seria demolida em 1971, expondo diversos vestígios arqueológicos da velha Alcáçova, que ainda são hoje um dos ex-líbris da Universidade de Coimbra. Mais tarde, já neste século, seria aí edificado o actual auditório da Faculdade de Direito. Olhando para o pátio da Universidade, dois importantes detalhes saltam à vista: o seu interessante jardim com árvores, canteiros e bancos e, fechando-o à direita, o Observatório Astronómico. O primeiro, desapareceu gradualmente a partir de 1944, apesar da sua grande importância, tanto a nível estético, como pelas espécies vegetais nele albergadas. O segundo, concluído em 1777, fora não mais do que uma alternativa mais modesta e menos dispendiosa, a um outro projetado para a Reforma Pombalina, cuja construção se havia iniciado em 1772, mas que não passaria do piso térreo. Foi então que se optou por este no Pátio da Universidade, que seria demolido em 1951, quando a actual estátua de D.João III, já se encontrava erigida no local.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Simon Wiesenthal


De ascendência judaica e nacionalidade austríaca, Simon Wiesenthal, nasceu no último dia de Dezembro de 1908, em Buczacz, localidade então parte do desaparecido império austro-húngaro e agora inserida na zona Oeste da Ucrânia, onde viveu uma breve primeira infância de desafogo económico, graças à atividade comerciante da sua família. O seu próprio pai, Asher Wiesenthal, havia fugido em 1905, às diversas perseguições montadas aos judeus pela Rússia czarista. Infelizmente, chamado para combater após o rebentar, em 1914, do conflito bélico mundial, acabaria por ser morto em combate na frente leste em 1915. Posteriormente, a Rússia czarista conquistaria a zona onde Simon e a sua família residia, obrigando-os a se refugiarem em Viena, na Áustria. Após a retirada da Rússia, em 1917, ele, a sua mãe e o irmão, regressariam de novo à sua cidade natal, situada numa zona que, posteriormente, estaria constantemente sob a jurisdição de diferentes nações circundantes até 1923, quando passaria a pertencer à Polónia.
Durante este período entre guerras, Simon Wiesenthal, completaria a sua formação académica, tendo, nomeadamente, devido ao facto de ter ascendência judaica, sido obrigado a fazê-lo em diferentes localidades, como Praga, Cracóvia, Kiev e Odessa.
Regressou a Lwow, onde abriria um gabinete de arquitetura, pouco depois de se casar em 1936. Durante os três anos que se seguiriam Simon Wiesenthal revelar-se-ia um arquitecto de grande nível, especializando-se na elaboração de projetos de vivendas elegantes, muitas das quais seriam construídas por judeus polacos ricos, apesar das crescentes ameaças do Nazismo.
Quando a guerra rebentou, a cidade onde Simon residia, Lwow, passar-se-ia a designar Lviv, por ter sido ocupada pela União Soviética, na sequência do Pacto Germano-Soviético Molotov-Ribbentrop. O seu padrasto e o seu meio-irmão foram assassinados por agentes do NKVD, a polícia secreta soviética, na sequência de um conjunto de purgas destinadas a eliminar todos os polacos que fossem considerados “inimigos do povo”. Wiesenthal foi forçado a encerrar a sua firma e a trabalhar numa fábrica.
Por diversas vezes Simon Wiesenthal escapou à morte à última hora. Ainda sob a ocupação soviética, conseguiu subornar um comissário do NKVD, de forma a evitar que ele, a esposa e a mãe fossem deportados para um gulag na Sibéria. No entanto, quando a Alemanha nazi invadiu a União Soviética em Junho de 1941, ele e a sua família foram capturados. Durante os anos seguintes, Simon Wiesenthal e a sua esposa, conseguiriam fintar a morte, da qual estiveram muito próximos, devido aos constantes assassinatos em série promovidos pelas forças de segurança nazis, sucessivas capturas e deslocações, residências temporárias em locais sem as condições mínimas de habitabilidade e má alimentação, para além das constantes sevícias e humilhações por parte dos ocupantes. Além do mais, Simon Wiesenthal foi, mais do que uma vez, internado em campos de concentração, salvando-se in extremis de ser executado em diversas ocasiões, sem falar no facto de ter sido separado de sua esposa, da qual não saberia mais do paradeiro até 1946. Julgou que esta havia morrido durante a revolta do guetto de Varsóvia, mas tanto ela como Simon, durante esses longos anos do Holocausto, acabariam por perder 89 familiares, incluindo as respectivas mães. O próprio Wiesenthal, por diversas vezes, chegou a tentar o suicídio. No momento em que foi libertado com a chegada das forças americanas a Mauthausen, na Áustria, ele havia sido feito prisioneiro em 12 campos de concentração, 5 deles de extermínio, onde ele pode acompanhar e sentir muito de perto os dramas pessoais de milhares de pessoas.
Após a sua libertação, a que se seguiria um período de recuperação física e adaptação à vida normal, Simon Wiesenthal decide colaborar ativamente com o exército norte-americano, ajudando a reunir documentação que seria essencial não só para os processos de Nuremberga, como para outros posteriores e noutras localidades. No seguimento disto, ele e outros voluntários, decidem fundar o Centro de Documentação Judaico em Linz, na Austria, em 1947, que lhe permitirá continuar esta importante e árdua tarefa. No entanto, devido a facto dos Estados Unidos e a União Soviética terem progressivamente perdido interesse em realizar futuros julgamentos de crimes de guerra, o grupo foi-se dissolvendo. Não obstante, Simon Wiesenthal irá continuar a juntar documentação importante para levar a sua missão avante, não só em nome da memória de todos aqueles que morreram, como também por se saber que um número apreciável de criminosos de guerra nazis, das mais diversas nacionalidades, continuava sem ser levado a julgamento ou tinha entretanto escapado da prisão. Muitos acabariam, por escolher outros países distantes para iniciar uma nova vida, muitas vezes sob uma nova identidade.
Entre estes encontrava-se Adolf Eichmann, que havia sido o principal elaborador da “Solução Final” de Wannsee, para além de ter estado em colaboração direta com outros criminosos mais famosos como Heinrich Himmler, que se havia suicidado pouco depois da sua detenção em 1945, Reinhard Heydrich, eliminado em 1942 por um grupo de resistentes checos e Ernst Katelbrunner, condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberga. Após anos de investigação rigorosa, ainda que secreta, foi possível localizar na Argentina, Adolf Eichmann, que já aí havia inclusivé constituído família. Neste longo processo houve uma estreita colaboração entre o trabalho empenhado de Simon Wiesenthal e a Mossad, que acabaria por resultar na detenção e extradição do antigo criminoso de guerra para Israel, onde seria julgado e condenado à morte em 1962. É preciso salientar o papel pioneiro e ousado de Simon Wiesenthal, ao manter abertas investigações desta natureza, num tempo em que o clima político geral tendia gradualmente para uma atitude de acomodação e secundarização relativamente aos antigos criminosos de guerra.
Incentivado por este notável corolário de anos a fio de lenta, mas persistente, investigação Simon Wiesenthal decide reabrir o Centro de Documentação Judaico, onde agora se passará a ocupar de novos casos pendentes. Entre os seus maiores sucessos encontramos a captura de Karl Silberbauer, o oficial da Gestapo responsável pela detenção de Anne Frank. A confissão de Silberbauer, foi essencial para desacreditar todos aqueles que afirmavam que o Diário de Anne Frank, seria uma invenção. Ainda durante este período, são de assinalar a localização e posterior julgamento na R.F.A. dos 16 nazis responsáveis pelo massacre da população judaica de Lwow, a captura de Franz Stangl, o comandante dos campos de extermínio de Treblinka e Sobibor, e também a detenção de Hermine Braunsteiner, uma antiga supervisora de campo de prisioneiros, a viver então em Long Island, que havia ordenado a tortura e o assassinato de centenas de crianças em Majdanek.
Em virtude de haver nos Estados Unidos uma comunidade judaica com grande poder e intervenção nos mais variados aspectos da sua sociedade, é criado em 1977, o Simon Wiesenthal Center, em sua honra. Estando sediado em Los Angeles, esta instituição destina-se, para além de evitar que o Holocausto nazi caia no esquecimento, a contribuir para a prevenção de eventuais focos de anti semitismo e grupos de neo-nazis que poderão surgir, dirige os Museus da Tolerância existentes em Los Angeles e Jerusalém e pretende levar eventuais criminosos de guerra nazis sobreviventes à justiça.
Durante os anos 70, Wiesenthal envolveu-se na vida política austríaca, nomeadamente ao denunciar o facto de muitos elementos do governo socialista de Bruno Kreiskey, terem sido nazis quando a Áustria fazia parte do Terceiro Reich. Como consequência do seu forte empenhamento em que se fizesse justiça relativamente a um maior número possível de crimes de guerra, Simon Wiesenthal recebeu múltiplas ameaças de morte, que culminariam, entre outros aspectos na detonação de um engenho explosivo, colocado por neo-nazis alemães e austríacos, junto à sua casa em Viena.
Mesmo depois de entrar nos 90, Simon Wiesenthal, continuaria plenamente ativo na sua já longa missão, no seu pequeno gabinete do Centro de Documentação Judaico, agora localizado em Viena. Só mesmo no final da sua longa vida, em 2003, Wiesenthal decidiu suspender a sua atividade de detectar eventuais criminosos da época nazi que tivessem escapado à justiça, afirmando já ter encontrado todos aqueles que ele acharia fundamentais. Ele mesmo disse que já havia sobrevivido a todos eles e que se ainda houvesse alguns entre os vivos, estariam já demasiado velhos e débeis para serem julgados.
Viveu os seus últimos anos em Viena, com a sua mulher que morreria de causas naturais aos 95 anos em Novembro de 2003. Simon Wiesenthal acabaria por morrer durante o sono, quase dois anos depois, em Setembro de 2005, com a provecta idade de 96 anos. Poucas semanas depois do seu falecimento, foi descoberto em Espanha um dos últimos criminosos de guerra nazis ainda vivos: Aribert Heim. Este fora um dos médicos dos campos de concentração e, segundo se julga, terá sido o último caso de que Wiesenthal se ocupou antes de dar por encerrada a sua missão.
Tal como era seu desejo e de todos aqueles que viam nele um herói como poucos, o velho arquitecto seria enterrado em Israel na cidade de Herzliya, onde vivem muitos sobreviventes e seus descendentes do Holocausto.

domingo, outubro 07, 2007

Coimbra - em transformação



Nestas duas fotografias temos dois exemplos muito expressivos das grandes transformações que Coimbra foi sofrendo ao longo dos anos. Estas duas imagens, em concreto, reportam-se à primeira metade dos anos 50, um dos períodos em que a cidade foi sujeita a profundas obras que em muito contribuiriam para a sua fisionomia atuais. É certo que, tanto na época em questão, como na atualidade, estas não foram consensuais. As duas fotografias que aqui surgem, documentam duas operações de "modernização" da cidade, que se realizaram quase em simultâneo. A primeira mostra-nos como era a zona do Largo das Ameias, num dos extremos da Avenida Fernão de Magalhães, até 1953. Nesse ano são demolidos os dois blocos de edifícios, visíveis no centro da imagem, de forma a ampliar o Largo das Ameias, e superar o estrangulamento do trânsito crescente nesta entrada para a Avenida Fernão de Magalhães. Apesar de tudo, as fachadas dos dois edifícios mais altos (à direita), davam um aspecto mais harmonioso ao Largo das Ameias. A sua demolição colocaria um grave problema estético neste local, que ainda hoje se tenta resolver à custa de "cosmética publicitária", pois tornou o ponto mais em destaque do Largo das Ameias num recanto "sem rosto". Ali ficou, para sempre, a memória de uma obra feita a pensar exclusivamente na funcionalidade daquele espaço, à revelia de qualquer consciência patrimonial, a qual, pretendendo ser apenas um "melhoramento" em função das exigências de uma época específica, acabou por se concretizar numa amputação pura e simples, cujas consequências, até hoje, ninguém soube resolver devidamente.
Já a segunda fotografia, retrata a primeira fase das obras de alargamento e reposicionamento da Avenida João das Regras, realizadas mais ou menos no mesmo período das atrás referidas no Largo das Ameias. As profundas alterações da Avenida João das Regras encontravam-se inseridas num conjunto mais vasto de obras, realizadas em simultâneo, onde se incluíam a construção da "nova" Ponte de Santa Clara, inaugurada em 1954, o que levaria à consequente demolição da antiga (datada de 1875) no final desse ano, e também a completa remodelação do Largo da Portagem, que lhe daria muito da sua actual fisionomia. Aliás, estas três obras também podem ser referidas como uma única obra, visto que o decurso e a progressão de cada uma delas, dependia muito diretamente das outras. Os edifícios visíveis no lado direito desapareceriam no decurso das obras, tornando mais visível o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. O lado esquerdo manter-se-ia quase inalterável até hoje (2007). Devido ao facto da "ponte nova" de Santa Clara ter sido construída à direita da antiga de 1875, obrigou a que se construísse uma outra via, mais larga, ao lado da original. Para dar concretização a esta obra, para além de se demolir todas as casas do lado direito da antiga via, houve que "roubar" um pouco da área do Choupalinho, mais ou menos onde se localizava a antiga entrada para a Feira Popular. A antiga via, que ia dar à velha ponte, ainda por lá se encontra, como um acesso alternativo.

sexta-feira, outubro 05, 2007